A síndrome do público em geral

Uma das questões mais polêmicas das minhas palestras é quando falo que a empresa não precisa ficar ansiosa por se destacar em inovação ou projetos ambientais se isso não faz parte do DNA dela. É óbvio que não estou dizendo que ela não deve inovar ou cuidar do ambiente; claro que deve, como todo mundo. Mas que tenha consciência de que não está fazendo mais do que a obrigação. Ela vai fazer a lição de casa, mas outros atributos, mais fortes, devem prevalecer como verdadeiros diferenciais.

Aí sempre aparece alguém que discorre sobre as tendências e necessidades do mercado, que exigem inovação total e preocupação com o planeta, o tempo todo. Gente, mas de qual mercado estamos falando? Do famoso “público em geral”? Isso simplesmente não existe, é obra de aluno malandro que deixou para fazer o trabalho na véspera ou profissional com preguiça de pensar

O objetivo da marca é seduzir clientes e fidelizá-los. Não tem como seduzir todo mundo e as empresas devem colocar isso na cabeça de uma vez por todas! É preciso escolher quem se quer seduzir, estudar seu comportamento, entender o que é valor para esse público (que, não custa lembrar, não é um alvo e nem deve ser tratado como tal) e descobrir, na sua própria essência, o que pode ser usado como base para um relacionamento duradouro.

E isso, pode ter certeza, não se descobre em estudos que mostram tendências e afirmações etéreas sobre o que “o mercado quer”.

Só para ilustrar, dois exemplos. Fala-se por aí que o mercado quer mais ética por parte das empresas. Ok, mas que mercado? O que compra DVD no camelô? Ou o que pirateia softwares? Ou seria aquele que paga uma cervejinha para o guarda para escapar da multa? Sim, de fato, há uma parte do mercado muito preocupada com a questão ética; mas é uma parte, não o malfadado “público em geral”.

Ok, o mercado quer comida orgânica e menos junk food. Mas qual parte, aquela que adoraria ter uma cartão de fidelidade do McDonald’s? Ou a que almoça e janta lasanha pronta de caixinha e macarrão instantâneo?

Percebem a diferença? O mercado é formado por pessoas, e, por serem pessoas, são intrinsecamente diferentes entre si, não cabe fazer juízo de valor. A empresa precisa encontrar o público que tem afinidade com suas características.

Qual é a real identidade da empresa? O que ela tem para entregar? Qual parte do público enxerga essas características como valor? Essas são as perguntas que valem um milhão, não aquela preguiçosa e anacrônica “o que o mercado quer?”.

Só para concluir, não estou aqui defendendo que pesquisas de mercado e de tendências sejam inúteis e não devam ser usadas. O que estou chamando atenção é que elas não servem para o “público em geral” e devem ser contextualizadas.

É ou não é, meu querido público específico?

14 Responses

  1. 14 novembro 2012 at 12:47 pm

    Como sempre, ótimo artigo Ligia!

    • ligiafascioni
      Responder
      14 novembro 2012 at 1:06 pm

      Obrigada, Guilherme :))

  2. ÊnioPadilha
    Responder
    14 novembro 2012 at 4:20 pm

    É isso mesmo, minha autora favorita. Fico feliz que exista ainda quem não faça todas as concessões ao mercado. Senão estaríamos lendo aqui algum texto bobinho de motivação ou de auto ajuda.

    • ligiafascioni
      Responder
      15 novembro 2012 at 11:49 am

      Aahahaha… motivação e auto-ajuda não são meu forte mesmo…ahahaha (nem o seu).
      Beijocas 🙂

  3. Claudia
    Responder
    16 novembro 2012 at 3:04 pm

    Lígia:
    É muiiito chato esse “a tendência agora é”. Aí sai todo mundo papagaiando o que ouviram na palestra do “professor da USP”. Nada contra os professores da USP, mas tudo contra quem ouve máximas e sai repetindo, a despeito dos conceitos mais elementares da comunicação/relacionamento/boas relações – que, aliás, se aprende em casa, quando temos 01 ano de idade.

    As palavras, os conceitos, saturam antes mesmo de alguém de fato praticá-los. Alguém ainda fala em “qualidade total”, “quebrar paradigmas”? Aplicaram a “qualidade total? Quebraram paradigmas? Nãooooooooooooooooo. Quem fez algo novo foi quem não proclamou.
    E alguém ainda aguenta falar em sustentabilidade? O mundo será salvo pela coleta de garrafas pets e a transformação delas em outros itens igualmente poluentes?
    Bem, quem está fazendo de fato coisas legais é quem não tem nada a ver com o peixe da falácia.
    Preguiça.

    Beijo,

    Claudia

    • ligiafascioni
      Responder
      16 novembro 2012 at 4:38 pm

      Aahahah… bem resumido, Claudia! Sem dizer que para cada frase dessas são publicados 15 best-sellers de aeroporto :))
      Beijos

  4. Claudia
    Responder
    16 novembro 2012 at 10:08 pm

    Lígia:

    Tu estás em São Paulo?
    Gostaria de ouvir uma palestra tua.

    Beijo,

    Claudia

    • ligiafascioni
      Responder
      17 novembro 2012 at 6:15 pm

      Oi, Cláudia!

      Não. Cheguei hoje em BH e fico aqui até dia 25, quando volto direto para Berlin. Que pena; quem sabe em março, quando eu voltar?
      Abraços,

      • 17 novembro 2012 at 9:06 pm

        Em março? São Paulo?
        Estarei em São Paulo nos dias 15 e 16/03/2013
        Qual é a agenda?

      • ligiafascioni
        18 novembro 2012 at 10:29 am

        Oi! Ainda não tenho agenda, dependo das empresas me contratarem e ainda estou negociando. Vamos ver :))

  5. Claudia
    Responder
    22 novembro 2012 at 8:08 pm

    Lígia:

    Ok, fiquemos no aguardo das boas novas de Março.

    Um beijo.

    Claudia

  6. 21 agosto 2013 at 12:43 am

    Brilhante sua matéria, Lígia. Eu entrei na Internet porque estava na dúvida se no título do meu blog colocava “público em geral”. Sua matéria tirou completamente minha dúvida e ainda me esclareceu em relação ao meu público.Valeu!!!!!

    • ligiafascioni
      Responder
      21 agosto 2013 at 5:35 pm

      Que legal que serviu 🙂
      Abraços e sucesso!

  7. Tito Parizotto
    Responder
    5 maio 2016 at 6:50 am

    Muito interessante, esta falácia se asemelha e caracteriza muito expressões usadas em fofocas, como “fiquei sabendo” (por que? Isso não se diz) “me disseram” (quem?). É a falácia do terceiro indefinido aplicada com as camuflagens de mercado. Muito bom!

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