A revolução 4.0 e o tesarac: é para se preocupar?

A próxima temporada de palestras no Brasil vou falar quase somente sobre a revolução 4.0. Os clientes corporativos parecem estar muito preocupados com isso; penso que estão cobertos de razão.

Ok, mas de onde veio esse termo? E o que são, afinal, as revoluções 1.0, 2.0 e 3.0? Em que a 4.0 é diferente e por que assusta tanto?

Vamos por partes.

A primeira revolução industrial (1.0) aconteceu no final do século XVIII, quando surgiram, na Inglaterra, as primeiras máquinas a vapor e as locomotivas. O impacto foi enorme, já que, naquela época, a esmagadora maioria da população vivia nas áreas rurais e se mudou para as cidades. Tanto a produção industrial transformou a vida das pessoas (principalmente na área têxtil, onde antes tudo era produzido artesanalmente) como no transporte e distribuição de matérias primas e produtos.

A maneira como a sociedade se organiza até hoje tem muito a ver com essa mudança radical na economia, no conceito de trabalho e na maneira como se utiliza o tempo. No início, as jornadas chegavam a 16 horas diárias e não havia limite mínimo de idade. Aos poucos, com as lutas e reinvindicações, os horários e os vencimentos mínimos foram se ajustando até chegarem ao que são hoje.

A segunda revolução industrial (2.0) remonta à utilização da eletricidade nas linhas de produção, com o uso de esteiras transportadoras para a montagem em série no começo do século XX. Foi nessa época que começou-se a desenvolver métodos para aumentar a produtividade, com a fundamental participação de Henry Ford. Nessa época também começou-se a utilizar largamente os derivados do petróleo (motor a combustão). Os impactos aconteceram não apenas na forma as pessoas trabalhavam, mas também em como consumiam, já que os bens, de uma maneira geral, começaram a ficar acessíveis a todos.

A terceira revolução industrial (3.0) aprimora ainda mais os avanços tecnológicos anteriores quando, por volta de 1970, começa a usar massivamente a eletrônica, a informática, a robótica, os satélites de telecomunicações, a biotecnologia e a química fina. Muitas posições profissionais foram substituídas por máquinas (ex: caixas bancários, cobradores de ônibus e frentistas de postos de gasolina em alguns países, datilógrafos, etc) e outros simplesmente desapareceram (telefonistas, ascensoristas, telegrafistas, etc). Meu pai foi, durante muitos anos, mecânico de vôo; ele voava em uma poltrona ao lado do piloto e ia fazendo os ajustes de manutenção da aeronave durante a viagem; dá para imaginar? São profissões que a própria tecnologia inventou e depois superou. E o processo continua.

Mas e a quarta revolução? O que ela tem de tão especial assim?

A quarta revolução industrial (4.0), também chamada Indústria 4.0, é a mais recente de todas. O termo foi criado pelo governo alemão (e usado pela primeira vez na Feira de Hannover em 2011) para definir o conjunto de estratégias sobre tecnologia a serem utilizadas nos próximos anos.

Ela é importante e também revolucionária por causa do impacto que vai causar (e já está causando) no mercado de trabalho e na economia. Trata-se de tornar as fábricas organismos inteligentes e autônomos usando todo o tipo de recurso tecnológico disponível: robôs, big data, nanotecnologias, neurotecnologias, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, drones, impressoras 3D e o que mais houver. Ou seja, as fábricas deverão funcionar com o mínimo de seres humanos possível.

E não estamos falando apenas de fábricas no sentido convencional (aquelas que fabricam carros, geladeiras, equipamentos, etc), mas de serviços também. A Internet da Coisas (IoT: Internet of Things) vai fazer com que todos os equipamentos sejam interconectados e consigam “conversar” entre si de maneira independente. Além disso, poderão ser controlados por Smartphones.

Para se ter uma ideia de como a tecnologia transformou a vida sobre a terra (e não só a humana; animais, plantas e até a extração mineral sofreram grande impacto), basta imaginar que, se a gente tivesse uma máquina do tempo e voltasse, sei lá, para o ano de 1203, para visitar um habitante típico, não ia encontrar muita diferença entre ele e seu equivalente em 1806, por exemplo. Entre a revolução agrícola, em que as pessoas começaram a plantar para comer, em vez de caçar e colher, e a primeira revolução industrial, nada muito significativo ou radical aconteceu, pelo menos na rotina diária das pessoas.

Mas tente comparar a vida de seus avós com a sua. Ou mesmo tente comparar sua própria vida há 15 anos com a de hoje. Não é impressionante a diferença?

As transformações estão acontecendo de maneira assustadoramente rápida e as mudanças são profundas.

Quando o mundo passa por um momento como esse, chamamos de tesarac.

Essa palavra foi cunhada pelo poeta, autor de livros infantis, músico, compositor e cartunista americano Shel Silverstein para descrever períodos da história onde ocorrem mudanças sociais e culturais tão significativas que os velhos conceitos já estão desaparecendo, mas os novos ainda não estão prontos para substitui-los. O resultado disso é o próprio caos, exatamente como estamos vivendo hoje, em pleno tesarac. Depois da tempestade, as coisas começam a se reorganizar e experimentamos mais um tempo de estabilidade até o próximo tesarac. O mundo já passou por vários com diferentes intensidades: a revolução agrícola, a transição entre a idade média e a renascença, a primeira revolução industrial, para citar só alguns.

Tesarac é quando o modelo atual já não funciona mais, mas ainda não se sabe como vai ser. Está tudo em aberto. A única certeza é que as coisas vão mudar radicalmente. E rápido.

Estamos bem no meio do caos. É apavorante, pois naturalmente tememos o desconhecido. Mas também é fascinante, um verdadeiro privilégio poder fazer parte desse momento da história. Porque o como vai ser, depende do que nós vamos construir, das decisões que vamos tomar.

Não dá para ficar distraído esperando ver o que vai acontecer. Por isso penso ser tão necessário conversarmos a esse respeito.

11 Responses

  1. Graça Taguti
    Responder
    14 setembro 2018 at 9:40 am

    Ligia querida, excelente artigo. Hoje são tempos vertiginosos, como caleidoscópios tecnológicos, indefinidos momentos fractais+tesarac ( palavra que aprendi hoje com você) . Muito obrigada por sempre compartilhar conhecimento, afeto e beleza .

  2. 14 setembro 2018 at 12:15 pm

    Que bom que gostou! Eu também sempre aprendo muito com você <3

  3. Maria de Jesus Farias Medeiros
    Responder
    14 setembro 2018 at 10:52 pm

    Excelente artigo. Lígia uma profissional inspiradora de saberes. Amo me abastecer da sua grandeza em compartilhar conhecimentos.

  4. JULIO CESAR DE SÁ
    Responder
    17 setembro 2018 at 8:22 am

    Gostei muito do artigo e quero parabeniza-la pela amplitude e simplicidade das palavras ! Creio que diante das diversas dúvidas, uma que me questiono é referente ao seguinte fato : Se ira ocorrer demissões nas industrias, estas irão produzir mais com menor custo, o número de desemprego ira crescer, a pergunta é quem terá dinheiro para consumir a produção se ocorrer a redução da economia na escala mundial ? Será que teremos um êxodo das cidades para o campo, agora devastado por agroindustrias ? Qual seu pensamento sobre o assunto? Gratidão por sua atenção e lindas explicações !

    • 17 setembro 2018 at 9:22 am

      Oi, Julio!
      Essa é a pergunta que vale um trilhão de dólares (ou mais). Não sei a resposta (e acredito que ninguém saiba). Mas uma das coisas que se está estudando é a renda mínima universal, onde os governos subsidiariam as necessidades básicas das pessoas (alimentação, saúde, transporte e moradia) e a riqueza propriamente dita se deslocaria para o mundo da criatividade. Uma máquina é capaz de produzir peças de arte, mas nunca serão originais e nem criativas, pois serão sempre baseadas em algoritmos que se baseiam no gosto médio das pessoas. Desde criança semore gostei muito de livros de ficção científica; há muitas possibilidades. Mas antes tem uma tempestade no caminho…infelizmente! O modo de vida atual não é sustentável, tanto pelo esgotamento de recursos e poluição, como o crescimento exponencial da população. Precisamos urgente gerar ideias para encontrar a solução (ou as soluções; não penso que haja apenas uma que resolva tudo). E para gerar ideias, precisamos preparar nossos cérebros, treinar muito. Com muita gente pensando (e já estamos ficando desacostumados a esse exercício), talvez a gente encontre a resposta. Mas uma coisa é certa: sentar e esperar para ver o que acontece não me parece uma boa ideia…

  5. JULIO CESAR DE SÁ
    Responder
    17 setembro 2018 at 5:53 pm

    Gratidão por sua pronta e esclarecedora resposta, gerando o mais importante para mim: novas dúvidas kkkk.
    Estou utilizando alguns dos seus artigos para debates com meus alunos, pois infelizmente no Brasil estamos passando por modificações no ensino, que me parecem cada vez mais, fazer o aluno pensar menos… tudo esta pronto…tudo passível de ser copiado (Ctrl C + Ctrl V). Disciplinas que auxiliam na formação do pensamento, tais como a filosofia e a sociologia estão praticamente fora da grade curricular.
    Agradeço imensamente suas sábias explicações e com certeza trazem para mim o estímulo do caminho certo, ou seja, fazer as pessoas pensarem , sobre Si e o seu papel social como agentes de mudanças de uma sociedade líquida, onde valores morais e éticos parecem coisa do passado.
    Grande abraço e gratidão por repassar seus ensinamentos. Julio

    • 18 setembro 2018 at 4:19 am

      Nossa, que bom que ainda existem professores como você! Penso que é a única salvação possível. No que eu puder contribuir para essa sua importante missão, estou à disposição. Tem vários livros para download grátis aqui no site. Fique à vontade para usar como quiser.
      Abraços, boa sorte e muito sucesso!

  6. Julio Cesar de Sá
    Responder
    18 setembro 2018 at 4:30 pm

    Agradeço a oportunidade de nossas tratativas e farei um bom uso do material que produziu e gentilmente disponibiliza para download. Da mesma forma fico a disposição para auxiliar no que se fizer necessário e com certeza manteremos contatos futuramente. Gratidão ! Julio

  7. Jonatas Lins
    Responder
    26 setembro 2018 at 2:47 pm

    Excelente artigo assim como também sua abordagem didática em sua palestra sobre o tema. Estive presente à palestra ministrada na Ford SBC e fiquei fascinado com o assunto e corri aqui para registrar minha satisfação. O tema pareceria ficção científica se não fizesse parte de nossas rotinas. Parabéns por seu importante trabalho! A suas fotografias e ilustrações também são de encher os olhos de brilho e o texto é daqueles que falam de coisas complexas de um jeito simples. Ganhou mais um leitor!

    • 27 setembro 2018 at 6:35 pm

      Puxa, muito obrigada, Jonatas! Abraços e muito sucesso para você 🙂

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