O tigre branco

Segundo o talentosíssimo e muito espirituoso Aravind Adiga, autor do “The white tiger“, o tigre branco é um dos animais mais raros que existem; só nasce um a cada geração inteira. Pois “tigre branco” é como se auto denomina o protagonista da história, Balram Halwai.

O livro é daqueles que a gente começa e não consegue desgrudar mais, tão bem escrito. Na verdade, é uma carta que Balram está escrevendo para o presidente da China, que, segundo ele soube pelo jornal, vem visitar a Índia. Balram então conta a sua história, triste, engraçada, inocente, perigosa, humilhante, poderosa, curiosa e fonte inesgotável de reflexão.

Ele adianta que seu relato é principalmente sobre empreendedorismo, uma vez que de potencial funcionário vitalício de uma casa de chás miserável ele se tornou dono de uma transportadora de respeito numa das maiores cidades do país.

O Tigre Branco nasceu numa cidadezinha do interior, e na casta errada, para seu azar. As castas mais altas (e de pele mais clara) são a luz; as mais baixas (e de pele mais escura), a escuridão. A mobilidade social é praticamente impossível, uma vez que os papeis são definidos por uma longa tradição e a própria família se encarrega de encarcerar o indivíduo no sistema.

Mas Balram não consegue viver preso no destino que lhe foi confiado e sai da cidade fazendo-se motorista (apesar de pertencer a uma casta de fazedores de doces). Depois de aventuras mirabolantes, cheias de descrições de miséria absoluta, corrupção e injustiças que lembram muito o Brasil (é assustador, mas real e perfeitamente possível, tanto lá como aqui), nosso protagonista acaba matando seu próprio patrão.

Na história, porém, não há bandidos nem mocinhos. Balram é inocente sob alguns aspectos (principalmente os religiosos), mas seu caráter foi (de)formado na própria cultura que dá razão ao professor roubar todo o dinheiro da merenda, dos livros e dos uniformes, pois faz meses que não recebe o salário (que, por sua vez, foi desviado por outro). Ninguém escapa de encontrar um jeito torto de viver na selva indiana e Balram não é exceção; extorque, engana, rouba, mata, mas tenta ser o mais justo possível dentro da sua ótica, por mais paradoxal que possa parecer.

O quadro sobre o empreendedorismo indiano é formidável e assustador; cidades como Delhi e Bangalore, onde prédios luxuosos brotam do dia para a noite a partir de trabalho praticamente escravo do povo da escuridão é de doer; mas dá para reconhecer traços brasileiros no cenário (talvez isso seja o que mais impressione).

Mesmo com tanta desgraça, ele consegue escrever a história com leveza, bom-humor e doses inteligentes de sarcasmo e ironia. O moço não ganhou o Man Booker Prize de 2008 à toa não. Vai lá que eu garanto.

2 Responses

  1. Fernando V. Flores
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    15 fevereiro 2012 at 1:52 pm

    Sensacional a história mesmo, Lígia.

    Morei na Índia em 2010 pra fazer um estágio e só depois de voltar é que li o livro. Para quem viveu a cultura, é um misto de nostalgia, tristeza e alegria. O retrato da sociedade indiana feita pelo autor é muito fiel e faz com que você consiga realmente viver a Índia através das páginas.

    Outro livro que retrata muito bem isso tudo, caso você tenha mais interesse sobre essa cultura riquíssima, é o livro Shantaram, do autor Gregory David Roberts. Ótima leitura.

    • ligiafascioni
      Responder
      15 fevereiro 2012 at 2:30 pm

      Nossa, Fernando, que máximo!
      Penso que deve ser um presentão a gente ter a oportunidade de ver o mundo sob um ponto de vista tão diferente, né? Vou guardar a indicação do livro sim. Há um outro que li e adorei, de uma autora indiana que se chama Arundhati Roy; o nome do livro é “O Deus das Pequenas Coisas” e foi uma das coisas mais lindas e poéticas que já li. Adorei mesmo.
      Um grande abraço e obrigada pela dica 🙂

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