A tarde sabe de coisas…

Daniel Pink é um escritor que acompanho há alguns anos, desde “A revolução do lado direito do cérebro”. Assim, não poderia deixar passar batido “When: the scientific secrets of perfect timing” quando o vi numa livraria de aeroporto.

Pink reuniu estudos científicos sobre os padrões de comportamento dos humanos em relação ao tempo (na verdade, a discussão toda é sobre timing, mas não sei como traduzir essa palavra para o português). 

O autor começa explicando que há padrões de comportamento facilmente identificáveis com a ajuda da tecnologia sobre as decisões que tomamos em relação aos horários do dia. E começa apresentando uma análise feita com o auxílio de inteligência artificial que analisou 500 milhões de tweets publicados por 2.4 milhões de usuários de 84 países em um período de dois anos. A ideia era identificar os efeitos positivos (entusiasmo, confiança, nível de alerta, etc) e efeitos negativos (raiva, letargia, culpa, etc). Os resultados são impressionantes. Independente se quem escreveu o tweet era norte americano, asiático, muçulmano, ateísta, negro, branco, homem ou mulher, o padrão era claro: o humor positivo aumenta pela manhã, reduz consideravelmente à tarde e volta a crescer no início da noite. As pessoas sentem-se mais felizes ao longo da manhã e menos felizes à tarde. À noite, as coisas começam a melhorar novamente. É claro que esse é um padrão estatístico (antes que alguém aí diga que não é bem assim).

E tem mais pesquisa interessante, olha só: três escolas de negócios americanas conseguiram autorização para gravar 26 mil chamadas telefônicas de 2100 empresas públicas durante seis anos e meio. Eles se valeram de algoritmos linguísticos semelhantes aos usados no estudo dos tweets. Conclusão: as chamadas no início da manhã eram quase sempre positivas e racionais. Conforme o dia ia progredindo, o tom ia ficando mais negativo e menos objetivo. A recuperação só acontecia no final do dia, depois que as bolsas de valores já tinham fechado. A recomendação dos estudiosos é óbvia: decisões cruciais, importantes e com muito impacto devem ser tomadas, discutidas e comunicadas nas primeiras horas da manhã. Mas é claro que as coisas não são tão simples, senão os estudiosos não seriam pesquisadores sérios, mas gurus de auto-ajuda cheios de receitas prontas.

As habilidades cognitivas de uma pessoa não são constantes ao longo do dia; elas mudam, e geralmente de maneira previsível. Somos mais criativos, espertos, rápidos, lentos, menos criativos, mais ou menos racionais em algumas partes do dia do que em outras. E essas flutuações não são desprezíveis. Para se ter uma ideia, a diferença de performance entre períodos do dia podem ser equivalentes a uma pessoa estar sóbria ou sob efeito de álcool. 

Outra pesquisa interessante, dessa vez em escolas dinamarquesas: as crianças tiravam notas melhores em provas de matemática se as fizesssem pela manhã. Nos EUA, descobriu-se que erros médicos ocorrem com muito mais frequência no período da tarde, independente dos profissionais e do hospital.

Mas, como disse antes, nada é tão simples, pois as pessoas têm seus próprios relógios biológicos (no meu tempo se chamava bioritmo, mas no livro ele chama de ritmo cicardiano), que influencia tanto a nossa fisiologia como nossas condições psicológicas.

Os estudiosos classificam as pessoas em três “cronotipos”: as cotovias (que acordam de manhã e aproveitam bem o dia), as corujas (aqueles seres noturnos que destestam acordar cedo) e o que eles chamam de “terceiro pássaro”, que estão entre os dois, mas sempre mais perto das cotovias estatisticamente.

Pelas pesquisas, cotovias são cerva de 14% da população; corujas são 21% e o restante, 65%, são terceiro pássaro. O interessante é que não necessariamente se passa a vida toda num tipo; com a idade, as pessoas tendem a ficar mais matinais. Os adolescentes são mais noturnos.

O livro traz dicas para a pessoa se autoavaliar e descobrir seu tipo e seus horários mais produtivos; também recomenda o melhor período do dia para tipos diferentes de tarefas (fazer trabalhos analíticos, tomar decisões, criar uma impressão, ter insights, etc). 

Tem algumas recomendações surpreendentes também, tipo não tomar café logo depois de acordar, pois a cafeína quebra a curva de crescimento do cortisol (o hormônio do stress) no sangue. O ideal seria tomar a bebida entre 60 e 90 minutos depois de acordar, depois que o cortisol já atingiu o auge e você está realmente acordado e alerta. Sessões de terapia são mais eficientes e produtivas de manhã, também por causa do cortisol.

Para diminuir os efeitos negativos normais no período da tarde, é importantíssimo fazer pausas periódicas (tipo caminhar 5 minutos a cada hora tomar água ou mesmo tirar os olhos da tela do computador). Para se ter uma ideia, o negócio é tão tenso que até julgamentos são afetados; estudos descobriram que se o juiz define a pena antes de uma pausa, o número de anos de condenação aumenta. 

Outra coisa surpreendente: a refeição mais importante do dia, ao contrário do que pregavam nossos avós, não é o café da manhã, mas o almoço. Ele é que fornece a pausa maior para enfrentar a tarde e seus humores. Cochilos de 10 a 20 minutos durante o dia também podem operar milagres.

O livro dá dicas bem úteis para projetos de curto, médio e longo prazo; fala sobre os benefícios da meditação e mais um monte de coisas interessantes. 

Vou finalizar com uma frase de Robert Frost que introduz um dos capítulos e que eu achei genial: “A tarde sabe de coisas que a manhã nem desconfia”. 

2 Responses

  1. Jacqueline keller
    Responder
    20 março 2019 at 8:44 am

    Muito bom, como sempre aliás! Olha na moda o timing é compreendido como o momento exato que se deve agir….o timing da moda é bastante utilizado no sentido de desenvolver uma coleção com as tendencias e aplicá-las no momento exato para que ela seja aceita e não se perca….mais ou menos isso….claro que agora vou procurar o livro né, pois vc é responsável por inúmeras leituras minhas, bjão

  2. 20 março 2019 at 10:38 am

    Linda, gravamos um Berlim Tech Talks sobre o uso da inteligência artificial na moda que você vai amar! Aguarde!!!!

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