Oliver Sacks \u00e9 um dos neurologistas mais famosos do mundo. Em parte devido ao seu brilhantismo acad\u00eamico; em parte pelo seu talento em explicar coisas complicadas para pessoas comuns. Oliver escreveu v\u00e1rios livros contando e explicando casos muito interessantes sobre como a cabe\u00e7a da gente funciona.<\/p>\n
“The Mind’s Eye<\/em>” \u00e9 a mais nova cria desse senhor incans\u00e1vel. Aqui ele fala sobre como nossos olhos conversam com nosso c\u00e9rebro e o que acontece quando uma das partes n\u00e3o est\u00e1 funcionando como deveria.<\/p>\n Ele come\u00e7a contando a hist\u00f3ria de Lilian Kallir, uma c\u00e9lebre pianista que subitamente come\u00e7ou a ter dificuldades para interpretar as partituras. Fen\u00f4meno semelhante aconteceu tamb\u00e9m com a leitura; ela enxergava perfeitamente as letras, mas n\u00e3o conseguia junt\u00e1-las (nossa, para mim, isso parece filme de terror). Incrivelmente, a pianista continuava a escrever sem nenhum problema. Com o tempo, Lilian come\u00e7ou a ter dificuldades tamb\u00e9m em reconhecer formas e infelizmente a doen\u00e7a, causada por uma anormalidade na \u00e1rea do c\u00e9rebro respons\u00e1vel pela integra\u00e7\u00e3o de s\u00edmbolos, n\u00e3o tem cura. Lilian continuou a ter uma vida razoavemente normal gra\u00e7as aos anos de treino que permitiram que ela continuasse tocando piano de mem\u00f3ria. Essa tr\u00e1gica disfun\u00e7\u00e3o tem o po\u00e9tico nome de alexia<\/em> (do grego: a<\/em>= nega\u00e7\u00e3o e lexia<\/em>= palavra) e acontece depois que a pessoa j\u00e1 domina a leitura e escrita; sua prima mais popular \u00e9 a dislexia<\/em> (onde a dificuldade aparece durante o aprendizado e a pessoa mistura as letras).<\/p>\n O pr\u00f3prio Oliver confessa que n\u00e3o consegue reconhecer rostos de maneira nenhuma; ele percebe um nariz, uma boca, mas n\u00e3o consegue juntar tudo num quadro s\u00f3. O autor ainda \u00e9 capaz de identificar faces de pais e irm\u00e3os, mas relata casos em que a pessoa n\u00e3o reconhece sequer o c\u00f4njuge ou os filhos (a doen\u00e7a \u00e9 conhecida como Face Blindness,<\/em> ou cegueira facial). O relato do pr\u00f3prio autor e as cartas dos pacientes descrevem as sensa\u00e7\u00f5es estranh\u00edssimas que se sente numa situa\u00e7\u00e3o como essa, em que ningu\u00e9m no mundo parece familiar. O pior \u00e9 que 2% da popula\u00e7\u00e3o j\u00e1 nasce com propospagnosia<\/em>, que \u00e9 o nome t\u00e9cnico do neg\u00f3cio. E ningu\u00e9m ouve falar, n\u00e9? Deve ser porque pouca gente acredita que a pessoa simplesmente n\u00e3o consiga reconhecer faces. Reveja a\u00ed seus conceitos antes de acusar algu\u00e9m de seachismo<\/em>, heim?<\/p>\n Oliver conta tamb\u00e9m que sempre foi fascinado pela capacidade que o olho humano tem de perceber o espa\u00e7o tridimensional (chamada estereoscopia<\/em>), a ponto de ser um dos membros mais ativos da Sociedade Americana de Estereoscopia<\/em>, que se dedica a estudar o fen\u00f4meno \u2014 agora muito mais popular com o realismo do cinema 3D. Mas para isso acontecer, a gente precisa dos dois olhos funcionando direitinho; com um s\u00f3 j\u00e1 n\u00e3o configura mais vis\u00e3o est\u00e9reo e a pessoa enxerga tudo chapado, como se fosse um plano s\u00f3.<\/p>\n Pois n\u00e3o \u00e9 que aos 72 anos ele teve um melanoma ocular e acabou perdendo a vis\u00e3o do olho direito? Os relatos sobre a experi\u00eancia s\u00e3o impressionantes; nunca tinha me ocorrido que uma pessoa que s\u00f3 enxerga de um olho n\u00e3o consegue avaliar dist\u00e2ncias. Al\u00e9m disso, se perde a vis\u00e3o perif\u00e9rica, fica sem perceber o que acontece bem do seu lado, sem dizer que os corpos ficam aos peda\u00e7os (a pessoa parece que tem as pernas ou bra\u00e7os cortados quando n\u00e3o se consegue v\u00ea-la inteira). Bem complicado mesmo.<\/p>\n A \u00faltima parte conta hist\u00f3rias de gente que ficou cega em momentos diversos da vida e como o c\u00e9rebro se adaptou para conviver com esse novo cen\u00e1rio.<\/p>\n H\u00e1 o caso do professor John Hull, que foi perdendo a vis\u00e3o aos poucos at\u00e9 ficar completamente cego aos 35 anos. Convencido de que imagens n\u00e3o faziam mais parte de sua vida, ele parou de pensar nisso e come\u00e7ou a desenvolver uma nova maneira de “ver” baseado nos outros sentidos. Essa nova constru\u00e7\u00e3o mental n\u00e3o tem nenhum paralelo com a vis\u00e3o, e parece funcionar perfeitamente para ele, que n\u00e3o v\u00ea mais nada nem mesmo em pensamento, e se esqueceu completamente o que vem a ser cores e tudo mais.<\/p>\n J\u00e1 o psicologista australiano Zoltan Torey, cego aos 21 anos de idade por causa de um acidente, continua completamente visual. Ele diz que os outros sentidos contribuem para que ele consiga construir mentalmente a imagem f\u00edsica que as coisas t\u00eam e o sucesso \u00e9 t\u00e3o grande no m\u00e9todo que o sujeito conseguiu consertar o telhado sozinho, para espanto e pavor dos vizinhos. Zoltan conta que sempre teve facilidade em imaginar cen\u00e1rios detalhados e que sua inf\u00e2ncia foi muita rica em fornecer combust\u00edvel para hist\u00f3rias.<\/p>\n E ainda tem Sabrine Tenberken, uma alem\u00e3 destemida que viajou sozinha por todo o Tibete construindo escolas para cegos. Ela mesma parou de enxergar aos 12 anos; antes disso, adorava pintar e desenhar. A t\u00e9cnica que ela usa para compensar a falta da vis\u00e3o \u00e9 usar os outros sentidos para inventar um cen\u00e1rio ou apar\u00eancia bem detalhados que ela imagina serem mais bacanas para compor a realidade.<\/p>\n Enfim, Oliver mostra que n\u00e3o h\u00e1 um padr\u00e3o para lidar com a cegueira ou \u00e0 limita\u00e7\u00e3o de vis\u00e3o; cada pessoa encontra o seu caminho para fazer as coisas funcionarem e adaptar seu c\u00e9rebro para mant\u00ea-la viva, atuante e interessada.<\/p>\n