<\/p>\n

Estou organizando material para um curso que integra um programa de lideran\u00e7a e cheguei na parte em que se discute a quest\u00e3o da compet\u00eancia.<\/p>\n

\u00c9 praticamente consenso em toda a bibliografia que compet\u00eancia \u00e9 a combina\u00e7\u00e3o de conhecimentos<\/em>, habilidades<\/em> e atitudes<\/em> para conseguir o resultado que se deseja. Sempre foquei muito na atitude e j\u00e1 explorei bastante o tema. Mas, pelo teor dos e-mails que venho recebendo ultimamente de estudantes e profissionais pedindo conselhos diversos, parece que est\u00e1 mais que na hora de tratar dos outros dois itens do trip\u00e9.<\/p>\n

\u00c9 que a mo\u00e7ada quer ser brilhante aos 18 anos de idade, de prefer\u00eancia sem perder tempo estudando ou fazendo est\u00e1gios muito simples. E n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 isso n\u00e3o; a gente v\u00ea pessoas com 30, 40 anos de idade, esperando milagres acontecerem e, do dia para a noite, tornarem-se refer\u00eancia mundial e terem sucesso na carreira (onde entenda-se por sucesso o n\u00famero de zeros da conta banc\u00e1ria e o volume de clipagem da assessoria de imprensa; mas isso \u00e9 assunto para se discutir em outra ocasi\u00e3o).<\/p>\n

Bom, come\u00e7emos pelo mais b\u00e1sico: o conhecimento<\/strong>. Parece trivial, mas o povo n\u00e3o quer aceitar: para a gente ser bom em qualquer coisa, \u00e9 preciso saber muito sobre ela. O bacana \u00e9 que \u00a0o conhecimento pode vir de qualquer lugar: cursos, conversa, leitura, cinema, internet, viagens, observa\u00e7\u00e3o e at\u00e9 televis\u00e3o (claro que depende muito do assunto que voc\u00ea quer explorar). Observe que n\u00e3o h\u00e1 bem ou mal em nenhuma dessas formas; o problema \u00e9 a pessoa querer que toda a informa\u00e7\u00e3o saia de um lugar s\u00f3, porque a\u00ed teremos uma distor\u00e7\u00e3o causada pela limita\u00e7\u00e3o da fonte. N\u00e3o d\u00e1 para aprender tudo s\u00f3 lendo livros, sem interagir com ningu\u00e9m. Mas tamb\u00e9m n\u00e3o d\u00e1 para achar que se pode saber tudo sobre matem\u00e1tica avan\u00e7ada acessando apenas o twitter. Sem chance. Pode tentar, eu garanto.<\/p>\n

Mas a gente adora a hist\u00f3ria do cara que n\u00e3o estudou, n\u00e3o foi atr\u00e1s, mas \u00e9 um g\u00eanio. Isso meio que d\u00e1 uma apaziguada na nossa falta de disciplina, pois a diferen\u00e7a mesmo vem do equipamento de f\u00e1brica do sujeito. O pessoal vibra quando o fulano tira dez na prova e faz quest\u00e3o de dizer que n\u00e3o estudou; que escreve maravilhosamente sem nunca ter lido um livro; que fala 5 l\u00ednguas sem nunca ter aberto um dicion\u00e1rio. Lenda. Algumas pessoas t\u00eam mais facilidade que outras em algumas \u00e1reas, mas ningu\u00e9m se aprofunda num assunto sem estudar muito sobre ele. Einstein n\u00e3o teria desenvolvido a teoria da relatividade se tivesse passado 8 horas por dia andando de skate.<\/p>\n

Oops, ent\u00e3o n\u00e3o vale andar de skate?<\/p>\n

Vale sim, e muito, desde que voc\u00ea queira ser especialista nisso. \u00c9 justamente sobre essa quest\u00e3o que vamos falar agora: a habilidade<\/strong>, que consiste em transformar o conhecimento em alguma coisa aplic\u00e1vel. A habilidade \u00e9 desenvolvida principalmente no c\u00e9rebro l\u00edmbico, que \u00e9 a parte do c\u00e9rebro que automatiza os movimentos. Ent\u00e3o, se voc\u00ea quiser ser campe\u00e3o mundial de skate, tem que treinar trocentas horas por dia, dormir e acordar em cima da prancha. Ningu\u00e9m acorda um dia de manh\u00e3, se inscreve no campeonato e tira o primeiro lugar. Se quiser ganhar as olimp\u00edadas de matem\u00e1tica, d\u00e1-lhe fazer exerc\u00edcios que podem cair na prova. Se quiser ser campe\u00e3o de xadrez, durma e acorde sobre um tabuleiro.<\/p>\n

Um instrumentista virtuose pratica muitas horas por dia para ser realmente competente no que faz. Ele tem que ensinar as m\u00e3os a trabalharem praticamente sozinhas enquanto interpreta a m\u00fasica. Mais ou menos quando a gente est\u00e1 aprendendo a dirigir. Ningu\u00e9m senta num carro e sai pilotando esplendidamente na primeira vez que senta no banco do motorista. O primeiro quadro que o Da Vinci pintou na vida, garanto, n\u00e3o era nenhuma maravilha. Assim como a primeira reda\u00e7\u00e3o de Goethe. E nenhum queniano ganha uma maratona correndo apenas nos finais de semana \u00edmpares, quando n\u00e3o chove.<\/p>\n

E n\u00e3o estou falando isso por achismo n\u00e3o. Quem duvida, deveria abandonar o texto aqui mesmo e mergulhar no \u00f3timo “Outliers: the story of success<\/em>” de Malcom Gladwell. Entre outras coisas, ele consegue demonstrar, em suas pesquisas, que qualquer profissional brilhante pratica seu talento muito mais horas por dia que os med\u00edocres. Airton Senna aprendeu a pilotar bem na chuva porque enquanto os outros iam comer pipoca no cinema quando o c\u00e9u ficava preto, ele corria para os boxes praticar. Pel\u00e9 treinava mais que todos os seus amiguinhos de escola juntos. O Guga n\u00e3o chegou a Roland Garros sem gastar e quebrar muita raquete enquanto a galera assistia Malha\u00e7\u00e3o. O campe\u00e3o mundial de t\u00eanis de mesa, seja l\u00e1 quem ele for, n\u00e3o brinca s\u00f3 nas festas de fam\u00edlia. O neg\u00f3cio \u00e9 s\u00e9rio mesmo.<\/p>\n

Malcom ainda conclui que voc\u00ea n\u00e3o consegue ser excelente em nenhuma \u00e1rea se n\u00e3o tiver pelo menos 10 mil horas de exerc\u00edcios pr\u00e1ticos no assunto. Isso, obviamente, n\u00e3o garante nada, pois h\u00e1 muitas outras vari\u00e1veis, mas sem as tais horas, n\u00e3o rola (em engenharia chamamos de requisito necess\u00e1rio, mas n\u00e3o suficiente).<\/p>\n

\u00c9 pessoas, milagres n\u00e3o acontecem, n\u00e3o tem mesmo como pular a parte chata. Agora, com licen\u00e7a, que eu quero aprender alem\u00e3o e tenho um monte de li\u00e7\u00e3o para fazer; pelas minhas contas, ainda faltam 9.840 horas de dureza.<\/p>\n

Auf Wiedersehen<\/em>!<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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