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Essa semana a Amazon surpreendeu o mundo com mais uma inova\u00e7\u00e3o: a entrega de encomendas usando drones. Na verdade \u00e9 s\u00f3 um teste, e a previs\u00e3o, segundo a BBC<\/a>, \u00e9 que o servi\u00e7o esteja dispon\u00edvel em 5 anos. Para a maioria das pessoas, isso \u00e9 quase um passeio pelo futuro, mas, para mim, tem um qu\u00ea de volta ao passado.<\/p>\n

\u00c9 que no in\u00edcio dos anos 90 do s\u00e9culo passado comecei a trabalhar no projeto Helix, um rob\u00f4 a\u00e9reo que usava como plataforma um helic\u00f3ptero em tamanho reduzido (cerca 2.5 m de comprimento). Ao contr\u00e1rio do drone da Amazon, que pode carregar at\u00e9 2.3 kg, o Helix tinha capacidade de levar at\u00e9 10 kg.<\/p>\n

Ele podia transportar qualquer sensor que se desejasse, de um contador Geiger para examinar \u00e1reas contaminadas radioativamente, at\u00e9 uma c\u00e2mera de infra-vermelho para inspe\u00e7\u00e3o de isoladores em linhas de transmiss\u00e3o, passando por c\u00e2meras de v\u00eddeo e boias de resgate. E claro, podia entregar encomendas tamb\u00e9m…<\/p>\n

O formato de helic\u00f3ptero foi escolhido por ser essa uma aeronave que consegue combinar a capacidade de pairar e a agilidade no deslocamento; s\u00f3 que essas vantagens tornam a pilotagem extremamente complexa, pois tanto \u00e9 poss\u00edvel deslocar-se longitudinalmente como girar em torno dos tr\u00eas eixos espaciais. A eletr\u00f4nica que possibilitava a pilotagem do rob\u00f4 contava com uma unidade de refer\u00eancia inercial utilizada somente em m\u00edsseis teleguiados (foi bem complicado fazer a aquisi\u00e7\u00e3o); b\u00fassola eletr\u00f4nica, aceler\u00f4metros, giro-inclin\u00f4metros digitais e ainda um sistema de receptores de GPS diferencial.<\/p>\n

Aos olhos de um leigo, o Helix parecia um aeromodelo. Mas o que diferencia um brinquedo de um rob\u00f4 \u00e9 justamente a intelig\u00eancia embarcada (sensores, atuadores e softwares que possibilitam que a m\u00e1quina possa tomar decis\u00f5es). Um brinquedo apenas obedece a comandos, sem critic\u00e1-los.<\/p>\n

O trabalho era o sonho de consumo de qualquer engenheiro; n\u00e3o se passava um dia em que eu n\u00e3o precisasse estudar e aprender sobre avi\u00f4nica, GPS, sensores, atuadores, programa\u00e7\u00e3o, sistemas georeferenciados e muita coisa mais. A equipe era enxut\u00edssima (apenas tr\u00eas engenheiros, contando comigo, que era a menos experiente em todas as \u00e1reas, e dois t\u00e9cnicos de n\u00edvel m\u00e9dio). Houve pesquisadores convidados e ao longo do tempo a equipe ganhou mais dois colaboradores. De qualquer maneira, o desafio era gigante. O projeto gerou v\u00e1rias teses, trabalhos de conclus\u00e3o e disserta\u00e7\u00f5es (meu mestrado em automa\u00e7\u00e3o e controle avaliava protocolos de redes de comunica\u00e7\u00e3o intra-ve\u00edculos simulando-os no helic\u00f3ptero para reduzir a quantidade de fios embarcada).<\/p>\n

O Helix foi um sucesso do ponto de vista tecnol\u00f3gico e apesar das in\u00fameras dificuldades em desenvolver um projeto desse porte no Brasil (e ainda por cima em Florian\u00f3polis), o reconhecimento internacional aconteceu: publicamos artigos em congressos de aeronaves n\u00e3o-tripuladas ao lado de equipes da Nasa e Ag\u00eancia Europeia; fomos convidados pelo governo da Su\u00e9cia para compartilhar a experi\u00eancia com pesquisadores do mundo todo, entre muitos outros eventos.<\/p>\n

O projeto contava com uma esta\u00e7\u00e3o de terra (um furg\u00e3o equipado com uma base computacional para a telemetria) e a aeronave propriamente dita. Foram mais de 400 horas de voo bem sucedidas e documentadas.<\/p>\n

Por que estou compartilhando isso tudo? Por que foi com o Helix que aprendi que compet\u00eancia t\u00e9cnica \u00e9 condi\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria, mas n\u00e3o suficiente para uma inova\u00e7\u00e3o acontecer.<\/p>\n

O Helix foi um sonho de um empreendedor vision\u00e1rio, que em vez de investir os lucros de outra empresa de tecnologia bem sucedida em um apartamento em Miami, resolveu angariar gente competente e assumir o desafio de fazer inova\u00e7\u00e3o no Brasil. Foram 10 anos onde bancou praticamente sozinho todos os investimentos necess\u00e1rios com economias pessoais; ele assumiu todo o risco. E perdeu.<\/p>\n

Mas \u00e9 a vida, isso faz parte do processo de inova\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Essa experi\u00eancia me marcou muito; foi ela que me levou a tentar descobrir o que deu errado; foi pelo Helix que depois fui estudar marketing e cheguei a um doutorado em gest\u00e3o do design. \u00c9 por causa dele que o assunto inova\u00e7\u00e3o me fascina tanto.<\/p>\n

O Helix foi um prot\u00f3tipo muito bem sucedido que n\u00e3o conseguiu se transformar em produto de escala. As raz\u00f5es foram in\u00fameras, mas, analisando a uma dist\u00e2ncia que s\u00f3 o tempo permite, d\u00e1 para ver que faltava uma abordagem de mercado mais comercial. De qualquer maneira, o fator mais preponderante pode ser resumido numa frase: o mundo n\u00e3o estava pronto para ele.<\/p>\n

Lembrando do \u00f3timo “De onde v\u00eam as boas ideias<\/a>” do Steve Johnson, onde s\u00e3o descritos os padr\u00f5es ambientais necess\u00e1rios para uma inova\u00e7\u00e3o acontecer, d\u00e1 para reconhecer rapidamente o que ele chama de adjacente poss\u00edvel, ou seja, o que \u00e9 vi\u00e1vel se fazer com as condi\u00e7\u00f5es que se disp\u00f5e no momento em que o projeto est\u00e1 sendo desenvolvido.<\/p>\n

Existem v\u00e1rios “Helix” na hist\u00f3ria que podem ilustrar bem a ideia. Por exemplo, o Youtube n\u00e3o poderia ter sido criado 10 anos antes, pois a web n\u00e3o tinha largura de banda para v\u00eddeos nessa escala; o rel\u00f3gio mec\u00e2nico foi inventado na China em 725 DC mas ningu\u00e9m pensou em uma utilidade para ele at\u00e9 que alguns s\u00e9culos mais tarde o mundo ocidental o “reinventasse”. Se Mark Zuckerberg, o pai do Facebook, tivesse nascido no Brasil e estudado numa escola p\u00fablica, dificimente ter\u00edamos uma rede social com esse alcance.<\/p>\n

A conclus\u00e3o que se tira \u00e9 que \u00e9 preciso ter a ideia certa, mas tamb\u00e9m ter gente competente para desenvolv\u00ea-la, estar geograficamente no lugar adequado e ainda sincronizar o momento da hist\u00f3ria mais prop\u00edcio.<\/p>\n

Em s\u00edntese, para inovar, n\u00e3o basta voar. \u00c9 preciso tamb\u00e9m que que o universo conspire a favor.<\/p>\n

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