Não é tão simples…

Nada melhor do que descobrir que o que a gente tinha como certeza, é, na verdade, pura balela. Ou, pelo menos, saber que as coisas não são tão planas como a gente imagina. Dá uma oxigenada no cérebro, reconecta algumas sinapses, faz a gente acordar. É bom.

Quantas vezes já li que “menos é mais” e que a simplicidade é uma característica essencial ao bom design? Sei lá, perdi a conta. Pois estava lendo “Diseño gráfico y comunicación”, de Jorge Frescara, e o vi defendendo um ponto de vista completamente contrário. Olha só como a dúvida sobre os benefícios da simplicidade procedem.

Num mundo onde a gente praticamente se afoga em informações, os designers gráficos são os profissionais que possuem conhecimento e experiência para separar o que é importante e o que é ruído e enfatizar aquilo que se quer transmitir. Na tentativa de organizar melhor as coisas e “limpar” o excesso de ornamentos que imperavam nas peças gráficas do início do século XX, alguns movimentos artísticos como o construtivismo, o De Stijl e a escola Bauhaus acabaram por desenvolver e popularizar trabalhos mais despojados e simples.

As palavras-chave eram: coerência, economia, simplicidade. E esses quesitos foram naturalmente relacionados com funcionalidade e beleza. Pois Frescara nos mostra justamente que a simplicidade está mais relacionada com o conceito de beleza (o que não é pouco) do que de funcionalidade. Acompanhe.

Nos anos 50 era praticamente um consenso de que não só o simples era equivalente a “bom”, mas também significava “mais legível”. Os designers de pictogramas (aqueles desenhos estilizados que a gente vê na sinalização de ambientes e rodovias) foram os mais influenciados por essa nova verdade. Em vez de ampliar ao máximo o poder informativo dos símbolos, os profissionais se concentraram em descobrir até que ponto poderiam “limpar” o desenho sem destruir a função informativa básica.

Em 1972 (já faz um tempão), uma pesquisa na Inglaterra demonstrou que não há relação direta entre a simplicidade do design e a eficácia na transmissão da informação. Pesquisas de 1975 mostraram que a simplificação das formas de um símbolo não aumenta a sua legibilidade sob nenhum ângulo de visão (é claro que não se comparou uma forma complexa com uma simples – apenas foram utilizados símbolos com mais ou menos detalhes).

O mesmo acontece com fontes tipográficas. Algumas, como a Universal, concebida para ser simples e legível, é realmente simples (usa o mínimo de retas e arcos de círculo), mas não é necessariamente mais legível do que outras com um pouco mais de detalhes. Em matéria de legibilidade, um dos critérios mais importantes é evitar enganos. Na versão original da Universal (hoje chamada “Alfabeto Bayer”), como resultado da busca pela simplicidade, foram abolidas as letras maiúsculas.

Aliás, aí é que Frescara nos mostra a chave da confusão. Ele diz que os designers acabam se equivocando porque buscam a simplicidade em vez de encontrá-la como resultado da busca pela funcionalidade. Simples passou a ser requisito de projeto, tão ou mais importante que a funcionalidade. Mais do que um critério, acabou virando um estilo.

Ok, mas essa conversa toda não é para liberar toda e qualquer bagunça visual, é claro que o simples ainda tem o seu valor, que nem de longe é pouco (nem que seja apenas para considerar a questão estética). Mas vale a discussão para fazer a gente pensar mais um pouco sobre verdades imbatíveis.

É, nada é tão simples como parece, nem mesmo a própria simplicidade.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

10 Responses

  1. 19 janeiro 2009 at 6:50 pm

    Simplicidade virou uma espécie de dogma que alimenta o imaginário modernista.

    A simplicidade das criações modernas escondem a complexidade dos processos históricos que lhes deram materialidade. Um objeto minimalista tenta nos convencer de que não é preciso nada a mais do que sua própria forma, como se esta forma fosse realmente necessária.

    No mercado, a simplicidade não passa de uma artimanha de diferenciação que nos faz comprar mais e mais quinquilharias, na esperança de que elas vão finalmente suprir nossas necessidades… Simplicidade mesmo é não precisar de tudo disso!

    Abordei o tema há algum tempo no Usabilidoido:
    http://usabilidoido.com.br/a_insustentavel_leveza_da_simplicidade.html

  2. 26 janeiro 2009 at 1:08 am

    Pra mim sempre existiu diferença entre simplicidade, simplista e simplório. Eu procuro projetar soluções visuais que o público principal ao qual uma peça é destinada entenda de imediato. O público colateral, aqueles que não eram visados primeiramente, pode até ter uma dificuldade pra ler, interpretar e compreender uma mensagem visual, mas pelo menos pode ser vislumbrado no quesito despertar a reação “o que é isso?” pra não ficar indiferente à imagem…

  3. 26 janeiro 2009 at 9:31 pm

    Caramba Ligia, post excelente! Tai algo que eu nunca havia pensado:

    “os designers acabam se equivocando porque buscam a simplicidade em vez de encontrá-la como resultado da busca pela funcionalidade. ”

    Sensacional isso!

  4. 2 fevereiro 2009 at 8:47 pm

    olá lígia

    a questão é capciosa. poderia ser simples, mas envolve tantas questões.
    quando produzimos algo, pensamos na simplicidade, ou nas inúmeras questões que o projeto demanda.

    a simplicidade é na verdade o resultado da busca ou da procura de uma solução. eu acredito que aqui reside uma falácia, busca e procura apenas denotam a mesma coisa, vale uma ida ao dicionário.veja huaiss, ainda que controverso as duas palavras significam a mesma coisa.

    vejamos um exemplo , a partir da dica do seu site. um objeto para receber azeite e usa-lo à mesa.

    a objetividade da função é tão forte e seu desenho, realmente, tão simples que a questão se resolve.

    se ela não responde a uma questão é porque provavelmente não era uma solução.

    um outro exemplo, philip stark, produziu um expremedor de limão que é a essencia do espremedor. simples e eficiente(pode ser que não seja tanto!) e projetou uma chaleira , cujo cabo simplesmente impede de se tocar enquanto esta quente. vale o desenho mas não vale a solução. é só mais um objeto a ser colocado em algum canto. não acho de todo ruim que tenhamos objetos cuja função seja somente agradar nossos olhos. não gostaria de viver uma sociedade utilitarista. ou seja: só vale o que tem função.(alias vc mesma indicou um excelente livro, cujo mote é a forma seja o erro e não a função!)

    lembre-se da navalha de ocam, entre duas soluções opte pela mais simples.

    abs

    paulo de tarso

  5. 6 fevereiro 2009 at 9:40 am

    O movimento minimalista no design é o auge dessa busca pela simplicidade que descamba para o não funcional. Disponibilizei no meu blog um ensaio sobre o tema, pra quem estiver interessado… Está num post sobre minimalismo e design minimalista. E ele também esclarece algo que muita gente confunde: a escola de Ulm NÂO fazia design minimalista como se costuma dizer… mas enfim, é um erro aceitavel…

  6. 8 fevereiro 2009 at 2:57 pm

    Pra quem quiser o link direto para o post, aqui vai!
    http://digerindoarte.blogspot.com/2008/11/minimalismo-e-design-minimalista.html

  7. 4 setembro 2009 at 7:30 pm

    Oi Lígia!

    Primeiramente, muito obrigado pelos elogios ao Saia do Lugar. Espero ter sua visita mais vezes para conferir nossas atualizações.

    Em relação a simplicidade, concordo plenamente com você. O importante é ser simples porém sem ser simplista.

    Grande abraço!

  8. 26 setembro 2011 at 3:51 pm

    Acredito que a grande maestria do designer é poder contextualizar o projeto. Se há uma grande quantidade de informações, e se é nescessário uma determinada quantidade de icones e elementos gráficos para fortalecer o conceito de um determinado objeto de design, por que não usar?

    Ótimo post!

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