Gengibre selvagem

Um livro triste e belo que faz pensar sobre como o poder e o ego dos governantes impactam em vidas. Wilder Ingwer (tradução livre: “Gengibre Selvagem”), de Anchee Min, uma chinesa nascida em Shangai, sob o regime de Mao Tse Tung, tem muito a ensinar.

Já tinha lido sobre a nefasta Revolução Cultural em outro romance (Balzac e a Costureirinha Chinesa) e os relatos são sempre assustadores. O “grande líder” (que de grande, enorme mesmo, tinha somente o ego) resolve que o país deve se isolar do mundo, jogar todos os livros fora, livrar-se dos estrangeiros, ridicularizar e humilhar artistas e educadores, e passar a recitar seus “ensinamentos”. Foi isso. Tudo o que os jovens aprendiam na escola eram as palavras do líder; nada de geografia, história era uma coisa perigosa, arte só a autorizada pelo partido, e matemática só o básico para a sobrevivência. Parece uma distopia fantástica, mas infelizmente aconteceu de verdade.

Na história, Wilder Ingwer é filha de um diplomata francês e de uma cantora de ópera; quando a revolução estourou, seu pai foi preso e morto como traidor e sua mãe, humilhada e tratada como suspeita (claro, artista e ainda por cima casada com um estrangeiro). Por causa da ascendência francesa, Wilder tem os olhos claros do pai e não se parece uma chinesa proletária comum, que o Partido tanto valoriza. Por conta dessa diferença, sofre todo tipo de bullying; apanha na escola e sofre castigos diversos, além do isolamento social.

Ahorn (não dá para traduzir diretamente; o mais próximo seria bordo, um tipo de planta), filha de professores, cujo pai também está preso, torna-se sua única amiga. Elas são crianças e vão crescendo juntas. Wilder Ingwer tem uma necessidade enorme de se sentir aceita e, para isso, precisa provar que é maoísta até o último fio de cabelo. Para tanto, prepara-se para concurso de recitações dos versos maoístas e fica em primeiro lugar (mas perde o prêmio, pois é suspeita, dado o seu passado miscigenado).

Outro participante do concurso, um vizinho e rapaz da mesma idade, Immergrün (Tradução livre: “Sempre Verde”), junta-se ao grupo das duas defendendo Wilder Ingwer. A menina, que vai trabalhar com restos no mercado de peixes para sobreviver após a morte da mãe, acaba desbaratando uma quadrilha de criminosos e torna-se o que sempre quis: uma heroína, uma líder popular, uma maoísta exemplar.

As dúvidas normais de adolescente, a necessidade de provar sua lealdade ao líder, a paixão por Immergün que não pode ser desfrutada (pois é um comportamento tipicamente burguês), o envolvimento de Ahorn no triângulo amoroso, tudo num ambiente onde todos são vigilantes e ávidos por mostrar o compromisso com o maoísmo o tempo inteiro são ingredientes garantidos para uma história triste e trágica.

Muito bem escrito, vale a pena a viagem.

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