Tem presentes que a vida nos d\u00e1 e que a gente nem imagina que vai ganhar; tem d\u00favidas at\u00e9 se merece. Pois quando fiquei horas no aeroporto de Manaus conversando pela primeira vez com a premiad\u00edssima e pioneira no designer de superf\u00edcies do Brasil, a querida\u00a0Renata Rubim<\/a> (era um encontro de estudantes de design e \u00e9ramos ambas palestrantes; um dos alunos que iria nos buscar dormiu demais\u00a0e nos esqueceu…rs), \u00a0jamais iria pensar em compartilhar com ela um momento t\u00e3o importante.<\/p>\n

\u00c9 que a m\u00e3e da Renata, D. Eva Sopher<\/strong><\/em>, diretora do teatro S\u00e3o Pedro em Porto Alegre, foi uma das tr\u00eas agraciadas em 2015 com a Medalha Goethe, concedida a cidad\u00e3os que trabalham para divulgar a cultura alem\u00e3 no mundo.<\/p>\n

D. Eva, hoje com 92 anos, fugiu da Alemanha\u00a0a tempo de escapar de um campo de concentra\u00e7\u00e3o. Ela tinha 13 anos quando\u00a0veio para o Brasil com a fam\u00edlia; foi um recome\u00e7o bem dif\u00edcil, mas a jovem judia j\u00e1 trazia no sangue o amor pela cultura. Trouxe artistas do mundo todo para se apresentar na cidade\u00a0e tem contato pr\u00f3ximo com as principais estrelas do teatro alem\u00e3o contempor\u00e2neo.<\/p>\n

Por causa da idade, n\u00e3o quis enfrentar a longa e desgastante viagem; ent\u00e3o delegou \u00e0 filha\u00a0a sua representa\u00e7\u00e3o na cerim\u00f4nia. E onde \u00e9 que entro nisso? \u00c9 que a Renata veio uns dias antes para revisitar Berlim (ela tinha estado aqui\u00a0antes da queda do muro) e fui convidada a acompanh\u00e1-la a Weimar para participar da cerim\u00f4nia.<\/p>\n

Foram as 48 horas mais significativas desse ano, de tanto que vi e aprendi. Nunca vou agradecer o suficiente \u00e0 Renata e \u00e0 D. Eva pela oportunidade.<\/p>\n

Entre os agraciados, estava um refugiado s\u00edrio, Sadik Al-Azm<\/strong><\/em>, em\u00e9rito professor de filosofia da Universidade de Beirute e Damasco. Ele tamb\u00e9m deu aulas em\u00a0\u00a0Hamburgo e seu trabalho \u00e9 voltado ao estudo dos fil\u00f3sofos Immanuel Kant e Karl Marx. Est\u00e1 asilado na Alemanha com sua esposa desde 2012.<\/p>\n

No jantar da cerim\u00f4nia, tive oportunidade de me sentar ao lado de uma s\u00edria, amiga do casal, que morava em Londres. Ela me contou que seu pa\u00eds era um lugar cheio de cultura e bastante democr\u00e1tico antes que o fundamentalismo religioso destru\u00edsse tudo o que encontrou pela frente. Se eu fico triste em ver s\u00e9culos de hist\u00f3ria e cultura sendo dizimados em um mar de sangue, imagine eles, que nasceram e cresceram l\u00e1. A comida estava maravilhosa, mas as conversas e as pessoas\u00a0realmente foram os respons\u00e1veis pela noite inesquec\u00edvel, al\u00e9m da memor\u00e1vel\u00a0palestra que se seguiu.<\/p>\n

\u00c9 que o palestrante era ningu\u00e9m menos que o terceiro agraciado, o brit\u00e2nico de origem escocesa Neil MacGregor<\/em><\/strong>. Ele foi diretor da National Gallery e \u00e9 o atual diretor do Museu Brit\u00e2nico em Londres at\u00e9 o final do ano. German\u00f3filo e de uma cultura \u00edmpar, Neil foi convidado para ser o diretor do Humboldt Forum (ainda em constru\u00e7\u00e3o), cargo que assume no in\u00edcio de\u00a02016\u00a0aqui em Berlim. Ele tamb\u00e9m \u00e9 o autor do \u00f3timo “A history of the world in 100 objects<\/em>“.<\/p>\n

Na palestra, ele mostrou imagens de monumentos comemorativos de\u00a0vit\u00f3rias em guerras instalados em capitais do mundo\u00a0(incluindo sua p\u00e1tria, Inglaterra), observando que o lado ruim e devastador dessas batalhas nunca \u00e9 lembrado, j\u00e1 que a hist\u00f3ria, como se sabe, \u00e9 sempre narrada pelos vencedores.\u00a0E que a Alemanha \u00e9 a \u00fanica exce\u00e7\u00e3o \u00e0 regra. Tem a \u00fanica capital do mundo repleta de lembran\u00e7as e monumentos ao seu fracasso, lembrando sempre onde errou para que esses atos n\u00e3o sejam repetidos. \u00c9 verdade; Berlim \u00e9 a hist\u00f3ria viva que nos lembra todo dia o que pode acontecer de ruim se n\u00e3o ficarmos atentos.<\/p>\n

Teve ainda a visita guiada \u00e0 biblioteca Anna Amalia, que leva o nome da duquesa que a concebeu e a organizou em 1761. Com a ajuda de Goethe, Anna Amalia conseguiu transformar o acervo num dos mais importantes da Europa. O pr\u00f3prio diretor da institui\u00e7\u00e3o nos recebeu e contou que na \u00e9poca, cerca de 10% da popula\u00e7\u00e3o da cidade frequentava o lugar, imagine! Num tempo em que poucas pessoas eram alfabetizadas, significa que todo mundo que sabia ler ia l\u00e1. N\u00e3o \u00e9 lindo? N\u00e3o \u00e9 \u00e0 toa que Weimar \u00e9 considerada uma das principais refer\u00eancias culturais do pa\u00eds.<\/p>\n

O triste \u00e9 que a biblioteca foi incendiada em 2004 por um problema el\u00e9trico e perdeu mais de 30 mil obras raras. O mundo todo se comoveu e um trabalho herc\u00faleo foi feito para recuperar o que sobrou. Entre os livros mais famosos est\u00e1 a primeira tradu\u00e7\u00e3o da B\u00edblia feita por Martinho Lutero. O pr\u00e9dio foi restaurado e reinaugurado em 2007 e hoje nem parece que \u00e9 um sobrevivente das chamas.<\/p>\n

No intervalo disso tudo (foram menos de 48 horas) ainda dei uma voltinha pelo centro da cidade e visitei o museu da Bauhaus (bem pequenininho, mas muito significativo) , al\u00e9m de\u00a0passar\u00a0pela frente da universidade com o mesmo nome. Fiquei sabendo que em 2019 ser\u00e1 inaugurado um grande museu para comemorar os 100 anos da escola de design mais importante da hist\u00f3ria\u00a0e que os organizadores est\u00e3o recebendo pe\u00e7as do mundo todo para compor o acervo.<\/p>\n

Para terminar, a cerim\u00f4nia de premia\u00e7\u00e3o foi entregue no espetacular pal\u00e1cio onde Goethe morava.<\/p>\n

N\u00e3o sei a Renata, mas voltei de viagem me achando at\u00e9 um pouco culta\u00a0s\u00f3 de poder respirar o ar daquela cidade e poder falar com aquelas pessoas…rsrsrs<\/p>\n

Muito obrigada, querida!<\/p>\n

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