![\"IMG_0697\"](\"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2015\/06\/IMG_0697.jpg\")
<\/a><\/p>\nO neurocientista Gregory Berns, autor do \u00f3timo \u201cO iconoclasta<\/a>\u201d, j\u00e1 explicou: nosso c\u00e9rebro foi constru\u00eddo de maneira a consumir o m\u00ednimo poss\u00edvel de energia.<\/p>\n Fato \u00e9 que, mesmo que a gente passe o dia inteiro deitado sem fazer nenhum movimento, o danado continua gastando. Por uma quest\u00e3o de sobreviv\u00eancia, ele\u00a0teve que bolar um jeito de ser menos perdul\u00e1rio, pois, na \u00e9poca em que nossa massa cinzenta estava se desenvolvendo, as calorias eram escassas; nunca se sabia quando\u00a0ia acontecer\u00a0a pr\u00f3xima refei\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Para resolver isso, nossa CPU bolou alguns truques que a fazem ficar mais eficiente: um deles \u00e9 rotular tudo o que lhe aparece pela frente, num esquema chamado categoriza\u00e7\u00e3o preditiva<\/i> (o nome cient\u00edfico pode at\u00e9 parecer bonito, mas na linguagem popular isso \u00e9 o mesmo que preconceito).<\/p>\n A coisa funciona da seguinte maneira: em vez de processar uma informa\u00e7\u00e3o completa e cheia de detalhes toda vez que entra em contato com algum tipo de est\u00edmulo, o c\u00e9rebro infere o que est\u00e1 vendo, ou seja, ele registra apenas uma parte da cena e conclui o resto.<\/p>\n Assim, nossos miolos escolhem algumas partes mais familiares que conseguem reconhecer e ignoram o resto. Isso economiza energia e funciona muito bem no dia-a-dia, mas destr\u00f3i, sem d\u00f3 nem piedade, toda nossa imagina\u00e7\u00e3o, cultura e capacidade criativa. \u00c9 que\u00a0sem trabalhar, nosso c\u00e9rebro engorda e fica jogado o dia inteiro no sof\u00e1 comendo besteira. Para ter ideias que mudem o mundo, precisamos de um c\u00e9rebro atleta, saud\u00e1vel, em excelente forma f\u00edsica.<\/p>\n Por que ent\u00e3o preconceito \u00e9 a mesma coisa que pregui\u00e7a de pensar?<\/p>\n Porque preconceito \u00e9 exatamente isso: em vez de considerar todas as vari\u00e1veis, a gente pega s\u00f3 um peda\u00e7o da informa\u00e7\u00e3o e tira uma conclus\u00e3o inteira. Claro que a conclus\u00e3o\u00a0vai se basear\u00a0ou em experi\u00eancias anteriores (n\u00e3o preciso analisar todos os elementos do feij\u00e3o cada vez que saboreio uma feijoada; basta olhar um bago e j\u00e1 sei que gosto tem) ou em experi\u00eancias de outros (minha av\u00f3\u00a0dizia que os ciganos s\u00e3o todos dissimulados. Ent\u00e3o eu, que nunca vi um cigano ao vivo em toda minha vida, j\u00e1 sei exatamente como eles s\u00e3o, pensam e sentem, s\u00f3 de ver uma mo\u00e7a de saia comprida).<\/p>\n Para quem quer obedecer cegamente \u00e0 natureza e economizar energia de verdade, \u00e9 simples. Pegue um livro antigo cheio de regras e cumpra-as \u00e0 risca, sem question\u00e1-las (melhor ainda, interpretando-as da maneira que exija o m\u00ednimo esfor\u00e7o mental poss\u00edvel). Repita\u00a0opini\u00f5es terceiros sem nem ao menos checar se t\u00eam fundamento ou n\u00e3o. Leia s\u00f3 a manchete e n\u00e3o o texto inteiro. Interprete a palavra\u00a0normal<\/a> como sin\u00f4nimo de certo. Veja s\u00f3 que econ\u00f4mico. N\u00e3o se\u00a0gasta praticamente\u00a0nenhuma caloria nisso. E o c\u00e9rebro fica l\u00e1, lerdo\u00a0e fl\u00e1cido, mergulhado feliz no \u00f3cio do preconceito. E com a quantidade de calorias que a gente consome hoje sem precisar, essa economia n\u00e3o tem o menor cabimento, n\u00e3o \u00e9?<\/p>\n A \u00fanica maneira de fazer o nosso sr. Pregui\u00e7oso fazer muscula\u00e7\u00e3o e estar em forma para novos desafios \u00e9 confrontar o sistema perceptivo com algo que ele n\u00e3o sabe como interpretar, pois nunca viu nada parecido antes. Isso for\u00e7a a cria\u00e7\u00e3o de novas\u00a0categorias de classifica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n \u00c9 como se a gente tivesse prateleiras para guardar todas as informa\u00e7\u00f5es dentro da cabe\u00e7a, para recuper\u00e1-las quando precisar. Pois quem n\u00e3o questiona e s\u00f3 segue regras, tem meia d\u00fazia de prateleiras montadas por outros, com ideias simpl\u00f3rias, repetidas, rasas e muito, muito preconceituosas.<\/p>\n Quando a gente l\u00ea, duvida, conhece novos lugares, novos h\u00e1bitos e novas ideias, constr\u00f3i guarda-roupas inteiros\u00a0dentro da cabe\u00e7a, cheios de prateleiras, gavetas e sistemas requintados de classifica\u00e7\u00e3o. N\u00e3o \u00e9 que a gente n\u00e3o pratique mais a categoriza\u00e7\u00e3o preditiva, mas ela vai ficando mais refinada, mais precisa. Quando vejo uma mo\u00e7a de saia comprida, n\u00e3o basta coloc\u00e1-la na \u00fanica gavetinha dispon\u00edvel, aquela que herdei da minha av\u00f3; h\u00e1 uma imensid\u00e3o de poss\u00edveis nichos\u00a0para guardar aquela informa\u00e7\u00e3o e, n\u00e3o raro, preciso construir mais um para acomodar a nova pessoa que acabei de conhecer.<\/p>\n No fim, esse trabalho infinito de marcenaria \u00e9 a tal muscula\u00e7\u00e3o. \u00c9 o que nos faz humanos inteligentes, o que nos faz evoluir.<\/p>\n