Afinal, o que é design thinking?

Ilustração: Shikakun
Ilustração: Shikakun

Você ainda não ouviu? Agora só se fala em design thinking como solução para todos os problemas do mercado. Mas será que o negócio é tão bom assim? Vamos ver do que se trata para depois pensar e formar uma opinião.

Vou tentar reproduzir um pouco do que o consultor canadense e colunista de inovação da Business Week Roger Martin falou na AIGA Design Conference no final do ano passado (o vídeo está disponível aqui). O nome da palestra era “Por que o design thinking é a próxima vantagem competitiva“.

Martin começa explicando que o ser humano está rodeado de mistério por todos os lados e tenta, a todo custo, organizar o conhecimento usando a heurística (estabelecimento de padrões, regras e métodos para resolver um problema). Vem daí a nossa mania de rotular as coisas para conseguir compreendê-las. Se essa parte for bem feita, então são desenvolvidos algoritmos para se solucionar questões. Funciona muito bem para a área tecnológica (as leis da física, os remédios e as vacinas nasceram assim). No marketing, às vezes dá certo (o McDonald’s, a Coca-Cola e todas as franquias de sucesso corroboram essa teoria). Isso produz profissionais compulsivos em encontrar as tais fórmulas, mas ultimamente a coisa não tem sido assim tão simples (o mundo ficou muito complicado desde o final do século passado).

Esse jeito analítico de pensar (analytic thinking) é importante porque reduz custos e torna os processos mais eficientes. Aliás, as universidades vivem basicamente de pensar assim. O objetivo do pensamento analítico é descobrir regras gerais usando a lógica indutiva ou dedutiva, sem fazer julgamento de valor. Isso implica em olhar para o passado de maneira imparcial, recolher dados e concluir algo que possa ser utilizado no futuro com segurança e de maneira consistente. Aliás, o foco não é descobrir algo adequado, mas principalmente uma regra que faça sentido e possa ser explicada, usada, desmontada, entendida.

O jeito oposto de pensar é o intuitivo (intuitive thinking). Nesse caso, o objetivo é entender, mas não necessariamente usando a razão. Ao contrário do analítico, o intuitivo não considera os dados do passado, seu foco é o que poderia ser, a pergunta é “por que não?“. Nesse caso, abre-se mão do processo analítico e se faz julgamento de valor sem critérios objetivos; aqui não se está preocupado em provar nada. O intuitivo quer chegar num resultado que resolva o problema, mas não se ocupa em reproduzir essa solução ou investigar se ela se aplica também a questões semelhantes. Isso às vezes funciona, mas custa caro e é muito arriscado. De qualquer maneira, é como a maior parte das inovações nascem.

Pois é, então em que time apostar as fichas? Devo voar ou fincar os pés no chão?

De acordo com o filósofo Charles Pierce (mais conhecido por seu trabalho em semiótica), nenhuma idéia realmente nova parte da lógica indutiva ou dedutiva, pois, se ela é nova de verdade, ainda não existe passado para ser analisado. Idéia nova significa tudo novo, ou seja, aquele mistério com o qual começamos a conversa.

Na vida real das empresas que precisam de idéias novas, a maneira de prover mais segurança para o sistema é produzir o tal passado, amadurecendo a idéia por tempo suficiente para que ela possa ser pensada de maneira analítica. Resumindo: tenha idéias de maneira livre e intuitiva, mas depois construa protótipos e os submeta à segurança e eficiência do pensamento analítico para que elas possam se transformar em produtos factíveis (e, se tudo der certo, de muito sucesso também).

Então, o grande desafio do design thinking é basicamente esse: pensar analítica e intuitivamente de maneira simultânea — meia calabresa, meia muzzarela. Voar, mas tendo pelo menos uma cordinha de ligação com a terra (como um papagaio).

O tempo dirá se o design thinking vai mesmo resolver o imbróglio que existe entre analíticos e intuitivos, mas, olhando assim, parece promissor. Não sei quanto a vocês, mas eu estou apostando.

—–

* AIGA: American Institute of Graphic Arts

Peguei a dica do vídeo no espaço design; obrigada ao Fernando Galdino.

—–

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

13 Responses

  1. 18 janeiro 2010 at 9:07 am

    Legal Lígia. Confesso que sempre achei um certo exagero esse papo de Design Thinking, mas não é que faz um certo sentido?

  2. 18 janeiro 2010 at 9:24 am

    O design thinking precisa fazer parte da filosofia da empresa toda sem ficar restrito aos designers. Assim como o design que permeia tudo.

  3. Fernando Galdino
    Responder
    18 janeiro 2010 at 8:41 pm

    😉

    Depois veja a do David Butler que é melhor ainda, tambem tem a q é mais aplicada a coca cola e aos sistemas de branding e distrubuição novos

  4. 20 janeiro 2010 at 7:29 pm

    Lígia,
    de fato, rotular as coisas (dar nomes) implica algum nível de compreensão. E é necessário a nossa tarefa de administrar a realidade. À medida que sofisticamos nossa compreensão, vamos aprimorando os rótulos. O pensamento analítico tende a ir recortando a realidade e dando nomes a cada parte, o que é muito útil para determinadas aplicações do conhecimento (se não distinguíssemos oxigênio de nitrogênio, mantendo-nos apenas no nível do rótulo “gases”, isso poderia ser fatal em muitas situações, não é?).
    Mas nem toda decisão administrativa dispõe de tempo para aguardar o processo científico ser concluído. Executivos sabem que pesquisas de mercado são muito úteis – o problema é que podem chegar a conclusões só depois que o concorrente, intuitivamente, tiver dado o passo genial.
    Entretanto, o primeiro estágio do processo é aquele em que um nome é dado a algo intuitivamente, a partir de uma associação tão frágil com nosso conhecimento anterior que quase podemos pensar em algo não-racional. Mas intuição não é não-racional e não é desprovida de ligação com a realidade. O que chamamos ação intuitiva é apenas uma ação a partir de uma hipótese não provada, às vezes im-provável. E hipóteses podem levar a três tipos de conclusão: 1) é 2) não é e 3) não é bem assim.
    Mas hipóteses, assim como decisões intuitivas, só são diferentes das conclusões lógicas ou dialéticas pela posição que ocupam no processo racional – a posição inicial, muito próxima do pré-conceito, baseada em impressões subconscientes ou inconscientes.
    Pré-conceitos podem vir a tornar-se pós-conceitos. Hipóteses podem tornar-se teses e doutrinas. Intuição pode tornar-se certeza científica, analiticamente testada e comprovada. Ou não. A questão é: a ação executiva pode esperar o tempo exigido pelo método científico? Se não, vamos de intuição mesmo… O que, de fato, acaba acontecendo quase o tempo todo. Quando dá certo, somos reconhecidos como gênios intuitivos. Quando não, somos uns tolos que não pensaram bem antes de tomar suas decisões.
    Agora: “não pensaram bem” ou “não pensaram o suficiente” não torna intuição algo não racional. Aliás, é uma falácia também que emoção seja oposta à razão. Emoções (ou, mais propriamente, reações ou expressões emocionais) são fortemente relacionadas a impressões racionais primárias (conscientes, sub-conscientes ou inconscientes), mas não são contrárias ou desvinculadas da razão. Ainda há relações de causa-e-efeito na base das emoções – conhecidas e analisadas essas relações, as emoções se mostram perfeitamente racionais, embora num nível primitivo (o processo psicoterapêutico procura exatamente estabelecer essas relações em nível consciente para desenvolver controle sobre as emoções).
    O Design Thinking, se eu o compreendi bem, apenas escolhe tomar decisões com base em impressões outras que não as lógicas ou dialéticas – mas não pode evitar racionalidade. Decide antes de submeter-se ao processo científico, analítico e descritivo, que é apenas uma das formas de expressão da racionalidade humana, muito útil e com muitas desvantagens de custo, especialmente tempo – uma decisão para hoje não pode esperar o resultado do laboratório e algumas decisões não podem esperar qualquer ajuda do laboratório, de qualquer forma.
    Pascal disse que “o coração tem razões que a própria Razão desconhece”. Eu acrescentaria que “a Razão também desconhece muitas de suas próprias razões”. A vida segue, então… intuitivamente.
    Abraços.

  5. 21 janeiro 2010 at 9:49 am

    Lígia, querida.
    Há uma máxima do Espiritismo (que muita gente acha que é do livro “O Segredo”, da Rhonda Byrne): “semelhante atrai semelhante”.
    Isto parece (modéstia à parte que me toca) se verificar aqui no seu blog: além dos seus escritos sempre de ótimo nível, os comentários são sempre muito bons também.
    E a gente vai aprendendo coisas novas à cada post.
    Show de bola!

  6. 21 janeiro 2010 at 4:57 pm

    Ola Ligia, sou coordenador do curso de inovação da Sustentare de Joinville (e amigão do Jorge Pietruza!). Gostei muito da forma como você colocou a questão do design thinking. Fui lá no site do AIGA pra ver original. Daí comecei a conectar com a polaridade entre conhecimento tácito e explícito muito bem explorada no livro ´criação do conheicmento da empresa´ de Nonaka e Takeuchi e transformado em modelo de espiral do conhecimento que eu sou cada vez mais empolgado nesses tempos de criação coletiva. Tenho a impressão que o analítico e o intuitivo estão bem presentes na espiral do conhecimento. Se o conhecimento só é criado em um processo de socialização, o grupo ou time depende muito do design thinking, principalmente se for na fase fuzzi front end, não é mesmo? Me parece que nas fases de implementação o pensamento analitico prepondera e daí é fundamental adotar o tão glorioso balanced scorecard + six sigma levando os designers a ter arrepios com métricas de desempenho!
    De qualquer forma o design thinking me parece um pouco simplificado demais nessa apresentação do AIGA, porém não deixei de salvar o pdf para utilizar em futruas reflexões.

    Abraços

  7. 4 março 2010 at 1:38 am

    Fiz uma entrevista com o CEO da live|work Brasil, maior empresa de Design de Serviços (Design Thinking aplicado em serviços) do mundo. Acho que vai interessar a todos, inclusive a vc Ligia =)

    bjos
    dani

    http://logobr.wordpress.com/2010/03/01/design-thinking-logobr/

  8. 30 abril 2010 at 11:49 am

    hey!, grazie molto delle info, sono utilissime Qui Ho trovato molti altri libri sull’argomento

  9. Yumi
    Responder
    3 maio 2011 at 3:22 pm

    Gostei pela clareza, objetividade e leveza da redação em abordar o assunto. Muitas matérias onde o termo “design” é utilizado tornam-se redundantes e inconclusos.

  10. Demetrius V. Cruz
    Responder
    14 fevereiro 2012 at 11:28 am

    Obrigado Ligia,
    A sua síntese sobre o tema foi clara e objetiva. E como você, eu também aposto as minhas fichas nisso.

Leave A Reply

* All fields are required