Violência gráfica

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Estava lendo “El poder de La imagen: reflexiones sobre comunicación visual”, de Jorge Frescara, quando me dei conta de uma coisa óbvia, mas que a gente nem sempre percebe: que a comunicação publicitária do fim do século XIX se concentrava em descrever o produto, exagerando ao máximo as suas virtudes, benefícios e vantagens.

Mas Frascara nos alerta que hoje, poucas campanhas se dão ao trabalho de descrever o produto e seus dotes sensacionais, mesmo que em linhas gerais e sem exageros. O foco mudou completamente. As mensagens se concentram nos desejos e emoções das pessoas, associando ao produto valores simbólicos, fantasias e construções de cenários na maior parte das vezes inatingíveis. É o antigo exagero em roupagem nova, seduzindo os incautos em grande estilo.

Os objetos, mesmo os mais banais, já não servem, apenas expressam. Minha roupa reflete meus gostos e meu estilo de vida; meu carro não funciona só para me transportar, mas para descrever o degrau em que estou na escala social; meu celular é como o crachá que identifica a tribo da qual faço parte. E para conseguir um lugarzinho na minha vidinha hype, as empresas se engalfinham sem pudor.

Como o mundo está afogado em mensagens e saturado de propostas de todos os tipos, a sedução e a conquista acontecem beirando os limites do socialmente aceitável. Há filhos ridicularizando pais, empresas atacando abertamente as concorrentes, corpos femininos banalizados, enfim, um desespero só.

Frascara observa que os designers também são parte do fenômeno. Estão se contaminando pelo vazio, pela imagem oca, pelo projeto instantâneo. Ele repara que gigantes como a Pepsi redesenham embalagens em um ritmo frenético e sem sentido, uma vez que o conteúdo nunca muda. Tudo leva a crer que há quem compre refrigerante só porque a estampa da lata mudou. É o novo pelo novo, a celebração do design descartável.

O autor analisa uma série de capas de revistas especializadas em design gráfico e nota que a maioria delas carece de sentido, uma vez que as imagens não têm conexão com o interior e são ininteligíveis mesmo para especialistas como ele. Mesmo tendo toda a liberdade do mundo, os editores escolhem colocar nas capas imagens vazias de conteúdo, formas sem mensagem, sem importância e sem história; a ênfase está nos jogos gráficos como se isso fosse a coisa mais importante que um designer pudesse criar.

Cartazes de eventos sobre design sacrificam a clareza e facilidade de leitura em detrimento do estilo. Frascara defende que a ilegibilidade é uma forma de violência visual e tem sido amplamente praticada por designers, em especial em publicações da área. Ele cita um catálogo de uma exposição de design completamente hermético mesmo para insiders; é impossível compreender a função simbólica das imagens – tudo não passa de um jogo de formas e cores confuso e excessivo. Pois o curador da exposição foi convidado a dirigir uma escola de design depois do sucesso do catálogo, corroborando a idéia que design contemporâneo implica sobrecarga visual e ausência de significado.

Será que precisa ser assim mesmo? Só conteúdo é muito chato, carecemos de emoção, mas só emoção torna a vida insuportável.

Espero, sinceramente, que estejamos próximos ao ponto de saturação, onde a tendência se reverte em direção ao equilíbrio. Não sei quanto a vocês, mas eu vou começar a prestar mais atenção nos desenhos das latinhas de Pepsi para tentar detectar uma desaceleração…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

20 Responses

  1. 11 maio 2009 at 9:11 pm

    Olá Ligia, seu posto apareceu na minha cx de e-mail através do “Designbr” e cheguei aqui. Vc pergunta se tem que ser assim mesmo – a legibilidade prejudicada em detrimento do estilo. Eu acho que não deveria e que, normalmente, o menos é mais. porém, a vida está corrida, o mundo corrido, oc lientes querem tudo pra ontem e não se tem muito tempo para outra coisa a não ser “resolver” o design segundo as formas e cores. Embrulha e manda e tem que ser “muderno”.
    Minha leitura é essa sobre essa poluição visual toda.
    Gostei muito do seu blog!
    bj

    • 12 maio 2009 at 3:43 pm

      Oi Norma! Concordo com você, mas se é para fazer de qualquer jeito, a pessoa não precisa investir tanto tempo estudando design, concorda? É só fazer um curso de Photoshop e Corel que dá no mesmo. Design sem conceito, não é design (minha opinião…).

      • Adriano Mussi
        12 setembro 2011 at 11:38 am

        Acho que o contexto descrito pela articulista – valorização excessiva do conteúdo rebuscado em detrimento da estética, emoção e mensagem – tem a ver com o que o “mercado” quer implantar na mente das pessoas (consumismo irracional), unido com a péssima formação acadêmica que está florescendo, principalmente na área de design. Essa “lacuna” acadêmica surge impulsionada pelo modismo em torno do glamour que a profissão promete, unida a um contexto concessivo, ignorante e pouco estruturado em termos de tradição e produção gráfica.
        O que temos portanto é a indústria, a publicidade, o MKT, tentando acertar a mente do consumidor – daí o deslocamento de foco tão bem detectado no início do artigo, do produto para o (pretenso) anseio/interesse de quem consome.
        O que fica claro nisso tudo é que os “vendedores” (indústria, comércio, produtores de comunicação, artistas, designers, etc.) encontram-se atualmente tão “fora de sintonia” em relação ao desejo e percepção do consumidor médio, que tentam acertar “no chute”, desesperadamente, de qualquer forma, apostando no que acham que mexe com os corações e mentes. Daí a nova embalagem, o redesenho contante, o comercial apelativo e destoante, a falta de noção de realidade na mídia. Nesse espaço confuso, sem foco estabelecido nem parâmetros adequados, não se constrói comunicação, e sim polui-se a realidade com cores tortas e expressões distorcidas de uma vivência falsa, plástica, artificial, inexistente.

      • ligiafascioni
        13 setembro 2011 at 5:14 pm

        Oi, Adriano!
        Nossa, sua análise é muito boa e bem aprofundada. Obrigada por contribuir com a discussão num nível tão alto; concordo plenamente com seu texto. Abraços e sucesso!

      • Adriano Mussi
        18 fevereiro 2013 at 11:05 am

        “Reencontrei” este post passados dois anos de minha participação, e quase quatro da publicação. É interessante notar como pouca coisa mudou no contexto geral, hein? Mais uma vez, parabéns à articulista!! 😀

      • ligiafascioni
        18 fevereiro 2013 at 3:45 pm

        Obrigada, Adriano! Pela participação de novo também 🙂

  2. Fredy Martins
    Responder
    12 maio 2009 at 9:36 am

    Gostei muito desse artigo. Mas, para um reflexão mais profunda, será que você poderia mostrar um exemplo adequado e outro inadequado à esse pensamento?

    • 12 maio 2009 at 3:44 pm

      Oi, Fredy!
      No livro tem alguns exemplos, mas a edição é em preto e branco e as fotos não têm boa qualidade para digitalizá-las. Vou pesquisar as referências para ver se consigo as imagens originais – assim continuo fiel ao autor. Quando consegui-las, eu publico, ok?

  3. 13 maio 2009 at 10:28 am

    Realmente, Ligia!

    O equilíbrio é mais do que bem vindo. Não só no design, mas em todas as áreas da nossa vida.

    Beijos e sucesso!!!

  4. 9 junho 2009 at 11:56 am

    Na vida profissional em que nos obrigam a estudar e ter uma carreira não nos contam que na vida real, na hora H temos mesmo é que dar aquele jeitinho. Fazer o que tem de ser feito. Concordo com o artigo e acho que as empresas de alimentos ou de artigos diversos se preocupam mais com os lucros do que com o bem estar das pessoas (do publico alvo).

    Ligia Fascioni: Oi, Camila! Penso que, na vida real, cada um aplica seus princípios como julga adequado… sobre a expressão público-alvo, estou numa campanha para eliminá-la de nosso vocabulário. Quer saber mais? Leia aqui. Obrigada pela visita e volte sempre!

  5. 8 outubro 2009 at 4:50 pm

    Obrigada pela resposta…

    mas é Kamila com “K” mesmo e não com “C”

    shashasah

    abraço.

    • ligiafascioni
      Responder
      20 abril 2012 at 12:44 pm

      Ui, que horror!!! Desculpaí, Kamila! também detesto quando erram o meu nome!

  6. 17 maio 2011 at 7:39 am

    Oi Ligia!

    Esse mundo sem conteúdo, na minha opinião, é o reflexo de seres humanos sem conteúdo.
    São eles que se deixam seduzir por coisas vazias.
    Mas eu tenho esperanças… acredito na chegada de um equilibrio. Pois, vida vazia, alma vazia. Qual a graça de viver uma existência sem sentido?
    Beijo
    Mônica

    • ligiafascioni
      Responder
      17 maio 2011 at 8:44 am

      É mesmo, Mônica. Mas a gente sempre pode ver como um mundo meio vazio de conteúdo ou meio cheio, né? Beijocas 🙂

  7. Lyssa Nardino
    Responder
    16 junho 2011 at 8:42 pm

    Sensacional, Ligia! Faltou um link para o facebook aqui, para podermos compartilhar com mais pessoas! =D

    • ligiafascioni
      Responder
      16 junho 2011 at 9:13 pm

      O povo pediu e o pessoal da programação fez! Agora já dá para postar 🙂

  8. Gustavo
    Responder
    19 abril 2012 at 8:02 pm

    Nossa Lígia, que críticas duras!!

    falando assim parece me que vc leu o livro “Sem Logo”, de Naomi Klein, uma crítica ferrenha acerca da utopia do branding. (já leu esse?)

    Mas se isso dá dinheiro p/ designers e consultores como eu e você, que mal há nisso?

    Outro ponto é que este Frascara creio que ignorou que os culpados não são os designers, mas sim os publicitários. Explico: ontem mesmo estava lendo sobre tipografia que é um dos campos em que se diferenciam os amadores dos profissionais. No dia-a-dia vejo estas coisas , apenas estéticas fúteis e superficiais que o autor citado se refere. O idealismo dentro dos projetos, com profundidade, reflexão sobre vários pontos de um problema mercadológico fazem parte de uma metodologia de design, trazendo uma visão mais holística das coisas e consequentemente, soluções mais completas (ao menos em teoria deveria ser assim). Esta é minha opinião.

    Outra questão: acredito que “a forma segue a função” não é mais válido há tempos, agora a forma segue a emoção…não está de acordo com o zeitgeist (espírito da época) vigente?

    Pra terminar, um único autor (seja este Frascara ou qualquer outro) não deve ser levado como verdade absoluta, é bom sempre ler vários autores e de diferentes áreas. =]

    Desculpe o longo comentário, este texto me provocou hehe.

    • ligiafascioni
      Responder
      20 abril 2012 at 12:40 pm

      Oi, Gustavo!

      Grata pelo conselho, vou deixar de ler apenas o Frascara e tentar ler outras coisas também, thanks 🙂

      Mas, olha só, se você reler com atenção o artigo, verá que as críticas são do autor, não minhas. Que não estou considerando a opinião dele como verdade absoluta, apenas compartilhando-a com quem não teve a oportunidade de ler o livro (você o leu?). E ele não diz que os designers são os culpados; mas que têm parte da culpa sim (parte, não toda, sacou?).

      Sobre a forma não seguir mais a função, já falei sobre isso em colunas que falavam de outros livro que li (e nem eram do Frascara…rsrsrs), olha aqui os links: http://www.ligiafascioni.com.br/2007/04/objetos-de-desejo/ e http://www.ligiafascioni.com.br/2007/10/objetos-muito-interessantes/.

      Abraços e sucesso!!

      PS: Ah, e sim, claro que já li a Naomi, mas não tive paciência de resenhar… essa mulher fala muitas verdades, mas é chatinha…. 🙂

    • Ana Paula Martins
      Responder
      20 abril 2012 at 12:49 pm

      KKKKKK… cara, mas esse Gustavo é o mais sem noção que eu já vi, fica querendo dar lição para a Lygia! Ele não lê direito as coisas, chuta e quer pagar de sabidão, mas e um fora atras do outro…kkkkkkk

      • Roberto
        20 abril 2012 at 4:09 pm

        Ana Paula, deixa o cara, ao menos ele tem opinião, não fica rindo da cara dos outros…

        e vc já contribuiu com alguma coisa?

        cada um com sua visão de mundo…aliás, quantos anos vc tem? 14?

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