Sempre que passava pela esta\u00e7\u00e3o de trem Zoologischer Garten<\/em>, ficava intrigada com as vitrines do Museu Er\u00f3tico<\/a> (que tem uma sex-shop bem grande anexa)\u00a0uma quadra depois. \u00c9 que numa delas tinha a foto de uma mo\u00e7a jovem, com capacete de piloto, muito sorridente. Linda, mas nada er\u00f3tica, pelo menos no sentido mais tradicional da palavra. O que isso teria a ver com o museu?<\/p>\n

Veja a foto:
\n<\/a><\/p>\n

Pois \u00e9, at\u00e9 que um dia convidei o Conrado para conhecer (n\u00e3o se vai num museu desses sozinha, a pessoa pode ter ideias que n\u00e3o deveriam ser desperdi\u00e7adas…rs) e finalmente fomos no final de semana passado.<\/p>\n

J\u00e1 tinha estudado um pouco a respeito dessa jovem, mas fiquei ainda mais encantada. A mo\u00e7a se chamava Beate Uhse e nasceu em 1919 em Wargenau, uma cidadezinha min\u00fascula da Pr\u00fassia Oriental que depois da Segunda Guerra passou a pertencer\u00a0\u00e0 R\u00fassia. Para se ter uma ideia, em 1910 o povoado contava com m\u00edseros 114 habitantes. O pai era agricultor e a m\u00e3e foi uma das primeiras m\u00e9dicas alem\u00e3s, que\u00a0criou a\u00a0ca\u00e7ula de tr\u00eas irm\u00e3os\u00a0com liberdade e autosufici\u00eancia; at\u00e9 um est\u00e1gio em Londres Beate\u00a0fez.<\/p>\n

Agora, a explica\u00e7\u00e3o para a foto: com 17 anos, Beate conseguiu seu brev\u00ea como piloto de avi\u00e3o e essa foi uma paix\u00e3o para a vida toda. Lutando na segunda guerra, conheceu seu primeiro marido, o tamb\u00e9m piloto Hans-J\u00fcrgen Uhse (de onde vem o sobrenome que ela tornou\u00a0famoso).<\/p>\n

Depois de perder Hans\u00a0numa batalha no \u00faltimo ano da guerra, Beate fugiu de Berlin Oriental para o ocidente levando no avi\u00e3o\u00a0o filho de dois\u00a0anos, a bab\u00e1, o mec\u00e2nico de bordo e dois soldados feridos. Resolveu viver no povoado de Braderup e l\u00e1 fundou seu primeiro neg\u00f3cio, uma vez que os aliados proibiram os pilotos alem\u00e3es de voar; ela ia de bicicleta de casa em casa vender bot\u00f5es e brinquedos.<\/p>\n

Depois do final da Guerra, os soldados voltaram para casa e muitas mulheres queriam evitar a gravidez; Beate lembrou-se da m\u00e3e, m\u00e9dica, que ensinava v\u00e1rios m\u00e9todos anticoncepcionais naturais na comunidade. A mo\u00e7a\u00a0ent\u00e3o come\u00e7ou a vender um jornalzinho em Flenzburg, a maior cidade pr\u00f3xima, com essas informa\u00e7\u00f5es; tamb\u00e9m respondia \u00e0s muitas perguntas das mulheres, sempre cheias de d\u00favidas. O pr\u00f3ximo passo foi vender preservativos masculinos junto com um livrinho de explica\u00e7\u00f5es e instru\u00e7\u00f5es de uso.<\/p>\n

Beate come\u00e7ou a ver\u00a0que a maioria das mulheres n\u00e3o tinha a sorte dela, de ser estudada, esclarecida, bem-resolvida e\u00a0autoconfiante. Foi a\u00ed que achou que elas\u00a0tamb\u00e9m tinham o direito de viver plenamente sua sexualidade como uma coisa divertida que fazia parte da vida. \u00a0Beate\u00a0Uhse come\u00e7ou a vender ent\u00e3o apetrechos sexuais, sempre preocupada em fornecer explica\u00e7\u00f5es e esclarecimentos.<\/p>\n

Em 1952 os produtos come\u00e7aram a ser vendidos por cat\u00e1logo e 1962 foi aberta\u00a0em Flensburg a primeira sex-shop do mundo; a empresa que fabricava os produtos \u00e0 venda j\u00e1 contava ent\u00e3o com 200 funcion\u00e1rios.<\/p>\n

\u00c9 claro que algu\u00e9m com tanta liberdade causou muito inc\u00f4modo numa sociedade conservadora como a daquela \u00e9poca; sofreu processos, persegui\u00e7\u00f5es, enfim, pagou o pre\u00e7o que a\u00a0vanguarda exige.<\/p>\n

A mo\u00e7a curiosa, corajosa e empreendedora casou-se tr\u00eas\u00a0vezes, teve dois filhos\u00a0e\u00a0era uma profunda admiradora da natureza; plantava legumes e verduras,\u00a0era boa cozinheira e praticou t\u00eanis, mergulho e golfe, al\u00e9m de pilotar avi\u00f5es at\u00e9 perto de morrer, aos 81 anos. Ou seja, nada a ver com o estere\u00f3tipo que se poderia esperar da dona de um dos maiores imp\u00e9rio de sex-shops da Europa.<\/p>\n

<\/a>