Será que dá tempo?

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Dia desses, um amigo nosso motociclista, o Joel Rhenius, perguntou sem mais nem menos, no meio de uma conversa: “quantos anos você tem?

Respondi 41, meio sem entender direito por que ele queria essa informação. Joel respondeu: não, não perguntei a sua idade. Esses anos você tinha, não tem mais, já passaram. Eu perguntei quantos anos você ainda tem.

Foi então caiu a ficha. Sábio Joel, com seu pensamento lateral em plena forma. Quantos anos será que ainda tenho? A morte, apesar de ser a única coisa certa da vida, ainda é um tabu para nós. Se a gente se lembrasse de vez em quando de que o tempo aqui não é infinito, que as coisas não são para sempre, quem sabe não desperdiçaríamos tanto. Não faríamos planos sem data, não deixaríamos para ser felizes num futuro idealizado e longínquo que nunca chega.

Geralmente a gente se dá conta de que as coisas acabam quando sabemos da doença fatal ou da morte súbita de alguém próximo. Com o tempo, a doença fatal ou a morte súbita chega para nós também. E aí, é o caso de perguntar: o que é que a gente fez com o nosso tempo? Para que a correria toda? Para que a gente se economiza tanto, deixando às vezes de brincar, de se apaixonar, de fazer umas loucuras, de sentir os cheiros, de nos deixar abraçar pelo sol, de viver?

Na minha opinião, uma das coisas mais nefastas para a vida de alguém é achar que o que se tem hoje nunca vai acabar. A estabilidade no emprego, por exemplo. Quer coisa mais broxante para um profissional? Exceto se o sujeito matar o chefe na frente de todo mundo com requintes de crueldade e depois ainda postar o filme no YouTube, nada nessa república o fará perder o cargo. Roubo, má-fé, falta de educação ou mesmo incompetência não são motivos justificáveis para colocá-lo no olho da rua. A impressão do “para sempre” desmoraliza qualquer um que se empenhe em fazer melhor. O que vale é que a estabilidade eterna é uma ficção. Ainda bem.

Vejamos a questão dos casamentos. Não raro relações lindas são aniquiladas justamente por causa do tal “para sempre”. Se o contrato fosse apenas temporário e exigisse revisões periódicas, duvido que algumas pessoas tratassem as caras-metade da maneira como tratam, assim, de qualquer jeito. Se a pessoa tivesse que fazer por merecer a renovação, tenho certeza de que o empenho, o cuidado e o respeito seriam maiores de ambas as partes. Se o mané não tivesse a ilusória certeza de o outro estará sempre à sua disposição, será que iria para a cama arrastando os chinelos e de camiseta rasgada com a mesma tranqüilidade?

Viver sabendo que é preciso aproveitar cada minuto, cada oportunidade, cada beijo, cada abraço, certamente faz o nosso tempo render mais. É claro que você e eu, como a maioria das pessoas, não veio aqui a passeio; é preciso trabalhar, estudar, ralar mesmo. Mas, como disse o sábio Carlos Drummond, se a dor é inevitável, o sofrimento é opcional. Se a gente desfruta das pequenas alegrias, se sabe para que serve a dor, se aprende a crescer e não se priva das emoções, a poesia vem em nosso auxílio para esticar o tempo.

É preciso cuidar do corpo e da alma para aproveitar melhor a jornada, entregar-se a cada amor para eternizá-lo, ler, aprender, dançar, ver o pôr-do-sol como o espetáculo que é, degustar cada alimento como um banquete, rir com vontade de maneira a iluminar tudo em volta. Assim, quem sabe, o “para sempre” dure pelo menos tempo suficiente para a pessoa dizer: valeu.

Pois é. O texto hoje é só para dar um toque para você aproveitar mais aqueles anos que ainda tem.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

6 Responses

  1. Clô
    Responder
    26 fevereiro 2008 at 1:48 pm

    Muito bom, perfeito!!!

  2. 27 fevereiro 2008 at 12:23 pm

    Amiga Lígia,
    Falando assim sobre tempo, meu compromisso para com ele ficou bem maior.
    Perfeito! Abraços.

  3. 4 março 2008 at 10:03 pm

    Adorei seu texto. A gente ta em sintonia quanto a essas ideias.

  4. Celso Vicenzi
    Responder
    7 maio 2012 at 5:36 pm

    Sempre é bom lembrar que as prioridades nem sempre são aquelas que a gente elege. Abs.

    • ligiafascioni
      Responder
      7 maio 2012 at 5:50 pm

      Como assim, Celso? Não é a gente que escolhe o que é mais importante? Fiquei curiosa, fale mais…
      Abraços!

      • 8 maio 2012 at 7:28 am

        Também fiquei curioso.
        Também sempre achei que, mal ou bem, cada um de nós escolhe as suas prioridades…
        Diz aí, Celso!

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