Essa preven\u00e7\u00e3o contra livros de auto-ajuda ainda vai me fazer perder muita coisa boa. O que me salva \u00e9 que vivo cercada por pessoas inteligentes e bem menos preconceituosas que eu. Olha que sorte: um aluno da p\u00f3s-gradu\u00e7\u00e3o (profissional experiente que tem muito mais a me ensinar do que eu a ele) me apresentou um livro daqueles que voc\u00ea fica pensando: como \u00e9 que eu vivi at\u00e9 hoje sem ler isso?<\/p>\n

Trata-se de \u201cA revolu\u00e7\u00e3o do lado direito do c\u00e9rebro<\/strong>\u201d, de Daniel Pink. Custei um pouco para ach\u00e1-lo (nossas livrarias s\u00e3o pr\u00f3digas em Brunas Surfistinhas e em Paulos Coelhos, mas muito econ\u00f4micas na variedade de t\u00edtulos), mas valeu a pena. Com esse nome chinfrim, afundado l\u00e1 na se\u00e7\u00e3o de auto-ajuda, eu jamais teria o prazer de l\u00ea-lo sem a interven\u00e7\u00e3o do Jorge.<\/p>\n

O autor apresenta, de maneira simples e did\u00e1tica (por\u00e9m, muito bem fundamentada), as fases da nossa valoriza\u00e7\u00e3o como profissionais na hist\u00f3ria da economia recente. Na Era Industrial<\/strong>, o mais importante era ter m\u00fasculos e persist\u00eancia diante da adversidade. Gente com esse perfil era imprescind\u00edvel nas linhas de montagem, e estava no topo da valoriza\u00e7\u00e3o (brutamontes incans\u00e1veis inspiraram personagens her\u00f3icos e inesquec\u00edveis, \u00edcones do ser humano ideal).<\/p>\n

Com o advento da Era da Informa\u00e7\u00e3o<\/strong>, onde os computadores entraram em cena, bom mesmo era o sujeito que pensava de maneira estruturada, era fera em l\u00f3gica e matem\u00e1tica. Enfim, uma esp\u00e9cie predominantemente racional. Eram (alguns ainda o s\u00e3o) olhados sempre com respeito, pois faziam parte da elite dos \u201cinteligentes\u201d. Pink argumenta que essa classe, representada principalmente pela galera da tecnologia, est\u00e1 sendo substitu\u00edda por profissionais mais baratos, oriundos principalmente da \u00c1sia (\u00cdndia, Tail\u00e2ndia e China, na dianteira). Europeus e americanos que estavam na crista da onda viram sua praia repentinamente ser tomada por haoles<\/em> e est\u00e3o tomando um caldo atr\u00e1s do outro. Os sal\u00e1rios ca\u00edram e a compet\u00eancia subiu.<\/p>\n

O autor conclui que estamos entrando agora na Era Conceitual<\/strong> onde \u00e9 preciso substituir a capacidade de an\u00e1lise pela de s\u00edntese. Integrar, em vez de modularizar. Dar mais espa\u00e7o para o emocional e o art\u00edstico. Fazer as coisas de uma maneira diferente da l\u00f3gica e convencional, ou, simplesmente, desenvolver a capacidade de cativar e emocionar.<\/p>\n

Ele usa a met\u00e1fora dos dois lados do c\u00e9rebro (\u00e9 s\u00f3 uma met\u00e1fora mesmo, pois hoje sabemos que n\u00e3o \u00e9 bem assim que funciona; leia aqui para saber mais<\/a>). O esquerdo \u00e9 anal\u00edtico e ocupa-se com a raz\u00e3o, com a estrutura, com a modulariza\u00e7\u00e3o das informa\u00e7\u00f5es. \u00c9 com esse lado que a gente aprende a ler e escrever, a formar palavras, a atribuir significados aos n\u00fameros, a encadear seq\u00fc\u00eancias l\u00f3gicas, a analisar criticamente um problema.<\/p>\n

O lado direito ocupa-se da s\u00edntese e trata da emo\u00e7\u00e3o, do subjetivo, do contextual. Esse \u00e9 o lado que reconhece um rosto (sem se preocupar com as partes), que interpreta e entende piadas e frases de duplo sentido, que sintetiza informa\u00e7\u00f5es, que conecta, que cria e inova.<\/p>\n

O lado esquerdo \u00e9 seq\u00fcencial<\/strong>. O direito, simult\u00e2neo<\/strong>. Todo mundo precisa dos dois para viver (e sobreviver), mas o lado direito andou meio esquecido e desvalorizado por uns tempos. Agora ele volta a ser lembrado e vitaminado para contribuir mais.<\/p>\n

Como bem lembra Pink, a excel\u00eancia se produz quando os dois lados superpoderosos viram amigos e transp\u00f5em a barreira que os separa. Nenhum \u00e9 mais importante que o outro<\/strong>. Mas para quem desenvolveu muito s\u00f3 um lado, conv\u00e9m dar uma aten\u00e7\u00e3o agora para o outro tamb\u00e9m, sen\u00e3o n\u00e3o vai conseguir se adaptar aos novos tempos.<\/p>\n

Um conceito que o autor utiliza muito bem para demonstrar a revolu\u00e7\u00e3o do lado direito \u00e9 a crescente populariza\u00e7\u00e3o do design, onde antes s\u00f3 se via tecnologia.<\/p>\n

Ele demonstrou isso com uma aborgadem t\u00e3o original que me surpreendeu pela simplicidade e pela s\u00edntese do problema. Imagine o projeto de uma torradeira. Do ponto de vista racional e t\u00e9cnico, ela tem que funcionar direito (\u00e9 a utilidade do objeto). Mas projetada por um designer, ele tamb\u00e9m vai cuidar de lhe prover um conceito, que deve traduzir um significado.<\/p>\n

Agora pense no uso da torradeira. Em m\u00e9dia, ela \u00e9 utilizada apenas 15 minutos por dia (em 1% do tempo do tempo ela \u00e9 essencialmente fun\u00e7\u00e3o).\u00a0 Nos outros 1.425 minutos (99% do tempo) ela simplesmente n\u00e3o \u00e9 usada. \u00c9, portanto, apenas significado. Ent\u00e3o, por que n\u00e3o dar mais aten\u00e7\u00e3o ao aspecto conceitual ao se conceber um objeto? Por que n\u00e3o construir torradeiras lindas, que tragam prazer aos olhos, ao tato? De novo, ressalte-se que a fun\u00e7\u00e3o (utilidade, raz\u00e3o) continua sendo indispens\u00e1vel, mas o significado (a forma, a mensagem, a emo\u00e7\u00e3o, a est\u00e9tica) precisa ser melhor tratado.<\/p>\n

N\u00e3o faz todo o sentido? Pois \u00e9, tenho que confessar que o racioc\u00ednio l\u00f3gico-anal\u00edtico-seq\u00fcencial me encanta, e desconfio que ele \u00e9 que permite que eu consiga fazer tantas tarefas simultaneamente de forma organizada e estruturada. Como passei a maior parte da minha vida entre n\u00fameros, programas e fun\u00e7\u00f5es, estou com o lado esquerdo praticamente inchado.<\/p>\n

Mas agora tenho que dar de comer para o lado direito. Minhas incurs\u00f5es pelas \u00e1reas do design e das artes pl\u00e1sticas serviram para desenferruj\u00e1-lo um pouco, mas ele ainda est\u00e1 muito magrinho. E pessoas pensas, seja para um lado ou para o outro, n\u00e3o se movimentam bem, n\u00e3o conseguem desenvolver todas as ideias que poderiam.<\/p>\n

Alguns dos melhores engenheiros que conheci sabiam muito de hist\u00f3ria, esportes e um deles, inclusive, estudava m\u00fasica erudita. Amyr Klink, o navegador genial, escreve e fotografa muito melhor que muitos profissionais que conhe\u00e7o. Pintores consagrados como Da Vinci, sabiam tudo de geometria e mec\u00e2nica.<\/p>\n

Reza a lenda que a gente usa menos de 10% da capacidade do c\u00e9rebro. Ent\u00e3o, para que economizar o aprender, n\u00e9?<\/p>\n

****<\/p>\n

ATUALIZA\u00c7\u00c3O (2022): Existe uma edi\u00e7\u00e3o mais atualizada com outro nome, chamada “O c\u00e9rebro do Futuro<\/strong>“. Ambos os t\u00edtulos s\u00e3o tradu\u00e7\u00f5es do original em ingl\u00eas “A whole new mind<\/strong><\/em>“(tradu\u00e7\u00e3o livre: “Uma mente inteiramente nova”). Voc\u00ea pode comprar a vers\u00e3o mais recente em portugu\u00eas clicando aqui<\/a>.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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