Parece, mas não é…

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16-05-2007 Será que as coisas sempre são o que parecem? Ou comumente são cometidas injustiças em nome das aparências? Esse é um assunto polêmico, mas sou da opinião que a aparência deve traduzir a essência. Quando isso não acontece, é incompetência ou má-fé de quem parece ser o que não é.

Vejamos: se estou calmamente sentada em um café e adentra no recinto um homem trôpego com as vestes em trapos cheirando a álcool, ninguém pode me acusar de preconceituosa se achar que o sujeito é um bêbado andarilho. O que eu vou fazer com essa leitura é outra história. O fato da pessoa ser mendiga e bêbada não a faz menos humana e nem me confere o direito a desrespeitá-la. Mas o que se quer enfatizar aqui é que a leitura está certa.

Vejo muita gente reclamar por ser maltratada em lojas de grife porque entrou no estabelecimento mal vestida. Certamente, a atendente leu indícios de limitações financeiras na bermuda desfiada, a regata com propaganda eleitoral de duas eleições atrás e imitações de Havaianas. É claro que a moça é uma ignorante, pois não se trata mal um cliente porque ele é pobre – dizem até que são os melhores pagadores. O que eu quero ressaltar é que, se a leitura estava errada e o sujeito é, na verdade, dono de bilhões, a culpa é dele mesmo que provocou a confusão toda. Quer ser visto e tratado como milionário? Vista-se de milionário (ou, no caso, fantasie-se).

Parece-me que o erro geralmente está na atitude (todas as pessoas, independente da aparência, são merecedoras de respeito e dignidade), dificilmente na leitura. Os novos-ricos esnobes, por exemplo, são facilmente legíveis e identificáveis em qualquer língua e situação. Nem por isso merecem ser ridicularizados (resista bravamente à tentação).

E as empresas? Bem, prestando um pouquinho de atenção, também dá para lê-las com certa facilidade. Veja alguns exemplos.

Há salões de beleza cuja decoração e a comunicação visual são um ode ao mau gosto e à desarmonia. Ninguém pode dizer que foi enganado se sair de lá com um cabelo de fazer inveja ao Palhaço Bozo. Como alguém pode vender beleza sendo desprovido de qualquer senso estético?

Há restaurantes que presenteiam clientes do sexo feminino com originais e criativas rosas vermelhas no Dia Internacional da Mulher e no Dia das Mães, mas não são capazes de oferecer um simples ganchinho para pendurar as suas preciosas bolsas. É assim que eles valorizam e se preocupam em atender às necessidades das mulheres? Pura balela.

E as lojas de móveis que vendem tudo para facilitar a sua vida? Parece que você está entrando em um depósito atravancado de móveis, bugigangas e eletrodomésticos. Alguns ainda completam a balbúrdia instalada com balões e confetes espalhados pelo chão. A mensagem mais clara que se pode ler é: seja nosso cliente, compre tudo da gente e a sua casa ficará assim!

Outro tipo comum é a loja que vende “design, bom gosto e sofisticação”. Você entra e os produtos são todos cópias mal feitas de móveis consagrados, péssimo acabamento, proporções erradas e preços incompreensíveis. Pseudo-design na sua melhor forma. Mais ou menos como os restaurantes que se gabam de sua comida maravilhosa e excelente cozinha, mas têm um banheiro que dá medo de imaginar o resto. Estou lendo errado?

Uma vez cheguei ao cúmulo me deparar com uma vitrine cuja roupa exposta, além de amassada, tinha um botão faltando. Troféu “sem noção” para o talento persuasivo desse lojista!

Tenho uma coleção de maus exemplos que conta com um folheto pavoroso, com cores todas “lavadas” e uma diagramação totalmente equivocada que é, pasmem, de uma gráfica que oferece impressão com padrão de primeiro mundo e serviços de “designer”!

Numa viagem à serra gaúcha tive a oportunidade de me deparar com uma loja chamada “Expensive” (caro, em inglês) com um enorme cartaz de liqüidação na vitrine oferecendo vestidos a R$ 10,00! Em São José há uma escola que oferece cursos “do berçário a 8a série” (sic). Parece que não faz parte do currículo o uso da crase.

E o que se pode esperar encontrar dentro de uma boutique chamada Vácuo? Teria esse nome sido escolhido por sua adequação ao conceito do negócio ou por causa de sua sonoridade peculiar? Mistérios insondáveis do marketing que nem Philip Kotler saberia responder.

Dia desses estava pilotando numa rodovia quando fiquei atrás de um ônibus invocado e um caminhão furioso pertencentes a um conjunto musical chamado “terceira dimensão”. Fiquei pensando que todo mundo deve ter aprendido em física que a primeira dimensão é a largura, a segunda é a altura e a terceira, a profundidade. Como uma banda com uma dúzia de integrantes que toca música regional popular pode ser profunda? Bem, não tenho idéia da resposta, mas posso dizer que a sensação de ultrapassar a “terceira dimensão” foi ótima!

Os exemplos são infinitos: atendentes de farmácia com cara de doentes; balconistas de cosméticos que parecem ter saído diretamente da cama sem nem ao menos pentear os cabelos; webdesigners que não têm site; agências de propaganda completamente desconhecidas de o seu público-alvo; palestrantes profissionais que escrevem (e lêem!) textos intermináveis em transparências; lojas de flores com todas as áreas livres cimentadas; intelectuais cultíssimos que falam “a nível de”; profissionais de marketing com cartões de visita toscos; designers que nem cartão de visita têm; atendentes de livrarias semi-analfabetos; e por aí vai.

A imagem é como um quebra-cabeças que se constrói na mente das pessoas. As peças são distribuídas pela própria empresa ou profissional, mesmo que eles não percebam. Por isso, não adianta gastar fortunas em um anúncio de página inteira na Veja se a distribuição de peças que contradizem a genial campanha publicitária é farta e prolífica. Não adianta usar o melhor terno na palestra se o seu português dói nos ouvidos.

Toda criança sabe que peças faltando ou sobrando num quebra cabeças devem ser de outro jogo. Estão perdidas ou misturadas, não servem para montar uma imagem coerente. Até o Bob Esponja sabe que o destino delas é o lixo.

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