![\"IMG_1783\"](\"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2012\/09\/IMG_1783.jpg\")
<\/a><\/p>\nA maioria das pessoas que conhe\u00e7o que v\u00eam a Berlin pela primeira vez ficam encantadas com 3 coisas: a espantosa quantidade de \u00e1rea verde; o excelente transporte p\u00fablico; e a seguran\u00e7a.<\/p>\n
E quase automaticamente, vem a pergunta: d\u00e1 para ganhar bem trabalhando aqui?<\/p>\n
Aparentemente, uma coisa n\u00e3o tem nada a ver com outra, mas penso que a conex\u00e3o \u00e9 mais profunda do que parece \u00e0 primeira vista; eu explico.<\/p>\n
Berlin n\u00e3o \u00e9 um par\u00e2metro muito v\u00e1lido porque \u00e9 considerada uma cidade pobre para os padr\u00f5es alem\u00e3es, uma vez que aqui \u00e9 a sede administrativa do pa\u00eds e n\u00e3o possui muitas ind\u00fastrias.\u00a0Mesmo assim, d\u00e1 para dizer uma coisa que vale para o pa\u00eds todo e que talvez deixe muita gente a\u00ed no Brasil chocado: a diferen\u00e7a entre o sal\u00e1rio de um oper\u00e1rio (ou caixa de supermercado) e de um diretor de empresa \u00e9, no m\u00e1ximo, 6\u00a0vezes. Isso inclui funcion\u00e1rios p\u00fablicos de alto escal\u00e3o, professores universit\u00e1rios doutores, ju\u00edzes e m\u00e9dicos. \u00c9 claro que estou falando da maioria da popula\u00e7\u00e3o\u00a0alem\u00e3 (um diretor de uma multinacional com 30 mil funcion\u00e1rios espalhados pelo mundo obviamente ganha muito mais, mas n\u00e3o representa a m\u00e9dia da qual estou falando, que \u00e9 de empresas pequenas e m\u00e9dias).<\/p>\n
Um amigo comentou que o mesmo acontece na Su\u00e9cia; um professor universit\u00e1rio, com doutorado, ganha, no m\u00e1ximo 2 mil Euros l\u00edquidos. Para se ter uma id\u00e9ia, um almo\u00e7o no restaurante universit\u00e1rio l\u00e1 custa 8 Euros. N\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil, n\u00e9? No entanto, esses pa\u00edses s\u00e3o os que se considera como tendo a melhor qualidade de vida.<\/p>\n
Ent\u00e3o, imagine: \u00e9 como se no Brasil, o rendimento m\u00e1ximo bruto de qualquer pessoa que vive de sal\u00e1rio fosse R$ 5 ou 6 mil reais. Disso, quase 40% ficam retidos para os impostos, aposentadoria e plano de sa\u00fade obrigat\u00f3rio. Pois \u00e9, n\u00e3o sobra muito.<\/p>\n
Por isso \u00e9 que aqui a gente n\u00e3o v\u00ea um funcion\u00e1rio p\u00fablico, seja ele quem for, se achando o Sr. Rei da Cocada Preta (no Brasil, nosso apartamento ficava perto do minist\u00e9rio p\u00fablico; era\u00a0de dar nojo a emp\u00e1fia de algumas pessoas\u00a0que trabalham l\u00e1). Os alem\u00e3es n\u00e3o t\u00eam muita sobra no or\u00e7amento, como se pode ver; mas adoram viajar e ler. Ent\u00e3o, lavam e passam a pr\u00f3pria roupa, fazem a pr\u00f3pria comida e limpam a pr\u00f3pria casa.<\/p>\n
Aqui n\u00e3o tem pet shop para dar banho em cachorros; os pr\u00f3prios donos se encarregam disso. A maior parte das pessoas compra seus m\u00f3veis na IKEA e aluga um carro ou reboque para levar a encomenda para casa. Para montar uma cozinha inteira, por exemplo, \u00e9 s\u00f3 ler o manual de instru\u00e7\u00f5es; tem que botar a m\u00e3o na massa mesmo.<\/p>\n
Os professores da minha escola s\u00e3o altamente qualificados (a escola \u00e9 uma das que melhor paga); pois todos levam marmita e ningu\u00e9m acha feio. Andam o m\u00e1ximo que podem de bicicleta e, no inverno, de transporte p\u00fablico. Os que t\u00eam carro usam modelos menores (aquelas horrosidades gigantes com vidro fum\u00ea e ar condicionado ligado no m\u00e1ximo quase n\u00e3o tem aqui, para minha felicidade). Outro efeito colateral \u00e9 que o tr\u00e2nsito \u00e9 excelente; a velocidade m\u00e1xima permitida nos bairros \u00e9 30 km\/h e eu nunca vi engarrafamentos na hora do rush.<\/p>\n
Os pr\u00e9dios n\u00e3o t\u00eam porteiro e uma vez por semana vem uma empresa terceirizada varrer as escadas. Quando chega uma encomenda e n\u00e3o estou em casa, sempre tem um bilhetinho na caixa do correio avisando com qual vizinho est\u00e1 o pacote; \u00e9 s\u00f3 ir l\u00e1 pegar (e aproveitar para fazer um social). \u00c0s vezes a gente tamb\u00e9m fica com correspond\u00eancia de vizinhos.<\/p>\n
\u00c9 claro que tem gente rica tamb\u00e9m (geralmente donos de grandes neg\u00f3cios). Mas eles jamais destratam servi\u00e7ais, simplesmente porque aqui n\u00e3o h\u00e1 subcategorias menores, como no Brasil. As pessoas ricas tamb\u00e9m metem a m\u00e3o na massa, por uma quest\u00e3o de filosofia mesmo.<\/p>\n
No Brasil, ainda trazemos ind\u00edcios da cultura escravagista; todo mundo quer ter algu\u00e9m para mandar (e, de prefer\u00eancia, humilhar e maltratar, para mostrar quem \u00e9 que manda). O que puder ser terceirizado, ser\u00e1. As pessoas contratam outras para fazer as coisas mais b\u00e1sicas, de levar cachorro para passear at\u00e9 levar o lixo para a rua; e isso \u00e9 em todos os n\u00edveis.<\/p>\n
Uma amiga brasileira que mora aqui me contou das chatea\u00e7\u00f5es que uma alem\u00e3 que morou no Brasil passou porque gostava de cuidar do pr\u00f3prio jardim (realmente, eles adoram). A quest\u00e3o \u00e9 que a mo\u00e7a morava no Alphaville, condom\u00ednio de alto padr\u00e3o em S\u00e3o Paulo; frequentemente era motivo de chacota porque uma pessoa do n\u00edvel dela (adoro isso de \u201cn\u00edvel de pessoa\u201d; s\u00f3 que n\u00e3o) podia muito bem pagar um jardineiro. \u00c9 a cultura da sinhazinha mo\u00e7a e do senhor de engenho levada \u00e0s \u00faltimas conseq\u00fc\u00eancias.<\/p>\n
Fico triste quando vejo a vida girar em torno na ostenta\u00e7\u00e3o no nosso pa\u00eds; como as pessoas n\u00e3o t\u00eam vergonha de ganhar 30, 40, at\u00e9 50 vezes mais que outras (sendo que boa parte\u00a0\u00e9 funcion\u00e1ria p\u00fablica) e ainda acham isso o m\u00e1ximo; ficam esnobando o sucesso como se fosse m\u00e9rito pr\u00f3prio, e n\u00e3o uma distor\u00e7\u00e3o do sistema. \u00c9 um tal de quem consegue ganhar mais para comprar um carro maior, mandar o m\u00e1ximo que puder com uma prepot\u00eancia totalmente alheia \u00e0 realidade das coisas, que chega a doer. Seria apenas rid\u00edculo, se n\u00e3o fosse t\u00e3o dram\u00e1tico.<\/p>\n
A mordomia \u00e9 irresist\u00edvel (quem n\u00e3o gosta), mas qual \u00e9 o pre\u00e7o disso tudo?<\/p>\n
S\u00f3 para terminar fazendo a conex\u00e3o com o assunto l\u00e1 do come\u00e7o: se a diferen\u00e7a de sal\u00e1rios n\u00e3o \u00e9 grande (e olha que a Alemanha \u00e9 a maior economia capitalista da Europa), n\u00e3o tem porque haver essa viol\u00eancia toda que a gente experimenta no Brasil.<\/p>\n
Aqui tem gente pobre, mas n\u00e3o tem favela.\u00a0O transporte p\u00fablico funciona bem porque ele \u00e9 essencial; at\u00e9 os funcion\u00e1rios p\u00fablicos mais graduados dependem dele para se locomover. As \u00e1reas verdes s\u00e3o muitas e bem cuidadas porque n\u00e3o s\u00e3o privil\u00e9gio de bairros chiques; tem na cidade toda, para todo mundo.<\/p>\n
Fico vendo as not\u00edcias do Brasil e fico pensando: n\u00e3o seria a hora das pessoas acordarem e passarem a viver como ricos de verdade?<\/p>\n
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TAPA NA CARA: Se voc\u00ea gostou desse texto (ou n\u00e3o), recomendo esse aqui<\/a>, que \u00e9 mais punk.<\/p>\n