Chega de CAPTCHAS!

Fotografia: Matt Stuart

Tá bom, você, como eu, não consegue mais ouvir sobre o tal foco no cliente. É um tal de “nossa empresa tem foco no cliente, viu? Nós acordamos, comemos, trabalhamos, dormimos e sonhamos pensando em como fazer nossos clientes felizes” que não é fácil. Claro que na parede, não falta nunca uma declaração de missão e visão, espremendo a palavrinha mágica “cliente” entre previsíveis e entendiantes gerúndios, combinando bem com a moldura de gosto duvidoso.

E se em vez de ficar nesse teatrinho de roteiro ruim, as empresas realmente pensassem no cliente, só de vez em quando, para variar? Não precisa ser nada muito difícil para começar.

Brindes com a marca da empresa estampada de maneira bem discretinha dentro da pasta/sacola/bolsa já contribuiria muito para evitar a sensação de raiva que dá ao ver aquela pasta bacaninha totalmente destruída por uma marca gigantesca bem na frente (algumas tem o desplante de incluir alguma frase idiota com a palavra “cliente”).

Vamos falar sério: alguém que realmente pensa no cliente seria capaz de uma indelicadeza dessas? Estampar sua marca de maneira indiscreta, intrusiva e deselegante pode, em algum planeta, ser encarado como uma gentileza (que, de resto, pelo menos teoricamente, deveria ser o objetivo primeiro dos tais mimos)? Não seria muito mais fino ganhar um porta cartões de visita cuja marca do generoso patrocinador estivesse grafada discretamente do lado de dentro? Você não deixaria nunca de ver a tal marca, mas não nutriria um sentimento de raiva insana cada vez que a olhasse e, melhor, passaria a usar e valorizar de fato o tal brinde.

Outro exemplo bobinho: você visita uma página web porque quer um serviço simples, uma informação qualquer, até mesmo comentar um post em um blog e jogam, bem na sua cara, a tal CAPTCHA*. Você deve estar pensando que nunca foi vítima de um palavrão desses, mas eu explico. O sistema CAPTCHA é materializado em uma imagem contendo palavras graficamente distorcidas e pede para você confirmar o que está escrito em um campo apropriado. Sabe para que serve? Para que o administrador do site/blog tenha certeza de que você é um humano, e não um software tentando se fazer passar por um. É que há muitos softwares (também chamados robôs virtuais) que procuram endereços de e-mail e blogs para gerarem spam.

Ok, mas vamos analisar: você é o cliente, o visitante, ou seja lá quem for, que só quer obter as informações. Se a página está ou não sendo invadida, se o administrador está gastando sua beleza apagando spams, isso é problema dele, não seu; ele que se vire e instale um bom anti-spam. Você é cliente, não tem nada a ver com isso. Você é a razão do negócio, tem que ser bem tratado e poupado dessas chateações que não têm nada a ver com você. Por que o administrador impinge a você a resolução de um problema que é só e absolutamente só dele?

Mais um exemplo: a maioria esmagadora dos hoteis estipulam o meio-dia como limite de horário para check-in e check-out. Para que isso? Ora, para resolver um problema de administração deles! De novo, você não tem nada a ver com isso. Você deveria pagar por cada intervalo de 24 horas que ocupa o quarto, sendo contados a partir do horário em que você entra, seja ele qual for. Alguns hoteis no mundo já acordaram para essa aberração administrativa que pune os clientes por causa de incompetências internas e têm horários de check-in e check-out flexíveis (deve ser porque o foco deles realmente está no cliente).

Esses dias fui fazer compras em uma loja e o dono do negócio alugou meus ouvidos um tempão reclamando das operadoras de cartão de crédito e que por isso ele só estava aceitando pagamento em dinheiro ou cheque. Beleza, concordo com tudo que ele falou. Mas isso é um problema dele, sacou? Eu prefiro pagar com cartão – ele que se resolva lá com a operadora. Se ele não resolver, lá vou eu para o concorrente que está mais preocupado comigo do que com as agruras do relacionamento da operadora (que, por sinal, deveria vê-lo e tratá-lo como um cliente; o tal apenas reproduz o comportamento equivocado como num modelo dominó).

E a menina da padaria que declarou, com a maior desenvoltura, que era melhor que eu tivesse troco porque ela estava sem? Melhor para quem, jovem senhorita sem-noção? Para quem mesmo?

Mais um caso: você vai a uma clínica médica, mas não tem vaga para estacionar. As únicas 3 disponíveis estão ocupadas com os carros dos médicos (o sujeito ainda me explicou que chega cedo porque é difícil de encontrar vaga na região). Tem como falar alguma coisa?

Empresas (e profissionais liberais, blogueiros, jornalistas, funcionários e mais todo mundo que tem clientes) parem de se hipnotizar com seu próprio umbigo e olhem com atenção para quem está do outro lado do balcão. Não é por nada não, mas já tem gente olhando, e com intenções bem sérias…

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CAPTCHA: Completely Automated Public Turing Test to tell Computers and Humans Apart ou Teste Público de Turing Completamente Automatizado para Diferenciação de Computadores e Humanos.

Ligia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

6 Responses

  1. elton
    Responder
    13 setembro 2010 at 8:45 pm

    certeiro!!!!… 🙂

  2. 13 setembro 2010 at 8:46 pm

    Adoro quando alguém dá voz a algo que já tô pensando e nunca disse… Minha chatice me faz observar esse comportamento “tô nem aí pra você, cliente” o tempo todo. E sou chata mesmo, do tipo que se não gostar do atendimento vou embora sem o que eu queria muito.

    Como já fiz em uma chocolateria, onde as três desocupadas atendentes fizeram de conta que não estavam me vendo, só pra não sair do conforto do balcão onde folgadamente conversavam.

    Os brindes são de chatear mesmo, a gente só usa feliz quando realmente gosta MUITO da marca [como a caneta da Lufthansa que meu irmão COMPROU na última viagem].

    Não quero nem comentar sobre supermercados, padarias e afins, é uma tristeza.

  3. 13 setembro 2010 at 8:59 pm

    No filme Batman, de 1989, à certa altura, surpreendido por mais um dos múltiplos equipamentos tecnológicos do super herói, o Coringa (Jack Nicholson) pergunta: “onde é que ele (Batman) arranja esses brinquedinhos?”
    Lembrei do filme quando acabei de ler esse artigo. Tenho vontade de perguntar: “onde é que ela (Lígia Fascioni) arranja essas tiradas geniais?”

  4. João Carlos Teixeira
    Responder
    14 setembro 2010 at 9:35 pm

    Seu texto está ótimo, Lígia. Certeiro. Parabéns.
    O que dizer de brindes com o telefone da empresa? E com um 0xx na frente?

    Lígia Fascioni: Ahahahahaha… telefone com 0xx é de matar!!! Muito bem lembrado!!!

    Abraços e obrigada pela visita. Volte sempre!

  5. 15 setembro 2010 at 10:54 am

    Grande sensibilidade Ligia.
    Foco no cliente…valor agregado….chega da bestialidade corporativa.

    Mas…enfim….não devemos esquecer que a sociedade, as universidades,
    os treinamentos corporativos….estão cheios de bestialidades….

    Evoluímos em muito em tecnologia, na melhoria do padrão material mas
    estamos muito abaixo no verdadeiro processo educativo, colaborativo, disciplina, retificando e aprendendo….

    Parabéns.
    Paulo Ricardo

  6. 18 setembro 2010 at 12:14 pm

    Oi Ligia,

    O pior é que, quando exigimos ser bem tratados, somos taxados de ‘mal humorados’, ‘ranzinzas’, ‘encrenqueiros’…

    Vivo fazendo ‘barracos’ por ai..rs.. Mas não me importo, o que eu quero é ser tratada como a pessoa que, afinal, vai bancar essas empresas.

    Meu último ‘barraco’ foi com a C&A. Você já viu o ’empurrômetro’ de juros inacreditável que essa loja faz? Você quer pagar a roupa, lá vem a caixa te empurrando prestações com juros. Você vai pagar sua fatura, plim!, lá vem a maquininha tentando fazer com que você não pague a fatura para que a loja fature juros em cima de você!

    Sabe o que eu fiz? Quebrei o meu cartão da loja na frente de todo mundo e disse que nunca mais poria os meus pés naquele lugar!… Lavei a alma… hehe

    Não precisamos ser mal tratados por essas empresas sem noção.

    Abraços,

    Mônica

    Lígia Fascioni: Concordo plenamente, Monica. A Renner também está assim. Parece que, em vez de vender roupas, eles são especialistas em seguros e financiamento. Um saco…

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