Diferente?

bobo

Numa entrevista, ao tentar soletrar o nome cheio de invenções gramaticais, a repórter não se contém:

— Por que um nome tão difícil para uma sorveteria?

— É para ficar diferente — responde o orgulhoso empresário.

O cliente entra na loja para comprar um sofá e, ao ver que os encostos são assimétricos, pergunta para o vendedor por que eles são assim. E o vendedor, com ar de especialista, declara:

— É para dar um toque a mais, para ficar diferente.

Que legal, comprar um apartamento novinho. Mas “Isle di Thaylannd Emotion Drive”? O que quer dizer isso e o que tem a ver com a obra? O corretor esclarece, com propriedade.

— Ah, isso não é nada, é para ficar mais chique, diferente.

A propaganda é até engraçadinha, mas o que aquele anão vestido de marinheiro tem a ver com o produto? O publicitário secretamente confidencia:

— Não tem nada a ver, mas fica mais criativo, conceitual, diferente.

O designer apresenta uma marca gráfica cheia de ornamentos árabes para uma cantina italiana. É só pressionar um pouquinho que ele revela:

— É que eu achei legal, tipo assim, fica diferente.

O arquiteto cisma que o projeto precisa ter uma janelinha em um lugar inacessível. E teima.

— Pode ir por mim, todo mundo vai gostar, vai ficar diferente.

O webdesigner resolve usar como metáfora para o site uma escavação arqueológica, onde cada item do menu é um pedaço de osso.O cliente acha estranho, o site é de uma imobiliária.

— Fica tranqüilo, eu tenho um banco de imagens ótimo de arqueologia. Vai fazer o maior sucesso, não tem nenhum concorrente assim. Seu site vai ficar diferente.

A vendedora da loja sugere um cinto que não tem nada ver com você nem com nenhuma das suas roupas. Ante a sua recusa, ela insiste:

— Leva, querida, vai ficar diferente.

O vitrinista cria um cenário natalino cheio de cavalos selvagens e orquídeas azuis. O dono da loja estranha.

— Deixa de ser careta, seu João. Esse projeto é exclusivo, sua loja vai ser a única diferente.

Os brindes de final de ano da empresa são chaveiros temáticos com ilhas caribenhas. A empresa produz equipamentos odontológicos. O dono explica que o pessoal do marketing foi contra, mas ele queria alguma coisa diferente.

Essa palavra, “diferente” e sua versão mais hype, a tal “diferenciada” carrega armadilhas perigosas. Se um profissional tem uma das duas na ponta da língua, cuidado. A tradução correta de “fiz assim para ficar diferente” é “fiquei com preguiça de pensar, dei uma enrolada e vê se não enche”.

Gente que pensa, projeta, raciocina, sempre tem excelentes argumentos para defender seus projetos. E são argumentos bem diferentes, pode acreditar.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

10 Responses

  1. 19 abril 2011 at 5:04 pm

    Sensacional! sempre pensei assim (como vc), mas precisava do seu texto para clarear, rsrs.
    Só O Jobs tem o poder do “Think Different”

    • ligiafascioni
      Responder
      19 abril 2011 at 7:21 pm

      Aahahahah…não tinha pensado nisso. O Jobs não é o único, mas é um dos poucos. Verdade!

  2. 19 abril 2011 at 6:10 pm

    “Olha, amigo, sabe o que é legal? Não vou pagar por esse seu projeto. Assim eu me torno diferente dos trouxas que aceitam essa patacoada diferente que você está me empurrando.”

    Resolvido! Simples assim…

  3. 19 abril 2011 at 7:10 pm

    Tem sido muito comum este “diferencial” em confecções têxteis de nossa região. Mas por aqui o pessoal fala bonito. Usa a expressão “agregar valor”. Por exemplo: Uma camiseta bonita , com um bom design, mas vem alguém e enche de lantejoulas dizendo que vai agregar valor a peça. Sorry, mas a peça acabou de fazer parte do figurino do Calipso e o fabricante acha que está arrasando. Depois vem a choradeira dizendo que a culpa é da Dilma, do Lula, da China, do clima… O diferente tem de ser visto como diferencial. Senão somente atrapalha.

    • ligiafascioni
      Responder
      19 abril 2011 at 7:21 pm

      Concordo plenamente, ninguém merece essas coisas cheias de taxas tachas. Passo horas arrancando tudo aquilo quando gosto muito do modelo. Saco! Eeheheheh…

      • 19 abril 2011 at 9:13 pm

        Lígia,

        ninguém que eu conheça gosta de taxas, exceto quem as cobra. Mas acho que você quis dizer “tachas”, não é?

      • ligiafascioni
        20 abril 2011 at 6:55 pm

        Aahahaha… isso mesmo. Mas vale para as duas….eheheheh

  4. 19 abril 2011 at 7:56 pm

    Lígia
    Este seu artigo me lembrou de uma figura que eu tinha visto uma vez, na internet. Fui à procura para mostrar pra você. Acho que se encaixa muito bem: http://demotivated.mediarift.com/photo/view/818
    “Unique Just Because You Are Unique Does Not Mean You Are Useful”

    • 19 abril 2011 at 9:28 pm

      Excelente lembrança, Ênio.

      Diferente, disfuncional, discrepante, disforme, dislógico, disparatado… tudo muito “agregador de valor”, como salientou o André Gazoni. E, claro, como é “novo” e “original”, constitui uma “inovação”.

      Ah, as palavras… devemos protegê-las com a vida, se necessário, daqueles que o Paulo Francis chamava “filisteus”.

    • ligiafascioni
      Responder
      20 abril 2011 at 6:56 pm

      Aahahahah… genial!!!! Adorei!

* All fields are required