Quem quer ser invisível?

Essa semana andei pensando sobre as pessoas invisíveis que convivem com a gente todo dia. Quer saber quem elas são? Leia a coluna dessa semana!

Gente invisível

10-04-2008 Essa semana recebi uma mensagem que me deixou comovida. Como a recebi de 4 endereços diferentes, é possível que você também já a tenha lido, ainda mais porque, pesquisando no Google, descobri que a história é verdadeira e o texto é de 2004.

O caso é o seguinte: Fernando Braga da Costa, por sugestão de seu orientador de Mestrado em Psicologia, resolveu trabalhar como gari na própria universidade onde estudava para entender como esses profissionais eram vistos pela sociedade. Eis a conclusão, após 8 anos trabalhando na função: eles não são vistos.

A primeira coisa que Fernando observou é que mesmo fazendo tudo direitinho e vestindo o uniforme igual a todos eles, os colegas logo notaram que o moço era um estranho no ninho. A cor da pele, a postura, a maneira de falar, o olhar, tudo era diferente. Mesmo assim, ele não foi rejeitado. Pelo contrário; de alguma maneira, os garis da sua equipe o protegiam, reservavam para ele os trabalhos mais leves. Nunca chegaram a conversar sobre porque Fernando estava fazendo aquele trabalho, mas aos poucos ele conseguiu se integrar completamente ao grupo e até a fazer grandes amigos.

O fato é que o pesquisador constatou, emocionado, que as mesmas pessoas que o abraçavam e lhe davam a maior atenção quando ele estava em trajes “normais”, ignoravam-no completamente quando ele estava de uniforme e vassoura na mão. Não, ele não andava disfarçado ou coisa do tipo. É que os colegas não tinham como reconhecer Fernando, pois nunca olhavam os rostos dos garis. Era como se ele não existisse. Algo como uma versão contemporânea de Grenouille, personagem do memorável livro “O perfume” (Patrick Süskind) que não tinha cheiro, portanto nunca era notado. Tipos perfeitos e acabados de homens invisíveis.

Fernando concluiu que os profissionais que fazem serviços gerais, principalmente os trabalhadores braçais, são completamente ignorados. Ele conta que várias vezes conhecidos passavam muito perto, chegavam a esbarrar nele e nem ao menos se desculpavam. Desviavam do “obstáculo” como se fosse um poste, um orelhão. O povo do braço é considerado equipamento, objeto, parte da paisagem.

Fiquei pensando: será que a gente trata mesmo as pessoas assim? Todo o carinho do mundo para os nossos pares, o completo desprezo pelos que não são “da nossa classe”?

Quando um designer vai projetar um ponto de ônibus, será que ele considera a opinião dos garis? Das pessoas que montam a estrutura? Dos motoristas e cobradores? Ou apenas entrevista quem está esperando a condução?

Quando um publicitário vai fazer uma campanha para a prevenção da dengue, será que ele conversa antes com um varredor de rua? Quando faz um comercial de um banco, conversa com os vigilantes? Eles passam despercebidos mas vêem tudo de uma maneira que só os invisíveis conseguem, não se esqueça.

Quando um palestrante vai falar sobre alimentação saudável, será que ele troca uma idéia com o rapaz que carrega aquelas caixas pesadíssimas de verduras e frutas? Ou o pessoal do supermercado que arruma as maçãs? A moça que cuida da balança?

Você dá bom dia ao porteiro do seu prédio? Já bateu um papinho com o frentista do posto de gasolina? Cumprimenta e deseja bom trabalho ao manobrista do estacionamento? Sabe alguma coisa sobre a senhora que limpa o seu escritório? Lembra do rosto do cobrador do ônibus que você pega todo dia?

Eu sei, às vezes a gente não cumprimenta por timidez, não é desprezo. Mas pode ser interpretado assim, então é melhor ter mais cuidado. O Fernando publicou seu trabalho há quatro anos e o livro se chama “Homens invisíveis”. Será que não devia ser leitura obrigatória nas empresas, nas escolas e, principalmente, nos cursos MBA?

Pois é, talvez a gente tenha que rever nossos hábitos. Se não para ser pessoas melhores, ao menos para ser profissionais mais capazes.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

6 Responses

  1. Cecilia
    Responder
    11 abril 2008 at 11:04 pm

    Lígia,

    vejo isso todos os dias, mas não só com os chamados “trabalhadores braçais”. No mundo corporativo, os analistas são invisíveis aos gerentes, esses invisíveis aos diretores ou presidentes… Você passa pelas pessoas “mais graduadas” e é como se fosse um fantasma, completamente invisível. A única diferença é que não usamos uniformes… A tese deveria ser leitura obrigatória, pelo menos os “trabalhadores braçais” receberiam um tratamento digno. Abraços !

  2. 23 abril 2008 at 1:56 pm

    É uma coisa complicada isso.

    Já passei por situação parecida, porém inversa a do post. Conhecí um garçom, em um restaurante que freqüentava. Sempre converso e troco algumas palavras com ele, porém um dia, encontrei ele na rua sem o seu uniforme de garçom e demorei um pouco até perceber quem era essa pessoa. Até brinquei com ele que não tinha o reconhecido pois estava sem o uniforme.

  3. 4 setembro 2008 at 5:04 pm

    JÁ “VERSOS” JÁ

    Já me questionaram, murmuraram e criticaram
    Já me forjaram, me acusaram
    Já me cegaram e me usaram,
    Já me surraram, me pisaram, abandonaram
    Já me torturaram, me odiaram, me xingaram
    Já me beijaram, me abraçaram… E até me amaram.
    Já me zombaram e como cegos me ignoraram.
    Já me tentaram, ostentaram e se enganaram!
    Já me aplaudiram, lisonjearam e me ampararam
    Também já me vaiaram e, de tão surdos me reprovaram.
    Já me embebedaram, me afogaram…
    Já me tocaram, me esfolaram
    Já me sugaram e me caluniaram.
    Já me “crucificaram” e me ridicularizaram…
    E como loucos, me julgaram e me condenaram!
    Mas, nunca me derrotaram!

    Paulo Costa (Pacco)

  4. 4 setembro 2008 at 5:15 pm

    O ser humano é… Nada mais, nada menos do que: Surdo, Cego e “Louco”!

  5. 5 setembro 2008 at 6:48 pm

    Caríssima amiga Lígia:

    Vê agora porque eu tenho uma opinião contrastante sobre os diplomas e diplomados?

    Esses distintos cavalheiros e damas, doutorados em Psicologia (era universidade pública, pagamos os estudos desses cretinos pedantes?), estão agora clinicando e selecionando pessoas em departamentos de RH, como se fôssem semi-deuses, olhando o mundo com a mesma ótica com que ignoram os garis.

    É essa gente, com valores pequeno-burgueses, que vive para comprar o carro do ano e a quinquilharia eletrônica que a mídia manda, para suprir o vazio moral que carregam dentro de si mesmos. Será que, como pessoas cultas, algum desses magníficos criou ou descobriu algo que melhorasse o planeta, ou vão apenas continuar consumindo e se reproduzindo em massa, usando camisetas “ecológicas” e acreditando num milagre, que virá através da parabólica?

    Digno de nota é o fato de que, se você publicou este texto, Lígia, é porque ele lhe sensibilizou e eu lhe parabenizo por isso, continue sensível e atuante, Dom Quixote de Saias!

    BJKS

  6. 21 novembro 2008 at 4:06 am

    Oi, Lígia! Obrigada por compartilhar estes questionamentos tão importantes. Li este texto seu lá faculdade e fiz algumas reflexões a partir dele e postei no meu blog, gostaria que vc desse uma olhada.

    bj

    =)

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