Medo de quê?

Ilustração: Sarah Jane Szikora

Reza a lenda que o medo de falar em público chega a superar até o medo da morte para alguns profissionais. Exageros à parte, meu medo é bem outro.

Adoro fazer palestras e não vejo como poderia ser diferente. Reflita: você viaja, fica num hotel bacana, é tratada com todas as mordomias, fala durante pouco mais de uma hora e ainda ganha para isso. Invariavelmente, as pessoas vão aplaudir no final e algumas até arriscarão alguns elogios. Sempre haverá os mais empolgados que lhe dirão maravilhas (aliás, é impressionante como as pessoas são civilizadas em palestras; mesmo um troglodita no trânsito vira um modelo de comportamento e não ousa dizer que já tinha ouvido a piada sem graça antes ou que sua voz é chata). É facílimo sair de uma apresentação se achando a rainha da cocada preta; você dorme nas nuvens, uma verdadeira delícia.

Meu medo, o maior de todos, é acordar no dia seguinte e continuar me achando a rainha da cocada preta. É tentador esquecer que a maior parte dos elogios é apenas a manifestação de boa educação, que quem não gostou raramente se manifesta e que as pessoas acham tudo tão bacana porque não conhecem suas limitações e incompetências. Quando se tem amigos generosos que enchem a sua bola, a tarefa é ainda mais difícil. Acreditar que você realmente merece todos os louvores que ganha no calor de uma palestra é o começo do fim de qualquer profissional. O perigo é enorme e nos casos mais avançados de “seachismo”, a pessoa vira uma Suzana Vieira. Passa a acreditar que é top-master-blaster de verdade e perde completamente a noção das coisas; no estágio terminal, a medida do ridículo é irremediavelmente perdida e corre-se o risco de gravar um CD constrangedor sob todos os pontos de vista.

Ah, mas que ninguém pense que não gosto de elogios; adoro-os, como qualquer ser humano. Acontece que elogio é como doce: delicioso, mas há que se ter comedimento. Ninguém pode se manter saudável só vivendo disso; satisfaz, mas não alimenta, não faz crescer. Consumido de maneira desregrada, provoca crises contagiosas de vergonha alheia.

Então como evitar cair dentro da panela de brigadeiro, ainda mais quando se vive na beiradinha?

Bom, não tenho bem certeza (vamos combinar que não sou a pessoa mais modesta do mundo), mas o único caminho que consigo vislumbrar é sair da zona de conforto.

Dar palestras não é tão simples quanto parece; há que se atualizar sempre, fazer cursos, comprar e ler um caminhão de livros, estudar sem parar. Mas ainda é a zona de conforto, pois o ambiente e seus problemas são conhecidos, você sabe como lidar com eles.

Sair da zona de conforto é mudar de ambiente; encarar dificuldades que você nunca experimentou antes e não tem ideia de como resolvê-las. Assim, sua incompetência fica flagrante, você perde a sensação de poder e despenca na real rapidinho. Mas também cresce, evolui, se mantém a salvo do panelão (e da vibe Suzana Vieira, o que não é pouco..).

Então, conhecer e conviver com gente brilhante e muito mais competente que você pode ser um bom começo; ministrar cursos sobre assuntos novos com os quais você não tem muita intimidade traz desconfortos incríveis; aprender uma língua estrangeira consegue fazê-la se sentir uma ameba com problemas mentais, pelo menos no começo. E que tal tentar uma nova carreira em outro país, tendo que começar seu currículo do zero (ou do dois)?

Sei lá se vai funcionar, mas acho que vai ser divertido e resolvi testar tudo isso ao mesmo tempo, desejem-me sorte!

Ah, em tempo: é óbvio que volto de vez em quando e vou continuar com as palestras, afinal, brigadeiro só tem aqui e é bom demais, né?

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

14 Responses

  1. 16 junho 2011 at 5:44 pm

    Sorte!
    sorte!
    sorte!
    sorte!
    sorte!
    sorte!

    • ligiafascioni
      Responder
      16 junho 2011 at 6:21 pm

      Obrigada!
      obrigada!
      obrigada!
      obrigada!
      obrigada!
      obrigada!

  2. Tereza Jardim
    Responder
    16 junho 2011 at 5:51 pm

    Estás saindo da zona de conforto?? vai mudar de país, aprender javanês??

    Em qualquer caso, SORTE!

    • ligiafascioni
      Responder
      16 junho 2011 at 6:20 pm

      Aahahah… é que em julho me mudo para a Alemanha!! Alemão não é javanês mas chega perto….eehehehe

  3. 16 junho 2011 at 7:48 pm

    “Longe dos olhos e perto do coração”, vou ter que ter isso em mente o tempo todo novamente. Coração de mãe sofre…♥♥♥♥

  4. Alice Ribeiro
    Responder
    17 junho 2011 at 11:20 am

    Adorei seu texto. Boa sorte!

  5. natalie
    Responder
    17 junho 2011 at 12:04 pm

    Adoro ler textos de pessoas inteligentes e acabei de encontrar mais uma,que é você! Gostei muito da sua visão sobre esses deslumbramentos ao qual algumas pessoas inteligentes acabam se entregando.É realmente perigoso!
    Olha,muita sorte na sua nova empreitada e não esqueça de nos contar dessa sua nova experiência,ok?
    Quero deixar uma dica,de uma amiga que tem um blog,onde ela posta situações do cotidiano e que são muito bons!o blog é rabiscosdaclaudia.blogspot.com Tenho certeza que você também vai gostar! tudo de bom e até mais!

    • ligiafascioni
      Responder
      17 junho 2011 at 11:19 pm

      Oi, Natalie!
      Muito legal o blog, parece com o da minha mãe (as histórias são igualmente ótimas). O dela é espiritodeescritora.blogspot.com. Vê se não é mesmo!
      Sobre minhas experiências, acho até que vai faltar blog para tanto assunto…eheheh
      Smacks 🙂

  6. 20 junho 2011 at 5:27 pm

    Oi Lígia ! Tudo bem ? O que eu vejo em muitos consultores e palestrantes é bem o que você falou mesmo, pelo fato de assumir essa forma de trabalhar você precisa “vender a sua imagem e conhecimentos”. Se as pessoas “compram” isso, o profissional vira A REFERÊNCIA ! Conheci alguns profissionais que quase tinham fã club, e é aí que mora o perigo!
    Então há de se manter os pés no chão sempre, não esquecendo que toda unanimidade é burra …

  7. Fabi Cristina
    Responder
    1 julho 2011 at 4:09 pm

    Olá Ligia. Já faz algum tempo que acompanho o seu blog, acesso seus artigos e aulas, tudo muito bem elaborado e de uma competência sem tamanho.
    Parabéns pelos artigos, textos, entrevistas e todos os ensinamentos que vem passando.
    Muita sorte e tudo de melhor neste novo desafio, que acredito, será de grande valia para o seu crescimento pessoal e profissional.
    Forte abraço e certamente estarei acompanhando você daqui.

    • ligiafascioni
      Responder
      1 julho 2011 at 5:16 pm

      Obrigadão, Fabi! Espero poder compartilhar muitas descobertas e novidades aqui! Abraços 🙂

  8. Ricardo
    Responder
    27 fevereiro 2012 at 11:04 am

    Grande Lígia….sempre para frente…sempre mudando. Te invejo por isso (inveja boa). Muita sorte em seu novo caminho. Os alemães é que são mais sortudos por ter você por perto.
    Um abração bem demorado…..

    • ligiafascioni
      Responder
      27 fevereiro 2012 at 4:34 pm

      Que saudades, Ricardo!
      Manda notícias 🙂

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