Detalhes tão pequenos…

Fotografia: Vincent Bousserez

No Brasil do jeitinho, pessoas que se preocupam com detalhes são consideradas neuróticas, exigentes, perfeccionistas, enfim, irritantes. E para não parecer chata, boa parte da população evita com todo cuidado a atenção nos detalhes: se o português for muito correto, pode parecer pedante; se o acabamento for primoroso, é porque o sujeito não tem mais o que fazer na vida; se cuida bem da roupa, só pode ser “mauricinho” ou “patricinha”.

Experimente, como eu, pedir para substituir o hífen “-” entre expressões que separam idéias, pelo correto travessão “—” em uma peça gráfica. A moral da senhora sua mãe vai virar alvo dos piores julgamentos e a sua saúde mental será levianamente questionada. Onde já se viu prestar tanta atenção em “tracinhos” que ninguém mais vê?

É impressionante como é normal pegar um cartão de visitas de designers, publicitários e diretores de arte e ver aquele festival de hifens mal colocados. A desculpa mais comum é que isso não tem nada a ver com design gráfico. Ora, design gráfico é essencialmente uma ferramenta de comunicação, e para fazer isso direito, há que se respeitar as regras e convenções da língua. Além disso, todo sinal tipográfico tem seu uso adequado a cada situação; é justamente para comunicar melhor que eles foram inventados. Para mim, um bom profissional deve buscar todas as informações necessárias para exercer bem o seu ofício, incluindo aí as coisas que ele não aprendeu na escola mas que deveria ter aprendido. Isso é cultura, é o que faz a diferença.

A relevância das informações é também freqüentemente ignorada. Ou que outra explicação haveria para alguém colocar as palavras óbvias como endereço e CEP em um espaço tão exíguo como um cartão de visitas? Ou será que o designer teme que alguém possa confundir o CEP com o número de celular? Pode isso?

Os erros de português, então, são um capítulo à parte. As pessoas erram, sabendo que estão errando, e ainda dizem que é bobagem se preocupar, afinal, todo mundo entendeu o que elas disseram. Penso que em qualquer área de atividade profissional um dicionário e uma gramática em cima da mesa de trabalho são ferramentas fundamentais. Afinal, a nossa língua é mesmo complicada, e a toda hora a gente tem dúvidas. Eu erro, todo mundo erra, é humano, mas por que não tentar reduzir esses eventos tão chatos? Dá o mesmo trabalho fazer uma coisa caprichada e outra malfeita, onde, no segundo caso, se perde mais tempo e dinheiro quando tem que fazer de novo.

Há pessoas que se jactam de não se preocupar com detalhes afirmando que só se concentram no que é mais importante. Mas o que é mais importante? Se um engenheiro eletrônico achasse que os componentes menores não têm importância, se um oftalmologista acreditasse que 0,5 grau é só um detalhezinho mínimo, se um piloto de avião desprezasse os indicadores menores, se  um contador passasse a arredondar todos os centavos para não dar trabalho, se um costureiro considerasse que 1 cm em uma roupa não faz diferença, se um físico pensasse que os átomos são pequenos demais para merecer que alguém se ocupe deles; onde é que a gente estaria? E por que somente designers gráficos deveriam se dar ao luxo de ignorar detalhes? Será coincidência que os líderes de mercado e os profissionais mais respeitados sejam justamente aqueles que primam pela qualidade em todos os aspectos, inclusive naqueles que os concorrentes desprezam?

Alinhamentos precisos, espaçamentos estudados, cuidado na revisão, símbolos usados corretamente, nomes de arquivos coerentes e organizados em pastas com nomes elucidativos, documentação atualizada, backups periódicos, apresentação cuidadosa, respeito pelo tempo e dinheiro alheios, boa educação para tratar as pessoas — detalhes nem tão pequenos que, certamente, não tornam ninguém um neurótico obsessivo — mas certamente contribuem para uma atuação profissional muito melhor.

Em tempo: O hífen é um elemento gráfico de ligação e serve para UNIR palavras (ex: sabe-se) e/ou números (ex: 88030-001). Já o travessão, que tem o comprimento aproximado de dois hífens colados, serve para fazer justamente o contrário — SEPARAR e enfatizar conceitos e informações. É fácil saber quando usar hífen ou travessão; o hífen vem sempre colado nas palavras (claro, pois ele serve para unir); já o travessão tem sempre um espaço antes e um depois (se ele serve para separar, nada mais justo). Em inglês o travessão é chamado dash (endash quando tem a largura de uma letra n e emdash quando tem a largura de uma letra m — seus usos estão explicados em qualquer manual de tipografia). Ah, o número do CEP vem sempre antes do nome da cidade.

13 Responses

  1. 28 junho 2011 at 6:01 pm

    o CEP vem sempre antes do nome da cidade? aonde?
    eu (acho que) sempre fiz assim em cartas: nome da pessoa, endereço, bairro, cidade, estado, e depois, no final, o CEP. sempre errei? :O

    • ligiafascioni
      Responder
      28 junho 2011 at 7:15 pm

      Oi, Caio! Eu tirei isso do Manual de Redação da Presidência da República que preconiza como deve ser o endereçamento. Pena que eles estão reformando o site e tiraram momentaneamente isso do ar, mas acho que logo deve voltar (eu tinha o link e ia colocar no post, mas quando fui testar vi que estava quebrado por causa das modificações no site).

      O CEP fica mais à esquerda (antes da cidade) porque é onde as máquinas automáticas de leitura dos correios procuram o código. Nos envelopes impressos, pode ver que os quadradinhos ficam bem à esquerda. Então, se você está escrevendo o endereço sem usar os quadradinhos, o CEP tem que vir à esquerda (primeira palavra da linha) antes da cidade, para ser mais fácil de achar, pois é por aí que eles classificam mais rapidamente as correspondências (já pensou, ter que decifrar as letras para ler o nome de cada cidade?).

      Ah, e não custa lembrar que eles não ficam procurando a palavra CEP, que só atrapalha. Vão direto procurar os 8 caracteres numéricos.

  2. 28 junho 2011 at 7:35 pm

    Lígia, querida
    Show!
    Genial, como sempre.
    Tirei uma frase do artigo que estará amanhã (29/06/2011) no nosso site (na seção ENTRE ASPAS).

  3. 28 junho 2011 at 7:48 pm

    O CEP não so identifica a cidade como os tres ultimos numeros a rua, praça, jardim (logradouro).
    Muito bom. Bjs

  4. 28 junho 2011 at 10:45 pm

    Oi Lígia!

    Tirando a discussão sobre o CEP,
    gostei muito do artigo no que diz respeito a “qualidade do trabalho”.

    Quando o assunto é “detalhe” fica difícil convencer algumas pessoas
    da importância de se fazer um trabalho bem feito e evitar retrabalho.

    Fiquei convencido que não sou chato por ser detalhista
    apenas desejo valorizar o trabalho que faço para as pessoas
    e que estas fiquem satisfeitas por receberem aquilo que contrataram
    dentro dos padrões aceitáveis.

    Tudo de bom!

  5. 29 junho 2011 at 2:19 pm

    O ser humano estar correndo demais, entretanto muito desatento, com isso ocorre falhas na comunicação o que gera muitos desentendimentos (estresse).

  6. Tatiana Lima
    Responder
    7 julho 2011 at 9:51 am

    Não conheço nenhum manual de tipografia e gostaria de estudar mais essa área. Gostei da dica sobre “dash” e “endash”. Você teria algum pra indicar?
    Super obrigada e parabéns pelo artigo.

  7. 20 fevereiro 2015 at 5:59 pm

    gostei é muito interessante.

  8. Bruno
    Responder
    27 março 2016 at 4:53 pm

    CEP é a última coisa do endereço no envelope. A Presidência pode até ter inventado algo errado, afinal gente ignorante é que não falta lá. Repare que no manual dos Correios, o CEP vem sempre por último.

    http://www.correios.com.br/para-voce/precisa-de-ajuda/como-enderecar-cartas-e-encomendas

  9. 28 março 2016 at 8:00 am

    Bruno!
    Muito obrigada pela fonte de referência e a contribuição no debate. Eu faço assim: num cartão de visitas, sigo a norma oficial. Para endereçar algo que será postado nos Correios, sigo o que os Correios pedem.

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