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Nossa, para quem adora papel, como eu, parece que o mundo est\u00e1 acabando! Os maiores jornais do mundo est\u00e3o em crise e vendendo seus ativos para sobreviver; alguns est\u00e3o fechando ou entrando em concordata. A Amazon acaba de lan\u00e7ar o Kindle, uma tela port\u00e1til para ler livros digitalizados; h\u00e1 v\u00e1rios outros fabricantes trilhando o mesmo caminho. Socorro! O que v\u00e3o ser das livrarias e bancas de jornal? O homem j\u00e1 escreveu (e leu) em pedras, usou peda\u00e7os de couro, folhas de plantas e materiais variados at\u00e9 inventar o papel.<\/p>\n Chartier chama aten\u00e7\u00e3o para que se note que uma das maiores transforma\u00e7\u00f5es, que muitas vezes passa despercebida, foi a cria\u00e7\u00e3o do c\u00f3dex pelos romanos. C\u00f3dex \u00e9 o formato do livro (e, de certa forma, dos jornais) como o conhecemos hoje, onde o texto, escrito na frente e no verso da folha, \u00e9 organizado em cadernos e coberto por uma capa. Antes disso se usava o rolo, bem menos pr\u00e1tico.<\/p>\n O pr\u00f3ximo passo foi mecanizar a maneira de imprimir e Gutemberg soube resolver muito bem a quest\u00e3o. Alguma perda houve, uma vez que foi necess\u00e1rio separar os tipos m\u00f3veis dos desenhos e gravuras, antes t\u00e3o integrados nos manuscritos. As cores tamb\u00e9m tiveram que ser reduzidas por um tempo. Com as tecnologias atuais, pudemos unir texto e ilustra\u00e7\u00e3o novamente plenos de cor, mas outra vez o suporte da escrita est\u00e1 percorrendo caminhos in\u00e9ditos.<\/p>\n De qualquer maneira, n\u00e3o precisamos ser fatalistas: assim como a TV convive ainda t\u00e3o bem com o cinema, o teatro, o r\u00e1dio e a internet; assim como o rolo sobreviveu muitos anos ap\u00f3s a populariza\u00e7\u00e3o do c\u00f3dex, tamb\u00e9m os manuscritos seguiram valorizados e usados muito tempo depois da prensa de Gutemberg.<\/p>\n \n N\u00e3o h\u00e1 porque crer que ser\u00e1 diferente com o livro, onde o papel vai sendo gradativamente substitu\u00eddo pela tela de um gadget qualquer. A grande quest\u00e3o que se apresenta n\u00e3o \u00e9 a da mudan\u00e7a de suporte da escrita, mas a do comportamento do leitor.<\/p>\n Os jornais impressos est\u00e3o desaparecendo porque a maior parte das pessoas os l\u00ea na Internet. \u00c9 certo que muitos dos livros passar\u00e3o a viver somente na forma virtual. Os leitores querem mais intera\u00e7\u00e3o, est\u00e3o menos lineares e mais apressados. O aprofundamento de conte\u00fado \u00e9 para cada vez menos pessoas, j\u00e1 que a grande massa se contenta com manchetes, resumos e twitters de 140 caracteres.<\/p>\n Em se tratando de design gr\u00e1fico, \u00e9 claro que o suporte influencia no projeto. Nada pode se comparar ao cheiro da tinta e do papel, o peso das folhas, a emo\u00e7\u00e3o de abrir uma capa dura, o barulho que as p\u00e1ginas fazem ao serem viradas. Mas isso n\u00e3o significa que n\u00e3o haja espa\u00e7o para outras formas de ler. Olha s\u00f3 quanta coisa nova h\u00e1 para aprender, o desafio de tornar a leitura atraente em um suporte ainda t\u00e3o novo.<\/p>\n Penso que tanto o aprofundamento de um conte\u00fado como o prazer de folhear o papel, seja em um jornal ou em um livro, vai aos poucos se transmutar em um tipo de luxo. Com o crescimento do n\u00famero de leitores, n\u00e3o h\u00e1 como dizimar florestas inteiras em nome da cultura \u2014 o livro e o jornal como conhecemos hoje s\u00e3o simplesmente insustent\u00e1veis. Mas isso nem de longe significa o seu fim, \u00e9 s\u00f3 uma quest\u00e3o de escala e valor. Sempre haver\u00e1 espa\u00e7o para a experi\u00eancia de interagir com o objeto livro, t\u00e3o cheio de simbolismos e significados pessoais. A diferen\u00e7a \u00e9 que esse contato n\u00e3o ser\u00e1 mais t\u00e3o f\u00e1cil, comum, barato, cotidiano e trivial para a maioria das pessoas. Isso sem contar que boa parte dos leitores atuais nem sequer passou pelo livro ou jornal impressos; simplesmente pularam etapas por falta de acesso. Se a gente for observar, livros e jornais, assim como informa\u00e7\u00f5es aprofundadas j\u00e1 s\u00e3o um luxo de fato.<\/p>\n Jornais, escritores, editoras e quaisquer outros provedores de conte\u00fado devem atentar para a variedade nos perfis de p\u00fablico. O que muda n\u00e3o \u00e9 o livro, mas o comportamento das pessoas e a forma de interagir com a informa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n N\u00e3o, n\u00e3o \u00e9 o fim do mundo ainda. \u00c9 s\u00f3 mais uma mudan\u00e7a natural, que n\u00e3o vem para dizimar meus queridos amigos.<\/p>\n Ainda bem…<\/p>\n \n
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\nCalma. Quando a gente l\u00ea \u201cA aventura do livro: do leitor ao navegador<\/em>\u201d, de Roger Chartier, come\u00e7a a entender que est\u00e1 vivendo apenas mais uma das muitas transforma\u00e7\u00f5es pelas quais j\u00e1 passou a nossa comunica\u00e7\u00e3o escrita.<\/p>\n