Desde que cheguei aqui em Berlin, uma das coisas que mais me fascinou foram as livrarias.\u00a0\u00c9 uma infinidade de t\u00edtulos em lojas de at\u00e9 6 andares capaz de deixar a pessoa zonza; tem tamb\u00e9m as lojinhas pequenas e charmosas, cheias de tesouros. No come\u00e7o eu me sentia como uma diab\u00e9tica numa confeitaria; uma completa analfabeta, vendo todas aquelas del\u00edcias sem poder l\u00ea-las. Agora entendo um pouco mais e consigo ler os t\u00edtulos e resumos da hist\u00f3ria.<\/p>\n

Uma coisa que sempre foi meu desejo desde que vi pela primeira vez foi uma cole\u00e7\u00e3o de livros de bolso (9.3 x 15.4 cm) com capa dura em tecido; ainda tem aquela fitinha de seda que serve de marcador. N\u00e3o bastasse tanta belezura e praticidade, as estampas s\u00e3o lindas (e o mais incr\u00edvel: a m\u00e9dia de pre\u00e7os \u00e9 \u20ac 10).<\/p>\n

Pois finalmente consegui ler meu primeiro romance em alem\u00e3o (n\u00e3o se animem, continuo falando e entendendo pessimamente, mas \u00e9 que ler \u00e9 mais f\u00e1cil) e \u00e9 justamente dessa cole\u00e7\u00e3o. Comecei com livros infantis e not\u00edcias curtas no jornal; mas esse \u00e9 o meu primeiro livro de “gente grande”.<\/p>\n

Chama-se “Das gro\u00dfe Heft<\/em>” (O grande caderno) e a autora, Agota Kristof<\/em>, \u00e9 uma h\u00fangara que deixou seu pa\u00eds natal aos 19 anos, na revolu\u00e7\u00e3o de 1956, e passou a viver na Su\u00ed\u00e7a francesa.<\/p>\n

O livro conta a hist\u00f3ria de dois meninos que s\u00e3o deixados pela m\u00e3e na casa da av\u00f3 por causa da guerra. A velha senhora \u00e9 uma bruxa daquelas horrorosas, mas os meninos (g\u00eameos) t\u00eam uma capacidade de adapta\u00e7\u00e3o impressionante. Eles conseguem conviver com a megera e passar pelos horrores da guerra aparentemente inc\u00f3lumes.<\/p>\n

Os g\u00eameos s\u00e3o os narradores da hist\u00f3ria e a gente l\u00ea o que eles escreveram num grande caderno que compraram para compartilhar essa experi\u00eancia. Os dois pensam e agem em perfeita sintonia, como se fossem uma pessoa s\u00f3. S\u00e3o disciplinad\u00edssimos e fazem exerc\u00edcios diversos todos os dias para se fortalecerem contra todas as adversidades: fome, dor, inj\u00farias, etc. Estudam sozinhos e escrevem no tal caderno.<\/p>\n

Eles combinaram que s\u00f3 iriam escrever sobre fatos, n\u00e3o divagariam na reda\u00e7\u00e3o. O que acontece \u00e9 que eles narram cenas que teriam desequilibrado qualquer pessoa, de uma maneira objetiva e concisa, sem nenhuma emo\u00e7\u00e3o. Da\u00ed que a gente fica sem saber se eles s\u00e3o realmente frios e desprovidos de empatia (apesar de viverem fazendo boas a\u00e7\u00f5es) ou se essa \u00e9 s\u00f3 a maneira que escolheram para narrar as aventuras, seguindo as regras que eles mesmos determinaram (e que seguem sem pestanejar).<\/p>\n

Por causa disso, o livro fica f\u00e1cil de ler at\u00e9 para mim; mas seu peso n\u00e3o deixa de ser imenso. Guerra \u00e9 uma coisa por demais est\u00fapida; imposs\u00edvel n\u00e3o se revoltar lendo o cotidiano dessas crian\u00e7as.<\/p>\n

Andei pesquisando e vi que tem uma tradu\u00e7\u00e3o em portugu\u00eas, mas o t\u00edtulo ficou “Um caderno e tanto<\/em>“, com a figura dos g\u00eameos na capa. Achei a tradu\u00e7\u00e3o do nome inadequada, pois d\u00e1 uma leveza que a hist\u00f3ria n\u00e3o tem; fica parecendo um livro infanto-juvenil, o que, definitivamente, ele n\u00e3o o \u00e9.<\/p>\n

Recomendo muito a leitura, mas prepare antes o cora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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Descobri depois que o livro faz parte de uma trilogia (excelente, por sinal). Se quiser saber dos outros dois volumes, clique aqui<\/a>.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O livro “Das gro\u00dfe Heft” (O grande caderno) de Agota Kristof, conta a hist\u00f3ria de dois meninos que s\u00e3o deixados pela m\u00e3e na casa da v\u00f3, por causa da guerra. A av\u00f3 \u00e9 uma bruxa daquelas horrorosas, mas os meninos (g\u00eameos) t\u00eam uma capacidade de adapta\u00e7\u00e3o impressionante. Eles conseguem conviver com a megera e passar pelos horrores da guerra aparentemente inc\u00f3lumes. Recomendo.<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":14947,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"footnotes":"","two_page_speed":[],"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false},"categories":[23,50,25,26,48,75,49],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/14942"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=14942"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/14942\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":24286,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/14942\/revisions\/24286"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=14942"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=14942"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=14942"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}