Palavras que gastaram…

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Palavras são como qualquer outra coisa; se a gente usa demais, elas gastam, ficam desbotadas e até, em casos de uso excessivo, perdem completamente o sentido.

Andei reparando que, ultimamente, as palavras a seguir perderam o significado original; já não querem dizer coisa alguma. Vê se não é:

Sistema: quando uma pessoa não sabe porque alguma coisa está dando errado, tasca logo um “sistema” e pronto. Quando se diz “O sistema está com problema“, quer dizer rigorosamente “não faço ideia do que está acontecendo, volte depois“. Se o moço que conserta a máquina de lavar disser que é um “problema de sistema“, prepare-se, que a conta vai sair bem cara. Há lojas que se recusam a atender clientes porque “o sistema está fora do ar“; empresas aéreas que deixam viajantes mofando no aeroporto por “falhas no sistema” e por aí vai. Antigamente as pessoas eram “contra o sistema“; pois não me surpreende, esse tal sistema é culpado de tudo o que acontece de errado no mundo. Praticamente um Judas contemporâneo.

Inovação: virou moda e se usou tanto que datou. Hoje, qualquer caixinha de papelão um pouco mais arredondada já é inovação. O mundo está abarrotado de pessoas tão inovadoras que não sei como é que ainda não estamos nos teletransportando por aí. Esses dias vi uma apresentação do redesign de uma marca gráfica que me deixou pasma: toda a argumentação se baseava no fato de que a inovação era o DNA da organização, mas os designers não mexeram em quase nada da problemática marca original. Os gestores não deixaram porque fazia tempo que era assim e já estavam acostumados. Mas que ninguém duvidasse: ousadia e inovação era lá mesmo…

Projeto: Basta você encontrar uma pessoa desempregada, que ela imediatamente esclarece que está “com alguns projetos“. Sua cabeleireira também tem projetos, seu dentista está estudando projetos e até seu filho de 5 anos volta da escola cheio de projetos. Antigamente as pessoas tinham ideias. Agora, o chique é ter projetos (deve ser porque a galere anda meio sem ideias…).

Novo conceito: adoro quando alguma empresa aparece com um “projeto inovador” chamado “um novo conceito em (…)” (aqui você preenche a lacuna com o negócio que desejar: restaurante, livraria, café, shopping, lavanderia, buteco, papelaria, cabeleireiro e até escola de inglês). Você vai lá e não tem nem conceito velho, quanto mais novo. Acho que o “novo conceito” é o novo “sob nova direção“, só isso.

Design: nossa, essa aqui é “hors concours“; nunca vi uma palavra ser tão maltratada. Design, no contexto do design industrial, trata de projetar objetos já pensando em como eles serão fabricados em escala. Assim, quando uma pessoa usa design com o sentido de personalizado, está virando o termo do avesso. Design não é personalizado, é justamente o oposto, a escala industrial. Design também não é estilo, bom gosto, personalidade, nobreza ou qualidade. Aliás, essa palavra é tão polêmica que já virou sinônimo de qualquer coisa que se queira, para o bem o para o mal…

Boas festas: Para uns, quer dizer boas compras (ou boas vendas, depende em que lado do balcão o sujeito está); para outros, boa viagem; para algumas pessoas, significa recomeço, fechamento anual para balanço. Tem quem considere as festas realmente boas se as baladas forem quentes; há quem meça o sucesso das celebrações pelos presentes que ganhou. Boas festas? Só se tiver muito beijo na boca; ou então praia; ou então cerveja. Enfim, o sentido do termo varia com uma amplidão oceânica.

O bom disso tudo é que as palavras são públicas, cada um as usa como bem entender, estando elas gastas ou novinhas em folha; essa é a magia da língua. E seja lá qual o significado de sistema, inovação, projeto, novo conceito, design ou boas festas escolhido, desejo que aconteça tudo o de mais sensacional que você está esperando nesse final de ano.

Ligia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

7 Responses

  1. 16 dezembro 2010 at 6:18 pm

    Outro dia visitei um blog que chamava lixa de unha de “inovação”. Era uma lixa de unha. Colorida, pequetica e talz, mas o que tem de “inovação” nisso?

    Designer de sombrancelha, designer de unhas, cake designer… não, se eu fosse boleira diria “eu sou boleira” com o maior orgulho, porque tem coisa mais linda do que um bolo delicioso todo bem decorado? Mas não, “cake designer”. Ai que desgosto.

    Lígia Fascioni: Eeheheeh… Kika, deixa essa gente ser feliz…eheheh… se a Sony faz notebook colorido e acha isso o máximo da inovação, por que quem faz lixa de unha também não pode? Sobre designers genéricos, só assim eles dão o ar de sofisticação tão em voga em terras tupiniquins. É só porque a palavra é estrangeira. Não esquenta, no ano que vem já inventaram outra (em francês ou italiano) e pronto. Ninguém é mais designer…eheheh

  2. 17 dezembro 2010 at 9:36 pm

    Oi Lígia.

    Realmente! também tive essa impressão, e muitas vezes as pessoas ainda trocam o design, pelo designer. Essa semana ouvi a frase: “As canetas agora vieram com um novo designer, estão mais inovadas” ??? xocante!. A alguns meses atráz, estive pensando em um nome para uma marca, e não achei nenhuma que poderia usar o design no meio que já não existisse. Espero que a palavra ‘design’ não perca o sentido futuramente em meu currículo!!

  3. Paulo
    Responder
    18 dezembro 2010 at 10:39 am

    O pior é quando lhe pergutam a profissão e voce diz que é analista de sistemas… Ah! Então é culpa dele …

  4. Bruno
    Responder
    20 dezembro 2010 at 12:48 pm

    Lígia,

    Sua formação em engenharia é boa demais e você é bonita demais para disperdiçar talento na área de comunicação e propaganda.

    Essa área não traz nada além de decepções e noites mal dormidas.

    Sucesso pra ti que escreve bons artigos e tem uma boa visão sobre o mercado de uma maneira geral.

    Valorize-se. tudo de bom pra você. 😉

  5. 20 dezembro 2010 at 4:03 pm

    Realmente, esses dias ainda comentei com alguém a respeito desse “um novo conceito em (…)”!

    Um novo conceito emzzzzzzzzzzzzz heheh

  6. 20 dezembro 2010 at 7:19 pm

    Foi comigo Marcelo… hahahhah

    É só ligar o rádio e a TV que tudo que é propaganda de negócio abrindo é um novo conceito…

    Isso também é visto em grandes marcas… a Kia por exemplo na hora de falar da forma do carro se refere à ela como “um design inovador”!

    Essas coisas dão cocerinha mesmo!!!!

  7. Pedro Castilho
    Responder
    31 dezembro 2010 at 5:38 pm

    As próximas palavras a ficar gastas são empreendedorismo e sustentabilidade…

    Desejo um excelente ano novo para você..

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