Chave de ouro

Em geral, gosto de metáforas, mas confesso que tenho uma implicância especial com a tal “fechar com chave de ouro”. Primeiro porque o fechar, nesse caso, é usado como significado de conclusão ou finalização de alguma coisa, não o ato de trancar ou guardar. É por isso que não entendo o que essa chave (ainda mais de ouro) faz aqui.

Gustave Flaubert sempre detestou frases prontas, a tal ponto de colecioná-las e se dar ao trabalho de escrever um volume chamado “Dicionário de idéias feitas”. Anos depois o livro foi traduzido aqui no Brasil pelo Fernando Sabino, que incluiu um monte de outros ditos brasileiros. São palavras que se grudam umas às outras e são sempre usadas aos pares ou trios em determinados contextos. Coisas como “último suspiro”, “compleição robusta”, “crime hediondo”, “requintes de crueldade”, “discussão acalorada”, “dúvida cruel”, “espírito de porco”, “esvair-se em sangue”, “fato consumado”, “do mais alto gabarito”, “tresloucado gesto”, “sorriso glacial”, “finas iguarias”, “amigo inseparável“, “medida drástica”, “recuperação gradativa”, “reagir à altura”, “olho da rua”, “canto da sereia”, “situação insustentável”, “silêncio sepulcral”, e por aí vai…

Acontece que em alguns desses pares a liga fica meio esquisita, como a recente moda do “amigo pessoal” (sempre fico pensando se a pessoa também tem amigos impessoais) e o tal “correr atrás do prejuízo” (o cúmulo do masoquismo, já que a maioria prefere correr atrás do lucro).

Já falei do público-alvo que precisa ser atingido (coitado!) e agora estou lembrando daquela “de graça, até injeção na testa”. Como assim? Eu não quero injeção na testa não, sai pra lá! De graça, eu poderia aceitar ingressos para um show que não estou muito a fim, ir a uma festa na qual não faço muita questão, comer um pedaço de bolo de ontem, sei lá. Muitas coisas, mas elas certamente não incluem injeção na testa. Que tal: “de graça até churrasco torrado na casa do chefe” ; “de graça até iogurte com validade de ontem“ ou “de graça até palestra da Lígia”? Vamos usar mais a criatividade e parar com essa injeção na testa, minha gente. Crie o seu próprio “de graça” e faça mais sucesso.

Adoro quando a pessoa faz adaptações mais contemporâneas. Quem não riu da primeira vez que ouviu dizer que fulano estava se achando “a última bolachinha do pacote” ou “a última coca-cola do deserto”? Acredito que o caminho seja esse mesmo. Se a gente colocar os miolos para chacoalhar e brincar um pouco, pode ser divertido. Que tal: a Ana está se considerando a “a capa da Playboy desse mês”? Ou: O Jonas pensa que é “o Brad Pitty jogando frescobol em Ipanema”?

A gente poderia pensar em alternativas toda vez que se sentisse tentado a usar “rápido como um raio”, “tempestade num copo d´água” ou “virar a casaca”, né? Poderia ser “o cara saiu a 10 Gigabits por segundo”, “a dona está achando que falta de calço na mesa é terremoto“ ou o “Zeca agora está trocando a marca da cerveja”.

Pois é, legal seria terminar essa coluna com uma coisa alternativa à tal chave de ouro. Pensei em “terminar com a platéia de pé gritando bravo”, mas não é para tanto.

Alguém tem alguma idéia?

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

10 Responses

  1. Thiago
    Responder
    8 julho 2008 at 11:47 am

    É Lígia.. o negócio não o tamanha da chave de ouro, mas sim o prazer que ela proporciona !! Rsss.

  2. Felipe Klerk
    Responder
    8 julho 2008 at 2:40 pm

    Muito bom sobre os argumentos..

    apesar de que tem algumas coisas que realmente não pode mudar, concordo com você na parte das injeções, mais querer mudar todas as girías brasileira é complicado, talvez chame a atenção por ser frases novas e incomun, mais temos que prepara um bela lábia no cliente para que ele aceito “finalizar a altura de nona sinfônia” de vez de “terminar com a chave de ouro”.

    Sobre as girías do “o cara saiu a 10 Gigabits por segundo”, pessoalmente falando seria um “tiro no escuro”, pois a grande parte das pessoas infelismente não sabem o que é Gbs, agora todos sabem o que é raio.

    Bastante complicado mudar as girías, mais se mudar e provocar o mesmo impacto que a original, parabéns você “deu um passo a mais para chegar perto de Chuck Norris”.

    Flw Klerk

  3. Michelle Oliveira
    Responder
    9 julho 2008 at 11:49 pm

    Olá Lígia.
    Gostei do post, muito bom esse lance de analisar as gírias que ouvimos e falamos todos os dias. Aqui em Manaus temos uma variedade enorme delas também. Particularmente, creio que seja meio difícil tirar ou reeducar as pessoas, mas algumas são até bacanas.

    Certa vez ouvi uma inventada pelo meu ex-gerente. Anota aí…
    Sabe aqueles acordos que são feitos verbalmente, e vc pede que a outra pessoa te envie um e-mail ou imprima um doc assinado, para efeito de documentação? Mas aí a pessoa se recusa e diz que falou com vc no corredor há dois dias! Pois é, ele usa a seguinte expressão: “De boca só beijo!!”

    Abçs….. =)

  4. 25 julho 2008 at 7:19 pm

    Adorei o texto!
    Ainda hoje ouvi uma boa sugestão para a “injeção na testa”:

    “De graça até pegar ônibus errado!”

    Muito menos agressivo que uma picada indesejada na testa…

    Créditos ao meu amigo Gonsalo!

    []’s

  5. Wesley
    Responder
    4 agosto 2008 at 4:54 pm

    Olá Ligia
    Adorei o post, to “rachando os bico” das adaptações que você fez, e entendi a idéia em si, o caso não é reeducar as pessoas e sim mostrar o lado criativo (alternativo) da metáfora, a “frase feita” é só um conjunto de possibilidades para os sinônimos, e mesmo que conseguíssemos mudar a idéia original pelo fato de ser “batida” após algum tempo nos enjoaríamos dela novamente, então é pegar o que já esta feito e reinventar a cada utilização.

    *Estou curioso para ler o livro..rs
    Abraços

  6. 8 agosto 2008 at 6:30 pm

    Ah os ditados populares e frases feitas… que maravilha. Fiz até um post no meu blog sobre isso. A expressão “correr atrás do prejuízo” que vc menciona Lígia geralmente a situação é a seguinte: fulano diz “E aí cara, como tão as coisas?” e Ciclano responde “Cara, tô correndo atrás”. Mas eu sempre falo “Cara, tô correndo na frente, por que quem corre atrás chega por último”. Outra expressão que o povo usa é quando determinada situação tá ruim a pessoa fala “putz, isso tá f*d@”, mas peraí pra mim f*d@ é uma coisa boa, mesmo uma mal dada, portanto não deveria ser uma expressão negativa (meus amigos já sabem e aprenderam a não dizer isso perto de mim). Mas a pior de todas as frases é o ditado “Dinheiro não trás felicidade”. Putz!! Quem foi o cretino que disse isso? Foi bem um cara rico, feliz da vida com seus dólares ou euros, pra desencorajar o pobre de lutar na vida pra ter dinheiro, ahahaha.

  7. Orlando
    Responder
    1 janeiro 2009 at 5:18 pm

    Prezada Lígia,
    Com relação a frase “fechar com chave de ouro”, acho que há um equívoco de sua parte quando implica com a mesma.
    Pois saiba que é uma das coisas mais bonita da literatura brasileira. Essa expressão era usada pelos grandes poetas e poetisas quando necessitavam concluir um poema/poesia de forma que impressionasse aos seus leitores.

    Orlando

    • ligiafascioni
      Responder
      2 fevereiro 2011 at 10:15 pm

      Oi, Orlando!

      Concordo que, quando o termo foi criado, era muito elegante mesmo. O que desgastou foi o uso excessivo; é disso que estamos falando. Quando uma coisa é repetida milhões de vezes, acaba perdendo o encanto.

      Se o pessoal ficar um tempo sem usar “chave de ouro”, quando alguém usar de novo, acredito que voltará a causar a impressão original.

      Obrigada e volte sempre!!

    • Maria Thereza Cysneiros Canavarro
      Responder
      8 agosto 2022 at 1:40 pm

      Professora Lígia,querida:
      muito útil o seu artigo.
      Revolta-me,perceber a vulgarização da Língua Portuguesa,inclusive,com o incentivo da TV.
      Expressões redundantes,verbos🫢…

  8. 25 setembro 2010 at 2:06 am

    “Dinheiro: chave universal que abre todos os cadeados.”

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