Desnecessário

Fotografia: Pedro Armestre
Fotografia: Pedro Armestre

 

A:  Cara, vou confessar, adoro assistir BBB.

B: O quê?

A: É, acho legal, sei lá.

B: Mas isso é coisa de gente imbecil, idiota, que não tem nada na cabeça. O programa é nojento, pegajoso, simplório e emburrecedor. Como é que você pode gostar de uma bosta dessas?

 

O “A” agora tem duas opções. Ou encerra o assunto por aí (mais sábio) ou começa um bate-boca infinito com uma pessoa com a qual talvez ele tivesse um bom relacionamento antes do comentário inocente.

 

Troque o “BBB” por dupla sertaneja, nome de novela, gênero musical, time de futebol, cor, orientação sexual, partido político, escola de samba, artista, escritor(a), cineasta, ator/atriz, diretor(a), designer, arquiteto(a), etc e o resultado será o mesmo.

 

Isso vem acontecendo porque o mundo está mais cheio de gente e essa gente está cada dia mais exposta e conectada, com uma imensa e descontrolada necessidade de se expressar. Como as pessoas são todas diferentes, é claro que há conflitos. A maior parte das discussões que acompanho gira em torno da diferença de gostos. Gente, mas por que é tão difícil assim que a outra pessoa pense, sinta e goste de coisas diferentes de você? Há realmente necessidade de desmerecer  e pisotear em cima de alguma coisa só porque você não gosta? Qual é o objetivo?

 

O que boa parte das pessoas não percebe é que quando diz que tal coisa é idiota, cretina, imbecil, está usando esses adjetivos para qualificar também quem gosta da tal coisa. Precisa ser assim tão grosseiro?

 

Lembro de uma vez em que estava na fila de um buffet e me servi de um prato que sempre adorei. A pessoa que estava do meu lado (uma colega de trabalho) fez uma cara de nojo e disse: “nossa, que horror, isso parece vômito de gato“. É claro que não consegui comer, nem naquela vez, nem nunca mais, pois não consigo mais olhar para o prato sem associar com vômito de gato. Ou seja, a pessoa estragou o meu prazer em troca de…. o quê mesmo? Uma indelicadeza totalmente gratuita e desnecessária. Se não gosta, limite-se a dizer que não gosta e mude de assunto. Na verdade, se estiver muito interessado em expor sua opinião, pode aproveitar uma outra oportunidade e fazer uma análise detalhada dos ingredientes, mas sem insultos e xingamentos.

 

Outra vez vi uma colega toda feliz comendo um cachorro-quente enquanto outra desfiava um tanto quanto agressiva uma lista com o tanto de lixo e de porcarias que aquele sanduíche continha. Fui vendo a menina ficar cada vez mais impressionada até que parou de comer o negócio. Sei lá se a outra saiu satisfeita, mas a moça do cachorro-quente deve ter passado o dia triste e nem sei se voltou a comer o sanduba quentinho outra vez. E pra quê isso, minha gente?

 

De vez em quando me pego fazendo uma dessas e depois me arrependo profundamente. De fato, não precisava dizer que a voz daquela cantora parece uma gralha fanha ou que aquele perfume me lembra desodorizante de vaso sanitário. Podia ficar na minha e apenas dizer que não curto. Muito mais elegante e não estraga o prazer de ninguém.

 

Mas tem gente que parece se divertir em tripudiar sobre os gostos alheios, como se em questão de gosto fosse possível se chegar a um consenso. Não é. E não precisa mesmo, pois essa é justamente a graça do mundo.

 

Escolha bem as palavras quando for dizer a uma pessoa que você gosta que você não curte a mesma coisa que ela.

 

Ah, claro, esqueci-me de dizer: isso só vale se você realmente se importa com a pessoa. Mas se a sua opinião é mais relevante que tudo, então vai fundo e xingue com vontade.

 

Tomara que valha a pena…

11 Responses

  1. Ariadne Brito
    Responder
    1 outubro 2013 at 8:29 am

    Adorei Lígia! Isso é uma coisa que me incomoda muito também e como normalmente só observo os outros fazerem, fico até pensando se eu me expresso pouco. Mas lendo seu texto fiquei feliz em saber que sou uma das poucas “educadas”. Beijo grande!

  2. clotilde Fascioni
    Responder
    1 outubro 2013 at 9:52 am

    Realmente, essa atitude agressiva denota o orgulho e prepotencia da pessoa. Triste, muito triste, o mundo seria diferente e bem melhor se engolíssemos o nosso orgulho na maioria das converssas.

    • ligiafascioni
      Responder
      3 outubro 2013 at 3:46 pm

      O pior é que na maior parte das vezes a gente faz isso sem nem perceber, Clô!
      É o que dá ser muito espontâneo… infelizmente o que a gente fala tem consequência e pode machucar outros (nossa, esse discurso não é nenhuma indireta como ficou parecendo….rsrsrssrsrsrsrsrsrsr…. é um comentário genérico mesmo).

      Beijocas e saudades <3

  3. clotilde Fascioni
    Responder
    1 outubro 2013 at 9:53 am

    Retificando; conversas

  4. 1 outubro 2013 at 11:37 am

    Genial, Lígia. que texto bem feito.
    Nunca vou parar de me perguntar: como você consegue?

    Eu estou escrevendo (na verdade, tentando escrever) um artigo sobre a necessidade que as pessoas têm de combater as grandes corporações (Coca-Cola, McDonald, Nike, Rede Globo, Apple). O prazer que as pessoas sentem por compartilhar e espalhar boatos, calúnias e difamações contra essas marcas. E sobre como você é julgado quando ousa defender uma dessas empresas… Confesso que o seu artigo me deu um certo ânimo.
    (porém… se você já tem alguma coisa engatilhada sobre esse assunto, me avise. Eu vou preferir esperar pelo seu artigo e me realizar apenas em lê-lo)

    • ligiafascioni
      Responder
      3 outubro 2013 at 3:44 pm

      Nossa, que ótima ideia para um post, Ênio! Você é muito generoso, mas quero ler o que você vai escrever a respeito (tenho quase certeza de que vou concordar com tudo, mesmo assim estou muito curiosa).

      Também já tinha percebido esse fenômeno nas redes sociais, mas não tinha pensado em um post.

      Vai lá 🙂

  5. 3 outubro 2013 at 12:56 pm

    Realmente, desnecessário ser desagradável, Lígia!

    Mas sabe que eu pelo menos nunca liguei se a pessoa diz que minha comida parece vômito. Se eu gosto, como assim mesmo.

    Só deu certo uma vez, quando eu era criança. Mas depois voltei a comer normalmente, sem traumas.

    Beijos e sucesso!!!

    • ligiafascioni
      Responder
      3 outubro 2013 at 3:41 pm

      Você é uma forte, Sabrina! Nem sou muito de nojinho, mas aquele prato não rola mais…rsrsrs

      Beijocas 🙂

  6. Ramon Duarte
    Responder
    21 outubro 2013 at 11:27 am

    É sempre uma surpresa agradável ler os seus textos… passo um tempo sem visitar o blog, mas quando venho sempre me sinto atraído pela sua capacidade de transformar polêmica em questões de boa conivência para uma vida mais leve e feliz… muitos posts que me fazem ganhar ânimo, sabedoria, conhecimento e felicidade na frente do computador! Parabéns mais uma vez e continue assim… necessária! =)

    • ligiafascioni
      Responder
      21 outubro 2013 at 1:43 pm

      Puxa, muito obrigada, Ramon! São pessoas como você que me inspiram para continuar o trabalho.
      Abtraços 🙂

  7. 10 julho 2015 at 3:24 pm

    Esses dias tuitei: “Com preguiça de pensar e desinteresse em entender, a vida segue sem amor”

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