<\/a><\/p>\n

Nossa, tive um ataque de leitura compulsiva e acabei devorando os outros 2 livros da trilogia iniciada pelo “Der gro\u00dfe Heft”<\/em>, da Agota Kristof, que j\u00e1 comentei aqui<\/a>.<\/p>\n

A mulher \u00e9 genial mesmo; como \u00e9 que um ser humano pode ser t\u00e3o engenhoso?<\/p>\n

Penso que n\u00e3o apenas os designers, mas todos os profissionais das \u00e1reas conhecidas como “criativas” sempre ganham muito quando l\u00eaem boa literatura. Al\u00e9m de uma verdadeira del\u00edcia que \u00e9 poder desfrutar de tanta inventividade, d\u00e1 para aprender e se emocionar bastant\u00e3o.<\/p>\n

Brilhantismo da autora \u00e0 parte, para quem est\u00e1 aprendendo alem\u00e3o, a trilogia \u00e9 perfeita: o primeiro livro (“Der gro\u00dfe Heft”<\/em> ou “O grande caderno”) \u00e9 simples e f\u00e1cil, pois \u00e9 escrito por crian\u00e7as na forma de um di\u00e1rio. O segundo (“Der Beweis”<\/em> ou “A prova”), j\u00e1 complica um pouco. Os cap\u00edtulos s\u00e3o mais longos e s\u00e3o narrados em terceira pessoa, contando a hist\u00f3ria do ponto de vista de um dos g\u00eameos, que resolvem se separar (essa \u00e9 a tal prova que eles t\u00eam que passar, j\u00e1 que sempre foram muito unidos). O terceiro (“Die dritte L\u00fcge”<\/em> ou “A terceira mentira”) \u00e9 um desafio, pois os cap\u00edtulos variam no tempo, variam de narrador, misturam imagina\u00e7\u00e3o com realidade e ainda por cima a hist\u00f3ria n\u00e3o bate muito com os livros anteriores (tudo isso em alem\u00e3o…). Mas aos poucos as coisas v\u00e3o fazendo sentido; as informa\u00e7\u00f5es inexatas t\u00eam uma explica\u00e7\u00e3o, e ela \u00e9 surpreendente.<\/p>\n

\u00c9 uma hist\u00f3ria trist\u00edssima, pungente mesmo, mas que passa longe da pieguice. Mostra a complexidade das emo\u00e7\u00f5es humanas e a dificuldade do ser humano em lidar com sentimentos que n\u00e3o consegue entender bem. J\u00e1 vi que tem em portugu\u00eas na Estante Virtual<\/a> e \u00e9 baratinho;\u00a0recomendo bastante.<\/p>\n

Como sei que boa parte das pessoas que l\u00eaem esse blog v\u00e3o acabar n\u00e3o tendo acesso \u00e0 obra por motivos diversos, vou resumir a hist\u00f3ria s\u00f3 para o povo n\u00e3o morrer de curiosidade.<\/p>\n

*** ATEN\u00c7\u00c3O: se voc\u00ea pretende ler os livros, n\u00e3o leia o resto do post *** CONT\u00c9M SPOILER ****<\/p>\n

Bom, o primeiro livro (“O grande caderno”) est\u00e1 resumido nesse post aqui<\/a>.<\/p>\n

No segundo volume (“A prova”) \u00e9 que a coisa se complica. O livro come\u00e7a sendo narrado por Lucas, um dos g\u00eameos (que at\u00e9 ent\u00e3o n\u00e3o se sabia o nome; o outro \u00e9 o Klaus). O livro anterior termina com o pai dos rapazes tentando cruzar a fronteira para o outro pa\u00eds (eles moram perto da borda) e sendo atingido por uma mina terrestre. Pois Klaus aproveita que o terreno est\u00e1 limpo e cruza para o outro lado sozinho. Aparentemente os irm\u00e3os j\u00e1 tinham previsto essa situa\u00e7\u00e3o e combinado que teriam que se separar, pois vivem grudados demais e precisam desenvolver a capacidade de independ\u00eancia.<\/p>\n

O irm\u00e3o que fica passa muito mal durante semanas e demora para se recuperar emocionalmente. Aos poucos ele vai retomando a vida (a av\u00f3 j\u00e1 morreu), fazendo alguns poucos amigos e acolhendo uma jovem com um beb\u00ea fruto de incesto com o pr\u00f3prio pai dela. Ele se apaixona por uma vi\u00fava de guerra e termina o livro comprando uma livraria. J\u00e1 nos seus quarenta e tantos anos, se deprime com o suic\u00eddio da crian\u00e7a que tinha adotado e resolve abandonar a cidade. Ele deixa um amigo cuidando da livraria e o caderno com a hist\u00f3ria dos dois para entregar ao irm\u00e3o, caso ele apare\u00e7a (e, de fato, o irm\u00e3o surge na cidade, bem no finalzinho, procurando por ele).<\/p>\n

Ora, se o segundo livro foi escrito pelo Lucas, deduzi, corretamente, que o terceiro seria a hist\u00f3ria do Klaus, e que no final os dois se encontrariam. Acertei, mas nem por isso deixei de me surpreender. Na verdade, o que se descobre \u00e9 que os irm\u00e3os foram separados aos 4 anos de idade numa briga entre o pai e a m\u00e3e. A m\u00e3e matou o pai a tiros (ela descobriu que ele amava outra mo\u00e7a, que estava gr\u00e1vida dele) e uma bala ricocheteou e acertou a coluna de Lucas. Na confus\u00e3o, Lucas foi enviado para uma cidade pequena, numa cl\u00ednica de reabilita\u00e7\u00e3o. Como nunca mais soube dos pais (a m\u00e3e foi internada para tratamento), e ningu\u00e9m nunca foi visit\u00e1-lo, ele interpretou que foi abandonado sem motivo e cresceu como uma pessoa amarga.<\/p>\n

Depois da cl\u00ednica ser bombardeada na guerra, Lucas conseguiu escapar e foi para uma casa na beira da fronteira. Um estranho lhe pediu ajuda para atravessar e pisou numa mina. Lucas atravessou a fronteira e, quando chegou do outro lado, deu tr\u00eas informa\u00e7\u00f5es erradas aos soldados: disse que tinha 18 anos (s\u00f3 tinha 15), disse que o homem que tinha morrido era seu pai (n\u00e3o era) e disse que seu nome era Klaus (a tal da terceira mentira). O rapaz sempre gostou de escrever e foi ele quem criou as hist\u00f3rias dos dois primeiros livros, incluindo as narra\u00e7\u00f5es do irm\u00e3o. A\u00ed a gente come\u00e7a a ver que v\u00e1rias coisas da vida real dele foram sendo misturadas na fic\u00e7\u00e3o, com personagens e lugares que foi conhecendo.<\/p>\n

J\u00e1 o verdadeiro Klaus foi acolhido pela amante de seu pai, desesperada com os acontecimentos. Ele cresce de um jeito meio desequilibrado, sem entender direito o que aconteceu. J\u00e1 adolescente, com o fim da guerra, descobre que a m\u00e3e voltou para a antiga casa onde morava, mas est\u00e1 completamente alheia \u00e0 realidade e recebe tratamentos di\u00e1rios com rem\u00e9dios. Klaus se sente na obriga\u00e7\u00e3o de voltar e cuidar da m\u00e3e. A mulher passa seus dias idealizando o irm\u00e3o que vai voltar, planejando o futuro encontro e maldizendo o filho que cuida dela. Klaus passa a vida recluso e vira um escritor famoso.<\/p>\n

No final do livro, os irm\u00e3os finalmente conseguem se encontrar (Lucas atravessa novamente a fronteira, agora legalmente, depois da guerra, e revisita a casa em que morava quando crian\u00e7a), mas as dores e as m\u00e1goas s\u00e3o t\u00e3o grandes, passou-se tanto tempo e as vidas de todos os envolvidos j\u00e1 est\u00e3o t\u00e3o prejudicadas que Klaus finge n\u00e3o acreditar no irm\u00e3o e diz que ele est\u00e1 mentindo, que n\u00e3o \u00e9 quem diz ser. Tamb\u00e9m d\u00e1 um rem\u00e9dio para a m\u00e3e dormir e n\u00e3o o apresenta (a velha senhora com certeza n\u00e3o aguentaria encontrar seu heroi de uma vida toda e fonte de sua maior culpa na forma de um senhor encurvado, doente e absolutamente falido).<\/p>\n

Lucas entrega seus escritos a Klaus e pede para que ele termine a hist\u00f3ria. Logo depois, se joga na frente de um trem (ele estava mesmo com uma doen\u00e7a terminal). Klaus termina a\u00a0hist\u00f3ria (d\u00e1 para reconhecer, do relato da vida dele, que muitos elementos foram inseridos depois nos escritos do irm\u00e3o) e come\u00e7a a achar, depois que a m\u00e3e morrer e ele n\u00e3o tiver mais raz\u00e3o para existir, que o final sob um trem n\u00e3o parece m\u00e1 ideia.<\/p>\n

Eis que os irm\u00e3os, cada um a seu modo, vivem vidas muito similares; ambos s\u00e3o rejeitados, sofrem e n\u00e3o conseguem ter uma vida normal. E ambos dedicam a exist\u00eancia a escrever essa hist\u00f3ria triste que se complementa e finalmente fecha o ciclo.<\/p>\n

Muito triste. E muito lindo.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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