O luxo e a autoestima

Olha como é bom gente curiosa e perguntadeira: a Carol Miotto estava fazendo um curso online onde falei (ou pelo menos dei a entender) que quem consumia luxo tinha problemas de autoestima. 

Pois a moça me enviou uma mensagem inbox no Instagram cheia de cuidado e respeito, dizendo que ela gostava de bolsas de marca e tinha amigos que curtiam carrões e não achava que houvesse algum problema de autoestima envolvido. Ela acreditava que esse julgamento parecia superficial, no que estava coberta de razão. Às vezes a gente fala as coisas de uma maneira que o pensamento fica incompleto e acaba passando batido. Ainda bem que existe gente como a Carol.

O que eu mais gostei é que ela entendeu perfeitamente a mensagem do curso: apesar de discordar do que eu disse, ela queria se abrir para o contraditório e ouvir mais a respeito. Nota 10! É isso mesmo. 

Vamos lá!

Primeiramente, convém lembrar que a palavra luxo comporta muitas definições, mas eu estava me referindo a essa aqui, do dicionário Michaelis: 1 Estilo de vida que se caracteriza pelo excesso de ostentação e pelo gasto com bens de consumo caros e supérfluos; fausto, requinte, suntuosidade. 2 Aparato faustoso, suntuoso; esplendor, magnificência, pompa. 3 Qualquer coisa dispendiosa ou difícil de se obter, que agrada aos sentidos sem ser uma necessidade.

Então estou me referindo a coisas caras e difíceis de se obter, combinado?

Bem, falar que quem consome luxo tem problema de autoestima é uma simplificação muito grosseira mesmo. Então pobre não teria problemas de autoestima, por essa linha de raciocínio? 

As relações de consumo são muito complexas e as pessoas escolhem objetos para fazer parte de sua vida usando critérios muito subjetivos. 

A questão é que todos os objetos que a gente consome são escolhidos por nós por uma determinada razão; algumas são funcionais, mas boa parte é simbólica.

Por exemplo: eu só uso Apple faz mais de 25 anos. Poderia ser considerado luxo, mas eu compro porque funciona para mim melhor do que as outras opções e porque me identifico com o conceito. Por outro lado, sou mega pão-dura para comprar roupas. Não compro nada de marca e adoro brechós e liquidações. 

A Carol gosta de bolsas de marca porque devem representar algo para ela: talvez fique encantada com a excelência no acabamento, o capricho, o cuidado na produção. Tem quem economize em tudo, menos nas calças jeans, que custam uma barbaridade, porque elas fazem a pessoa se sentir parte de uma cultura. Alguém pode colecionar anéis de brilhantes porque acha lindo. Há quem gaste fortunas em sapatos exclusivos, mesmo estando eles muito fora de seu orçamento, porque ela se sente mais bonita assim. Estariam todas essas pessoas erradas? Quem sou eu para julgá-las?

Então a questão não é o objeto em si, mas relação da pessoa com ele.

O problema não é ter o objeto, mas ostentá-lo como se fosse um escudo para mostrar às pessoas que você tem valor. E objetos de luxo se prestam muito bem a esse papel. Se eu tenho um carro de luxo, e penso que por causa disso sou melhor que todo mundo que não tem, então realmente tenho um problema de autoestima, pois me penduro em algo externo para me sentir aceito. Acho que os outros não vão gostar de mim ou me aceitar se eu não tiver aquele smartphone ou não estiver usando aquela roupa de marca.

Com certeza você conhece gente assim.

Então, o problema não é o objeto de luxo em si. Se você consome porque gosta e vê qualidade, mas não fica esfregando isso na cara dos outros como prova de superioridade, não tem nada errado com a sua autoestima.

Eu dei o exemplo de objetos de luxo porque são difíceis de obter, mas semana passada ocorreu um evento com algo parecido: a mulher que disse que o marido era melhor que o fiscal da Vigilância Sanitária porque era engenheiro civil formado. Ela usou o diploma de formação superior como objeto de luxo e ostentação para humilhar o outro. Isso é realmente problema de autoestima ao qual me refiro. A pessoa não se basta, ela precisa de alguma coisa externa de suporte para ter certeza de que ela tem valor no mundo; não confia na sua própria relevância como ser humano.

Então, esses objetos caros são excelentes ferramentas para quem é inseguro ostentar. Mas para quem não tem confiança em si mesmo, qualquer coisa serve: cargos, sobrenomes, parentescos, endereços, até um diploma. O importante é que seja alguma coisa difícil de conseguir.

Mas não quer dizer que todos que usem esses objetos estejam ostentando.

Como eu disse, a questão não é o objeto, mas o papel a que ele se presta e a relação que a pessoa tem com ele. 

Espero que agora tenha ficado mais claro (mas, é lógico, pode continuar discordando).

Sou muito grata às pessoas que me dão a oportunidade de explicar algum ponto que tenha ficado confuso ou raso. Valeu demais, Carol!

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