Vale a pena inovar a qualquer preço?

Imagem: Granado

Depois que ser inovador entrou na moda, tem empresa surtando de tal maneira que chega a colocar em risco sua própria marca.

Boa parte das organizações esqueceu-se de um ponto essencial: inovação é um meio, não um fim. O fim é seduzir o cliente e fidelizá-lo; para isso há que se entregar valor. E, não custa lembrar, inovação, principalmente a desmedida, nem sempre é percebida como valor.

Digo isso porque até semana passada, eu era cliente fiel do O Boticário (tinha até carteirinha).  Deixei de sê-la porque a empresa não me quer mais e me deu um pé.

Acompanhe.

Entrei numa loja do grupo para comprar uma loção de limpeza para o rosto que uso há anos; considero os produtos para a pele da marca excelentes. Até reparei que eles colocaram um moço para atender, que se apresentou como maquiador (adorei!).

Pois é, o drama começou quando pedi a tal loção. Todo feliz, ele explicou que a empresa estava inovando em tudo e que meu produto tinha sido substituído por um tônico (mais caro 50%, diga-se de passagem). Retruquei explicando que tônico e loção têm funções diferentes, portanto não poderiam ser a mesma coisa.

Ele insistiu, dizendo que era exatamente igual, só tinham trocado a embalagem (ó moço, não faça isso não; então você está me dizendo que a empresa finge que inova para cobrar mais caro?). Eu insisti que não poderia ser a mesma coisa. Eis que entra na conversa outra vendedora, explicando que a linha era muito inovadora e que a minha loção tinha virado uma espuma (mas era igualzinha, repetia, só tinha trocado a embalagem).

Bom, como vi que aquilo não ia nos levar a lugar algum, tentei um batom que uso há pelo menos 20 anos (sim, meninas, o lápis avelã, top seller da marca). Pois o rapaz, novamente empolgado (agora estávamos falando de maquiagem, seu metier), explicou que o batom estava para sair de catálogo e seria substituído por uma linha completamente nova. Aliás, ele me informou todo feliz que eles estavam inovando também a maquiagem que seria completamente renovada a cada estação, de maneira que nada daquilo estaria à venda dali a 3 ou 4 meses.

Trocando em miúdos, o que o moço disse foi  “experimente, mas não se empolgue muito, pois, se gostar, logo não vai ter mais para vender”.

Estranha maneira de fidelizar o cliente, não acham? Endeusando a malfadada inovação, eles tiram de linha os produtos mais básicos. Trata-se da arte de puxar o tapete dos próprios pés; sinceramente, não consigo entender. É como se uma pizzaria tradicional tirasse a margherita, a portuguesa e a muzzarela definitivamente e o cardápio fosse trocando os sabores toda semana. Gostou da pizza? Azar o seu, semana que vem não vai ter mais. É o preço da compulsão pela inovação.

Sim, é bacana inovar, mas é preciso ter uma base. Não se pode perder de vista que o tradicional pode ser um valor muito caro ao cliente (se não fosse assim, o que seria dos clássicos?).

Na mão contrária de O Boticário, deparei-me, encantada, com toda a linha Granado redesenhada, valorizando justamente seus clássicos: não apenas o famoso polvilho antisséptico, mas também toda uma linha de coisas novas, mas com os cheiros antigos que fundamentaram o desenvolvimento da marca. Donos também de outra marca tradicional, a Phebo, a organização está apostando forte na revalorização do vintage.

O redesenho das embalagens é lindo; destacou a tradição sem parecer velho. A Granado sabe que vai ser difícil copiá-la, simplesmente porque não dá para qualquer um abrir uma empresa hoje e contar uma história que começou em 1870. As peças todas conversam entre si, incluindo o site. Taí uma empresa que soube dar valor aos clientes fieis.

O Boticário, não contente em jogar fora seu maior ícone, a embalagem do perfume original, que era linda e icônica como uma garrafa da Coca-Cola, agora  surtou a ponto de dispensar seus clientes mais fieis.

Uma pena. Depois que a febre passar, não sei se vai sobrar muita coisa.

E o pior de tudo é que fiquei sem meu batom preferido…

11 Responses

  1. 28 novembro 2012 at 3:52 pm

    Lígia, querida.
    Como você consegue? Mesmo com raiva e desencantada ainda conseguir escrever uma aula com tanto capricho e qualidade? E virar porta-voz de tanta gente?

    Espero que o pessoal de O Boticário leia isso e preste atenção. Isso, provavelmente, é resultado de algum “marketeiro” deslumbrado que leu a orelha de algum livro sobre estratégia e inovação. Não estudou todas as questões envolvidas e saiu aplicando o novo “conhecimento” sem medir as consequências.

    Provavelmente, quando a empresa estiver pagando a conta por essa bobagem ele não estará mais nela. Estará vendendo suas fantasias para outro empresário incauto e fascinado por um discurso criativo e divertido.

    • ligiafascioni
      Responder
      28 novembro 2012 at 3:53 pm

      Aahahahah… é que eu quero meu batom de volta!!!!
      Beijos e obrigada 🙂

  2. Claus
    Responder
    28 novembro 2012 at 10:21 pm

    Hahahahaha, já vi isso antes, o boticário também parou de produzir a pomada de cabelo que eu adorava. Mas não é só o boticário não. a Natura tinha uma ótima linha de produtos masculinos que foi simplesmente sumindo para uns poucos produtos que nunca gostei. Falando nisso, praticamente todas as empresas de cosméticos lançam produtos voltados para o público masculino não deixam os produtos no mercado por tempo suficiente para poder comprar uma segunda vez, não o que esse povo tem na cabeça…

    Gosto muito do seu blog, parabéns!

    • ligiafascioni
      Responder
      29 novembro 2012 at 4:13 pm

      Pois é, também não consigo entender isso, Claus. Mas, pelo visto, não estou sozinha. No Facebook um monte de gente comentou que está na mesma situação. Onde essas empresas estão com a cabeça, né?
      Abraços 🙂

  3. Claudia
    Responder
    4 dezembro 2012 at 3:56 pm

    Oi, Lígia!

    O Boticário mudou a marca há algum tempinho, não foi. Não gostava muito e gostei muito menos depois dessa que considero a mais infeliz das mudanças de marca dos últimos dois anos, vai.
    Não gosto mais da marca, nem das cores e nem das embalagens.

    Ah, eles estão vendendo por catálogo, não é? Tipo Avon. Será que cola?

    Um beijo,

    Claudia

    • ligiafascioni
      Responder
      4 dezembro 2012 at 6:16 pm

      Acho que não vai colar não, Claudia. Meu palpite (e tomara que eu erre) é que daqui a algum tempo teremos cases discutindo “como o Boticário conseguiu destruir uma marca valiosa em tão poucos anos”. Aguardemos…

  4. Claudia
    Responder
    5 dezembro 2012 at 6:40 pm

    Lígia:

    Eu tenho esse mesmo sentimento. Enxergo como um grande equívoco os rumos tomados nos últimos tempos – e o que senti é bem aquilo que o atendente te falou: “inovamos (pra menos), cobrando mais”. Não acompanhei, mas certamente houve alguma mudança de cabeça lá dentro.
    E, sim, tomara que estejamos erradas quanto ao futuro da marca.

    Beijo,

    Claudia

  5. Deri Fontes
    Responder
    26 janeiro 2013 at 11:40 am

    Olá Ligia, me identifiquei muito com seu texto pois vivo há anos uma relação de amor e odio com a Natura pelo mesmo motivo, sendo que a situação nos últimos meses só vem se agravando. Sou uma pessoa que acredita que cheiros tem a ver com identidade e não troco de perfume a cada estação, mas ultimamente toda vez que me encanto com algum cheiro não consigo sequer comprar uma segunda vez, até perco a empolgação em experimentar as novidades da marca. Mas o pior deles foi terem tirado de linha o corretivo que uso há anos. Tenho pele sensivel e não consigo achar nenhum outro tão bom. Tenho gastado dinheiro e expectativas em outros sem nunca conseguir um substituto tão bacana e isso tem me deixado com raiva da marca pois não consigo ver justificativas pra tirar do mercado produtos que são bons e tem clientes fieis. Inovação vazia a gente vê por aqui.

    • ligiafascioni
      Responder
      26 janeiro 2013 at 1:55 pm

      Uma pena mesmo, né, Deri? Isso que dá ficarem repetindo mantras que os consultores inventam sem pensar primeiro no cliente. E olha que a Natura é uma das marcas mais coerentes que conheço; pelo jeito, nenhuma escapa da tragédia…
      Abraços 🙂

  6. Marta
    Responder
    12 abril 2018 at 10:54 am

    O único perfume que gostei nos últimos anos (digamos uns 8 anos) era um de Limão da Natura, só usava ele. Também tiraram de repente. Nunca mais encontrei algo que me agradasse. Quanto ao Boticário tem um sabonete líquido o Lili, tinha uma embalagem exclusiva quadrada de porcelana linda que eu sempre comprava. De repente mudaram a embalagem por uma muito sem graça com cara de creme para o rosto. Quando questionei eles explicaram que a embalagem antiga, era demodê e eles estavam inovando as embalagens … Pfff ..

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