O painel semântico do crime

A comissária Charlotte Lindholm desvendando mais um crime em Hannover

Assim como os brasileiros são apaixonados por novelas, os alemães têm verdadeira fixação por séries policiais. Na terra de Goethe, todas as livrarias têm pelo menos uma seção gigante chamada “Krimi”, que é como se chama a literatura policial por aqui. E, a exemplo das nossas novelas, que são referência mundial em qualidade, a expertise deles é em filmes que retratam situações onde um crime precisa ser desvendado (sim, aqui também tem novelas, mas são bem fraquinhas).

O horário mais nobre da TV é domingo à noite, quando todo alemão que se preze fica grudado na frente da telinha para acompanhar mais um “Tatort”, série policial cujo título pode ser traduzido livremente como “cena do crime”.

O seriado existe desde 1970 e tem se aprimorado a cada episódio. O conceito é um pouco diferente do que a gente conhece por série, pois é filmado em mais de 16 cidades da Alemanha (com equipes de produção e atores diferentes em cada uma delas), além de Viena (Áustria) e Luzerna (Suíça alemã). Um episódio é filmado em uma cidade, dura 90 minutos (sem intervalos comerciais) e conta sempre uma história completa, desde o crime até o desfecho.

Os cenários são reais e os personagens são sempre investigadores da polícia da cidade da vez. A equipe de Hannover, por exemplo, tem sempre os mesmos atores e o mesmo estilo; o prédio em que eles trabalham é real mesmo (o povo valoriza muito a competência e a seriedade da polícia alemã). Para um ator alemão, participar de um episódio do Tatort é como estrelar a novela das 8 na Globo; um baita reconhecimento pelo trabalho. Num Tatort, tudo é produzido com o que há de melhor: a fotografia é primorosa, os atores são sensacionais e o roteiro é sempre muito bem escrito (até porque cada equipe tem a responsabilidade de produzir dois ou três programas por ano, no máximo).

Por que estou contanto tudo isso? Porque reparei que em todos os episódios que vi até agora, os investigadores sempre usam um painel semântico (ou uma ferramenta equivalente) para solucionar o crime.

O painel semântico é uma ferramenta muito popular e conhecida no design; trata-se de uma coleção de imagens, palavras, objetos e referências visuais que ajudam a entender e contextualizar o conceito de um produto. A palavra “semântico” está aí porque o que se busca é a representação do significado, do conceito, do que se quer traduzir na marca ou no projeto.

Não existe uma receita para se construir um bom painel; como se está em busca da tradução de uma ideia, o “bom” aqui é bastante subjetivo. Dá para fazer o quadro com recortes de revista, desenhos, fotos; com uma cartolina, post-its e massinha de modelar; dá até para fazer a representação apenas digitalmente.

O importante é que se consiga visualizar a ideia central, enxergar as conexões entre os conceitos, compreender as relações entre causa e efeito, vislumbrar possíveis desdobramentos. Enfim, o painel semântico ajuda um ser humano, que é, por natureza, visual, a organizar seu pensamento de maneira mais clara e estruturada.

Não é à toa que quando uma pessoa custa a entender uma questão qualquer, os mais impacientes sempre perguntam: “entendeu ou quer que eu desenhe?”. É que quando se desenha, tudo fica mais claro, óbvio, organizado. Se não sabe desenhar, ok. Use fotos, imagens, recortes, palavras. E visualize.

No caso de um crime, fico pensando agora como é que nunca reparei isso antes. Será que em todas as histórias de crime o investigador tem um painel semântico com as pistas, fotos, recortes, objetos e conexões e só eu que nunca notei? Será que essa ferramenta é de uso corrriqueiro para esses profissionais? Se o Sherlock Holmes usava, não sei; mas no Tatort é de lei.

Pensando um pouco, achei que se dá para ajudar profissionais com funções tão diferentes como um designer e um investigador policial, por que não pode ser útil para mim e para você também, seja lá com que você trabalhe?

Se médicos usassem mais paineis semânticos, não ficaria mais fácil solucionar diagnósticos difíceis? Se uma faxineira usasse um painel semântico, não conseguiria otimizar suas tarefas? Se um professor usasse um painel semântico, o contexto da sua disciplina não ficaria mais claro para todos? Se um gerente construísse um painel semântico junto com sua equipe, não seria mais fácil trabalhar? Se um advogado usasse um painel semântico, não seria mais fácil organizar os processos? Se uma psicanalista elaborasse um painel em conjunto com cada paciente, a comunicação entre eles não seria facilitada?

Sim, muitos profissionais fazem listas e usam esquemas, diagramas ou fluxogramas, como os engenheiros e programadores. De fato, isso ajuda bastante, mas estou falando de outra coisa. Estou falando de imagens: fotos, recortes, desenhos à mão, objetos. Uma coisa bem mais visual e não tão sistemática. Algo que resuma a ideia, o conceito, o espírito da coisa, não necessariamente a hierarquia de funcionamento (pelo menos não num primeiro momento).

Sei lá, mas acabei de me dar conta que essa é uma ferramenta bacana, acessível, divertida, barata e utilíssima. Ela está aí, à nossa disposição, e a gente simplesmente a ignora. Não parece um desperdício sem tamanho?

Taí uma dica para organizar as ideias para o ano que vem…

O Comissário Frank Steier apresentando sua teoria para a equipe de Frankfurt
A equipe de investigadores de Stuttgart estudando possibilidades

17 Responses

  1. Clotilde♥Fascioni
    Responder
    17 dezembro 2012 at 5:02 pm

    Eu acho que todos os filmes policiais usam alguma coisa semelhante, eu pelo menos ja vi, é o Dr House também faz uma lista de possibilidades e vai riscando e descartando numa lista também.

    • ligiafascioni
      Responder
      17 dezembro 2012 at 5:54 pm

      Nossa, acho que eu não assisti episódios suficientes do Dr. House, pois os que eu vi não tinha isso não. Mas que bom que tem!

      • Alberto Costa
        17 dezembro 2012 at 6:24 pm

        Lígia,

        o nome “painel semântico” é uma novidade para mim, mas o conceito não. Como o Ênio e a Clotilde já salientaram, não é incomum ver esse tipo de coisa em qualquer filme ou série de investigação policial – os painéis com fotos, mapas, datas, etc., aparecem em muitos deles, como parte do ambiente de debate dos investigadores, como catalisador do pensamento e insights das equipes de investigação.

        O grande valor da série médica “House”, para mim, como consultor de empresas, responsável por conduzir o trabalho gerencial de fazer diagnósticos e prescrever soluções, está naquele flip chart em que o Dr. House e sua equipe listam evidências – ou sintomas (o conceito de “diagnóstico por evidência” é algo bem importante na clínica médica) – e as relacionam entre si em várias configurações para valorizar uns e excluir outros, confirmando ou descartando hipóteses ao longo do processo de diagnosticar.

        O conceito de “mapa mental” não é muito diferente, embora tenha formatos específicos para cada situação (diagnóstico, investigação ou planejamento, como o Canvas, por ex., do Alex Osterwalder).

        No fim, é isso mesmo que você salientou – nosso cérebro depende, e muito, do elemento visual, ao mesmo tempo em que pode ser muito “enganável” pela seletividade natural da memória. Assim, manter as imagens, palavras, números e quaisquer outros símbolos à vista (objetivação), brincar com eles e suas relações possíveis, sem perdê-los, ora priorizando uns, ora outros, é importantíssimo para a elaboração e testagem de hipóteses, para verificação de lacunas (de dados ou de raciocínio), para recuperar informações secundárias que podem se mostrar fundamentais, etc.

        Muito obrigado por chamar a atenção para esse assunto. Na gestão empresarial (eu sempre afirmo que ser empresário é um trabalho intelectual antes de ser relacional ou produtivo) isso é fundamental e eu sempre fico preocupado quando vejo uma sala de comando sem um quadro negro, branco, azul ou roxo, onde se possa brincar com imagens e símbolos.

        Abraços.

        Alberto Costa

      • ligiafascioni
        17 dezembro 2012 at 7:09 pm

        Grande Alberto!!

        Sim, tem o mapa mental (não citei para misturar as coisas, pois nesse caso a expressão visual é mais organizada) e muitas outras coisas que penso que os gestores sub-utilizam.

        Quando muito tem um quadro onde as pessoas rabiscam umas setas ou palavras. O que eu não vejo é esse pessoal usando imagens (fotos, figuras, imagens, desenhos). Tudo fica muito na base do rabisco. É claro que tudo ajuda, mas o capricho de se construir um painel semântico bacana faz parte do processo de organizar as informações e entender a hierarquia entre elas, nuance que é perdida quando no máximo a pessoa faz um rabisco (e quer que todo mundo entenda).

        Acho que toda sala de reunião deveria ter massinha de modelar e muito lápis de cor. No mínimo.

        Beijos e saudades 🙂

      • 17 dezembro 2012 at 7:59 pm

        Lígia.
        Uma coisa bacana no seu site (eu já disse isso uma vez) é a qualidade dos comentaristas (modéstia à parte que me toca, claro). Acho o máximo quando você escreve um bom artigo e a gente ainda tem, de brinde comentários brilhantes como esse do Alberto Costa.
        Aí o assunto amadurece e todo mundo cresce.

      • ligiafascioni
        18 dezembro 2012 at 6:51 pm

        Mas é que os competentes se reconhecem mutuamente, já dizia um amigo meu, Ênio! Você devia mesmo conhecer o Alberto; fomos sócios num projeto muito bacana de desenvolvimento de líderes e foi um prazer trabalhar com ele (aprendi um montão e ri mais ainda). Quem sabe consigo marcar um café numa dessas vezes que eu voltar para a terrinha?
        Beijocas 🙂
        PS: O Alberto diz que modéstia é a virtude de quem não tem mais nenhuma outra. Como temos várias (você, o Alberto, os visitantes aqui do pedaço e eu também), vamos deixar isso de lado, né? Eeheheheh…

  2. 17 dezembro 2012 at 5:13 pm

    Oi, Lígia.
    Sim… muitos filmes de investigação policial (os meus preferidos) usam isto (pelo menos eu já vi em muitos casos). E naquela famosa série do Dr. House (casos médicos) eles também usam algo parecido. Mas não tem figuras. Apenas palavras.
    O Sherlock Holmes, até onde eu me lembro… não utilizava. Mas ele é um gênio, né? Não precisa disso.
    Uma coisa que eu percebi quando estava fazendo o mestrado em Administração (totalmente fora da minha praia original, que era a Engenharia) foi a utilidade dos métodos da pesquisa social (qualitativa) para as investigações de qualquer área (inclusive as criminais). Comecei a perceber que, nos filmes, os investigadores utilizavam exatamente os mesmos métodos que a gente aprendia nas aulas. Só que para desvendar crimes.
    Mas eu não sabia que esse negócio se chamava PAINEL SEMÂNTICO. Eu uso às vezes, nos meus cursos (acho ótimo para promover a conexão de conceitos). Mas não usava este nome chique. Agora sim… Minhas aulas ficarão bem mais sofisticadas.

    • ligiafascioni
      Responder
      17 dezembro 2012 at 5:54 pm

      Aahahaha…. veja só, agora suas aulas ficarão muito mais chiques 🙂

  3. 17 dezembro 2012 at 5:14 pm

    Eu e a Clotilde escrevemos ao mesmo tempo. A mesma coisa.
    Viu como é verdade!

    • ligiafascioni
      Responder
      17 dezembro 2012 at 5:55 pm

      Mas eu jamais ousaria duvidar de nenhum de vocês dois, mesmo que separadamente….eheheheh

  4. 18 dezembro 2012 at 3:38 pm

    Adoro séries de crime, assisto americanas, inglesas, suecas…Pena que essa alemã não tem prá vender aqui nos EUA! Fiquei com vontade.

    • ligiafascioni
      Responder
      18 dezembro 2012 at 6:47 pm

      Pena mesmo, Clarissa! É ótima, uma das melhores que já vi!

  5. Rose Guimarães
    Responder
    10 fevereiro 2013 at 3:34 am

    Me ajudou muito.

    Conheicmento se compartilha…e voce fez sua parte.

  6. Antonio
    Responder
    10 dezembro 2016 at 5:58 am

    Tem alguma dica ou sugestão de leitura (livro ou correlato) de como montar um painel semântico?
    Outra ferramenta que gostaria de uma orientação é sobre os algoritmos (linhas de raciocínio e ação) utilizados com muita eficiência nas ciências da computação, em especial, pelos programadores.
    Além disso, a habilidade em desenhar fluxogramas e suas técnicas, podem compor um conjunto de conhecimentos para a melhor prática com os painéis semânticos.
    No aguardo…

    • ligiafascioni
      Responder
      12 dezembro 2016 at 6:55 am

      Oi, Antonio!
      Eu já vi cursos sobre a montagem do painel semântico, mas teria que fazer uma pesquisa na Amazon para indicar bibliografia (não tenho nenhum livro em mente). Sobre algoritmos, os livros indicados seriam os de introdução à ciência da computação (são muitos; como estudei isso há mais de 20 anos, não tenho nenhum também para indicar – mas uma pesquisa rápida na Amazon usando as palavras-chave algoritmo e introdução devem indicar bastante coisa interessante). O mesmo sobre fluxograma.
      Lamento não ter os nomes dos livros para indicar aqui 🙁

    • ligiafascioni
      Responder
      20 dezembro 2016 at 10:23 am

      Oi! O Guilherme Sebastiany tem um curso específico para isso. Com certeza ele tem bibliografia indicada também. Veja aqui: http://brandster.com.br/p/workshop-de-painel-semantico

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