Preciosas horas

Nossa, acabei de acompanhar uma discussão no Facebook que me deixou pasma. As pessoas estavam discutindo o preço que um palestrante cobra (conheço o moço apenas de nome e, pelos comentários, o valor é cerca de R$ 6 mil). Aí, uma professora universitária veio com essa: “Tudo isso por duas horas de trabalho? São R$ 3 mil por hora, assim eu também quero!“. É claro que o coro de pessoas que não convidaram o Tico e o Teco para o debate logo concordaram que isso era um absurdo e que o sujeito estava com a vida ganha.

Gente, vamos raciocinar. Para palestrar por duas horas, o moço, que tem mestrado, teve que estudar pelo menos 20 anos da vida dele, mas nem vamos considerar isso (quem estuda sabe o quanto custam esses anos todos na escola).

Vamos apenas dizer que, no último ano ele tenha comprado R$ 1 mil de livros (eu gastei isso) e mais o equivalente em cursos (essa é uma estimativa conservadora, é bem fácil gastar mais). Só aí já são quase R$ 2 mil de custos (fora os impostos). Ele deve ter gasto pelo menos mais umas 200 horas entre ler os livros e fazer os cursos. Isso bem por baixo. E ainda tem a apresentação propriamente dita.

Ninguém tira uma palestra do nada; a pessoa tem que compilar e pensar em tudo o que estudou, tem que organizar as ideias, escrever, tirar conclusões, desenvolver alguma ideia nova (claro, se ele não tiver nada a acrescentar, ninguém o contrata para palestrar). Além disso, há que se escolher as palavras, selecionar as informações mais importantes, elaborar um roteiro, ensaiar, ensaiar, melhorar, melhorar. Exaustivamente.

O que ele está fazendo é, na verdade, economizando o tempo e o dinheiro das pessoas todas que irão ouvir o que ele vai dizer. Elas não terão que gastar essas horas e esse dinheiro para ter acesso a esse conhecimento — o palestrante foi lá e mastigou tudo.

E, claro, para divulgar seu trabalho (senão, como iriam saber que ele existe e contratá-lo?), o rapaz escreveu muitos artigos, deu muitas entrevistas, compartilhou muita informação gratuitamente. Também gastou horas para escrever uma proposta e negociar com o contratante. Provavelmente terá que viajar até o local e não poderá atender a mais nenhum cliente no período. Se juntar todas essas horas e custos, qualquer criança pequena concluirá facilmente que a hora dele está muito, mas muito longe de custar R$ 3 mil.

Sim, é claro que ele pode replicar a palestra em outras ocasiões, mas quem consegue apresentar o mesmo conteúdo duas ou três vezes exatamente da mesma maneira? Há que se continuar estudando e descobrindo mais coisas a acrescentar (ou eliminar). Mesmo assim, reais até podem se multiplicar, mas não viram milhares.

Olha, a pessoa pode não gostar do palestrante, achar que o que ele vai falar não vale isso. Mas, por favor, fica feio alguém supostamente esclarecido usar como argumento um raciocínio tão simplista e rasteiro como esse…

20 Responses

  1. 25 outubro 2012 at 7:50 am

    Eu temo pelos alunos dessa professora. Com um pensamento tão linear como ela ensina algo aos alunos? O que ela talvez tenha é inveja do rapaz. Que deselegante menosprezar o valor do trabalho do palestrante!

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:25 pm

      Também achei, Renato. Mas essa professora tem todas as características de uma profissional medíocre; tomara que os alunos consigam reconhecer isso…

  2. Ana
    Responder
    25 outubro 2012 at 9:13 am

    Os professores lutam pela sua valorização. Depois se contradizem fazendo esse tipo de comentário. Triste 🙁

  3. Tereza Jardim
    Responder
    25 outubro 2012 at 9:19 am

    Triste ver o quanto ainda encontramos pessoas que trabalham com conhecimento mas não são capazes, elas mesmas, de dar o devido valor a tal recurso.

    Enquanto professora universitária, ela deveria ser a primeira a defender que esse valor não corresponde às duas horas de exposição! A não ser que seja uma daquelas enferrujadas, que usam o mesmo plano de aula há anos, e não precisam mais preparar nada para expor aos alunos…

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:24 pm

      Nossa, fico só imaginando mesmo a aula dessa professora (deve ser uma porcaria)…eheheh
      Triste, mas bem real.

  4. 25 outubro 2012 at 9:59 am

    Lígia
    Ainda sobre o comentário infeliz da professora: eu lembro uma vez, em 1987, numa das lutas do Mike Tison ele nocauteou o adversário em 32 segundos (isso mesmo TRINTA E DOIS SEGUNDOS!) e ganhou, por essa luta, a quantia de 21 mil dólares (VINTE E UM MIL DÓLARES!)

    Na época eu (que era um engenheiro recém-formado) discuti com muitas pessoas defendendo que ele não ganhou os 21 mil dólares em 32 segundos e sim nos muitos e muitos meses de treinamento e preparação para aquela luta. E que esse valor só foi pago a ele porque isso representava apenas uma fração do que todos os outros envolvidos ganharam no processo.

    Eu (ainda) não cobro R$ 6.000,00 por uma palestra, mas já fui, uma vez, a uma palestra de um moço cujo valor de honorários era de cerca de R$ 10.000,00. Lembro que eu cheguei em casa e falei pra Áurea, minha mulher: “esse cara vale cada centavo que cobra. O que eu paguei pra ver essa palestra vou recuperar em menos de dois meses”

    Imagino o lucro que ele produziu para o conjunto da sua platéia, somente com aquela apresentação.

  5. 25 outubro 2012 at 10:01 am

    (apenas uma correção… o valor faturado pelo Mike Tison na luta de 1987 foi 21 MILHÕES de dólares.
    (20 mil dólares era a gorjeta que ele dava pro manobrista do hotel, hehehehehe)

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:23 pm

      Uauuu!!! Isso sim é um exemplo inspirador!
      Beijos e obrigada!

  6. 25 outubro 2012 at 1:21 pm

    Já ouvi esses mesmos comentários várias vezes para profissionais de consultoria. Das duas uma: essas pessoas em muito subestimam a capacidade dos palestrantes ou nunca assistiram uma palestra de qualidade para reconhecerem o trabalho deles!

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:22 pm

      Verdade, Carlos. Ou então as pessoas passaram a palestra inteira navegando no Facebook e não conseguiram diferenciar uma coisa da outra (sério, já vi isso….eheheheheh).

  7. 25 outubro 2012 at 2:36 pm

    Lígia,
    Que prazer ler uma argumentação tão lúcida sobre a coisa e ver tanta gente aqui concordando com você. Esse é um problema que todos nós que trabalhamos com “ideias”, no sentido mais amplo da palavra, já enfrentamos algum dia. Se você vende uma joia ou roupa confeccionada à mão, com materiais finos, vai ser fácil encontrar quem concorde em pagar mais pelo produto. Mas tudo o que é fruto do seu cérebro parece ter menos valor.
    Como tradutora e intérprete, quantas vezes tive que ouvir “tudo isso por duas folhinhas?” ou “nossa, são só duas horinhas no tribunal, não dá pra fazer um desconto?”. Pois é, não dá porque foram mais de vinte anos ralando para chegar aqui e… continuar ralando para não voltar ao ponto de partida, ou seja, investindo em cursos, tempo para leituras, pesquisas, congressos e por aí vai.
    Não dá também porque não é todo dia que um intérprete (ou palestrante, ou consultor) está ganhando “aquilo tudo” só por duas horinhas. Aquilo que ele ganha tem que cobrir também os dias em que não há eventos, o tempo necessário para administrar seu negócio, os dias em que ele estiver doente e as férias que ele, se tiver sorte, vai conseguir tirar, pois não há um empregador por trás pagando os santos 30 dias por ano.
    Um professor tem toda a razão de se queixar de não ganhar tanto, pois deveria, sim, receber à altura pelo esforço que vai muito além das horas passadas em sala de aula. Por isso mesmo deveria saber, melhor que ninguém, que o valor de uma boa palestra também vai além dos momentos passados ali no evento. Você resumiu isso perfeitamente:
    “O que ele está fazendo é, na verdade, economizando o tempo e o dinheiro das pessoas todas que irão ouvir o que ele vai dizer. Elas não terão que gastar essas horas e esse dinheiro para ter acesso a esse conhecimento — o palestrante foi lá e mastigou tudo.”
    O errado não é o palestrante ganhar tanto, mas outros ganharem tão pouco. O que me faz lembrar do meu pai, um grande e sábio gozador, quando dizia “não são as coisas que estão caras, é você que está ganhando pouco”.
    Para chegar onde esse palestrante chegou é preciso primeiro saber o valor que o próprio trabalho tem, depois cobrar à altura. Isso é mais difícil do que parece. Mas saber que alguém ganha tanto pode ser um começo. Serve de motivação para tentar chegar lá também.

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:21 pm

      É mesmo, Bete!
      Vender o intangível não é para amadores…ehehehe
      Uma das coisas que mais me motivam é saber que há gente ganhando (e bem) para fazer palestras e escrever. Penso que tem muita coisa a ser aprendida com esses profissionais (que eu quero ser quando crescer).
      Beijos e espero que a gente possa se conhecer pessoalmente logo :))

  8. 25 outubro 2012 at 2:36 pm

    Credo, mas eu falo, hein? 😉 Desculpem aí…

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:25 pm

      Desculpo não, Beth! Como castigo, vai ter que escrever mais….ahahahahah
      Adoro!!!

      Beijos 🙂

  9. Clotilde♥Fascioni
    Responder
    25 outubro 2012 at 2:46 pm

    Caro é um motorista do planalto ganhar 48 mil, pode?

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:26 pm

      É mesmo, isso fora os benefícios, licença-prêmios, vales e aposentadoria integral. Vergonha.

  10. Marcia Tiergarten
    Responder
    25 outubro 2012 at 3:32 pm

    Cara Lígia, em minha trajetória profissional, tenho aprendido que em primeiro lugar eu mesma preciso valorizar o que vendo. Em segundo, preciso compreender que o que vendo não é o tempo – em horas, meses, anos – e sim o valor que está por trás do que entrego. Como profissional quero entregar em valor muito mais do que me pagam e este valor não pode ser medido pelo tempo que levo para entregar, mas o que se vai fazer com o que eu entrego para que o retorno sobre o investimento seja palpável, real, substancial. Houve um tempo que eu cobrava por “hora”. Hoje cobro por valor – quanto vale para meu comprador o conhecimento para resolver o problema que o aflige? Quanto vale para ele delegar uma tarefa que ele não sabe solucionar? Quanto vale uma informação que o fará abrir a mente para visualizar o que, antes, não podia ver?
    Adoro ler seus artigos e livros. E penso que nossa tarefa é iluminar as mentes que não podem ver o que ja enxergamos. Sou professora por formação e sei bem o cenário que é “mostrado” para os professores. Porém, eu mesma precisei romper “as paredes da sala de aula” para além do que me mostravam. Hoje procuro ajudar as pessoas para que possam, elas mesmas, romper “as paredes que limitam suas vistas e, portanto, suas vidas”. Que valor isso tem?
    Outro aspecto que não deve ser deixado para trás é o fato de que muitos são ao que tem preguiça de pensar, ler, pesquisar, aprender e depois se beneficiam do conhecimento daqueles que se dedicam a criar, inovar, pensar. Quanto os conhecimentos que são produzidos pelos pensadores colaboram com mais qualidade de vida para aqueles que compram “o pacote pronto”? Quanto tempo ganham podendo resolver problemas com estes mesmos conhecimentos? Que valor isso tem?

    • ligiafascioni
      Responder
      28 outubro 2012 at 7:19 pm

      Marcia, só tenho uma coisa a dizer: iria adorar ser sua aluna!!!
      Quem sabe um dia, né?

      • Clarice Tiergarten
        3 novembro 2015 at 10:31 am

        Acredite ela é ótima 🙂

  11. Pri-k
    Responder
    27 outubro 2012 at 4:42 am

    Confesso que tenho problemas ao definir o valor do meu trabalho, preciso me valorizar mais. Uma coisa é certa, por causa de situações como essa do post é que existem tantos problemas e gente prostituindo o mercado.

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