A função da função

Penso que tudo o que a gente fizer nesse mundo deve contar com o máximo do nosso talento para ficar lindo. Mas também tem que servir para aquilo que foi feito, senão, para que gastar tanta energia?

A questão é que servir, nesse caso, pode ter um monte de significados. A função de um objeto pode ser principalmente provocar sensações e sentimentos, como uma escultura ou um toy-art, por exemplo. Mas cadeiras também devem ser lindas e precisam funcionar como suporte para quem quer sentar. E como não se perder nos encantos da estética deixando de lado a funcionalidade do objeto?

Foi pensando nisso que Dustin M. Wax escreveu “As sete leis do design funcional”. Elas servem para um website, uma embalagem, um edifício de escritórios, um software, uma capa de livro, uma máquina, um móvel, uma ferramenta ou qualquer coisa que precise funcionar. Até um bloquinho de nota fiscal. Até um chaveiro de brinde. Até um envelope de figurinhas para colecionar. Até um formulário faleconosco. Até uma coluna semanal sobre amenidades com um viés para o design.

Então, o negócio é o seguinte: se você quer criar uma coisa que realmente funcione, não deixe de se fazer essas perguntas antes de dar o trabalho por terminado.

1. Qual é o objetivo do produto?

Pense no site da Amazon. Qual é o objetivo daquele site (além de causar sério descontrole financeiro em book addicteds)? Bom, as pessoas podem usar o site para fins diversos (a criatividade humana é inesgotável). Mas, intencionalmente, os designers pensaram em algumas funções como ler e escrever resenhas, comparar preços, colecionar imagens de capas de livros, folhear virtualmente alguns volumes e mais um montão de coisas. Só que o objetivo principal, no duro, é vender produtos. Todas as outras funcionalidades estão lá para colaborar com essa. Parece óbvio, mas, às vezes, o designer se esquece que uma luminária serve para iluminar mais do que qualquer outra coisa. Esses dias recebi um convite virtual para uma exposição muito bem diagramado; a arte estava linda mesmo, tudo bem equilibrado. Só não dizia o local.

2. Quem vai usar o produto?

Talvez essa seja a consideração mais importante do projeto. O que funciona (e é lindo) para uns, pode parecer indecifrável (e horrível) para outros. Então, melhor saber muito bem quem são uns e quem são outros. Para ter certeza, convém se perguntar: que tipo de conhecimento ou familiaridade com o produto as pessoas que vão usá-lo possuem? Quanto tempo elas têm para aprender? Que ajuda elas precisam, e de que forma?

3. O que as pessoas pretendem fazer com o produto?

Se os projetistas parassem de tratar as pessoas como usuários e passassem a chamá-las de pessoas, talvez se dessem conta de quão inútil e complicada era a função programar gravação nos antigos videocassetes (esse é um dos grandes enigmas da humanidade que foram extintos sem serem resolvidos). E os programadores? Será que eles acham de verdade que alguém está interessado em configurar os protocolos de comunicação do SMS de seu celular? Para eles deve parecer absurdo que as pessoas se limitem apenas a enviar e receber mensagens quando há tantas outras possibilidades.

4. É claro o modo como o produto deve ser usado?

Um dos dogmas do bom design é que o produto tem que conversar com as pessoas e atender aos seus desejos sem que para isso elas precisem ter doutorado em matemática computacional ou gasto cerca de dois meses estudando o manual do usuário (usuário – aquele que consome drogas – emblemático, não?). Você conhece alguém que já leu o manual de instruções de um iPhone? Pois é, não precisa mesmo.

5. É possível reconhecer quando o produto está funcionando?

Essa pergunta pode parecer absurda, mas às vezes a gente faz uma compra virtual ou manda uma mensagem em um formulário e não consegue descobrir com certeza se aquilo realmente funcionou ou não (ainda mais quando a empresa nunca responde ao faleconosco). Eu tenho um aparelho de som da Philips cujo controle remoto nunca consigo usar. É que antes de aumentar o volume, tenho que selecionar se estou falando do rádio, CD ou mp3. Como os botões são todos do mesmo tamanho e a operação tem que ser praticamente simultânea, nunca sei qual dos botões não foi apertado direito. Uma jóia de usabilidade.

6. As pessoas realmente conseguem interagir com o produto?

Estamos falando agora da conexão, do encantamento, do prazer sensorial, do uso agradável, da sedução, da relação duradoura e apaixonada. A primeira vez que trouxe meu MacBook para casa, me deu vontade de colocá-lo ao lado da cama para olhar para ele toda vez que acordasse. Seu produto faz isso?

7. Como o produto trata os erros de operação?

Mesmo que você nunca, never, de jeito nenhum, imagina só, nem pensar, tá louco, cometa erros, por incrível que possa parecer, isso pode acontecer com as pessoas que usam os seus produtos. Então faça um esforço para imaginar no que elas poderiam errar e em como você poderia evitar ou mitigar essas bobagens que seres humanos inferiores costumam fazer.

Olhando assim, acho que o Dustin conseguiu cobrir tudo. Dei uma geral, mas acho que essa coluna não conseguiu. Ninguém falou que era fácil, o jeito é continuar tentando…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

7 Responses

  1. Marcelo
    Responder
    11 agosto 2008 at 12:34 pm

    Mto legal Ligia … apenas um parêntesis …
    ainda prefiro utilizar “usuário” a “público alvo”. O primeiro até pode remeter à idéia de dependência química, porém o segundo, me remete à guerra; como se possíveis interessados no produto andassem com um alvo pendurado na cabeça, igual àqueles que vemos em filmes, nas salas de tiro ao alvo.
    Já vi, em algum lugar, talvez no seu site mesmo, a expressão “público-afim”, uma pena que ainda poucas pessoas utilizam … mas acho muito melhor que as duas que citei.
    Absss

  2. 11 agosto 2008 at 4:23 pm

    Muito bom Lígia!
    Esse é o tipo de dicas que tem que estar impressa, colada e plastificado em cima da mesa dos Designers!

    Grande abraço
    Daniel

  3. 11 agosto 2008 at 5:01 pm

    Oi, Marcelo!

    Concordo plenamente com você, também odeio público-alvo. Inclusive foi tema que já explorei antes em uma coluna. Dá uma olhada: http://ligiafascioni.com.br/blog/?p=551

    Abraços pacíficos,

    Lígia Fascioni | http://www.ligiafascioni.com.br

  4. Marcelo
    Responder
    13 agosto 2008 at 4:04 pm

    Oi Lígia … eh esta coluna que li a respeito mesmo. Tinha uma vaga lembrança que poderia ser sua.
    E quanto aos “… pacíficos” rsrsrsrs … prometo me comportar! hehehehe
    Abssss

  5. Mariangela Azzolin
    Responder
    22 março 2012 at 12:54 am

    AVE, Ligia!
    Gosto das tuas reticencias que nos metem a pensar,…esperamos tuas próximass prosas (ou rosas),clareza e simplicidade verbal são tudo !,mas antes, “há de se saber falar…”,dádiva dos anjos ou daqueles que desejam o bem (de oculos escuros e com os olhos fechados) – coisa rara.
    Parabens Amiga!
    Aprecio tuas palavras com Hálito de coração.
    Grande abraço da SOS Design
    att
    Mariangela Azzolin

  6. Mariangela Azzolin
    Responder
    22 março 2012 at 12:58 am

    Adoro quando oque é tido pretensiosamnte como velho “é” atemporal,virtude da boa Arte e da (inclusa) Palavra.
    …me lembrou Neruda…

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