![\"IMG_9737\"](\"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2016\/05\/IMG_9737.jpg\")
<\/a><\/p>\nH\u00e1 alguns anos, o pesquisador Carel van Schaik, especialista em primatas, fez uma escada de corda para pendurar seus instrumentos de medi\u00e7\u00e3o numa das \u00e1rvores em\u00a0uma floresta na Sumatra. Os macacos que frequentavam o local simplesmente ignoraram. Na \u00e9poca, ele n\u00e3o pensou muito a respeito, mas depois, em outras pesquisas e vendo como os macacos costumavam ser inteligentes e curiosos, ficou intrigado com o caso. Como assim os orangotangos sequer prestaram aten\u00e7\u00e3o aqueles objetos totalmente in\u00e9ditos para eles?<\/p>\n
O\u00a0jornal Die Zeit<\/a>, que publicou Mu\u00dfe k\u00fcsst Affe<\/a> (\u00d3cio beija macaco), conta que Schaik ficou surpreso com a resposta que encontrou para o enigma:\u00a0 o \u00f3cio (sim, aquele mesmo de que falava o italiano Domenico de Masi). Quanto est\u00e3o no habitat natural, os orangotangos est\u00e3o preocupados em construir abrigos, escapar de predadores e conseguir comida. Eles n\u00e3o t\u00eam tempo para pensar, brincar ou ficar imaginando coisas. Toda energia \u00e9 focada na sobreviv\u00eancia. Novidades, inclusive, s\u00e3o vistas como amea\u00e7as (melhor n\u00e3o se aproximar de objetos estranhos).<\/p>\n Schaik repetiu a experi\u00eancia, dessa vez com flores e frutas de pl\u00e1stico, al\u00e9m de bichos de pel\u00facia, nas florestas indon\u00e9sias de Born\u00e9u e Sumatra. Mesmo resultado; os macacos nem ao menos tomaram conhecimento. Mas quando colocou os mesmos objetos \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o dos orangotangos em zool\u00f3gicos de Zurique e Frankfurt, precisou de\u00a0apenas alguns segundos para despertar a curiosidade dos bichos. Os brinquedos foram desmontados, separados em partes e cuidadosamente analisados.<\/p>\n A pergunta estava posta: ser\u00e1 que os animais do zool\u00f3gicos s\u00e3o mais curiosos e criativos, ou apenas mais entediados?<\/p>\n Para o pesquisador, as duas coisas s\u00e3o compat\u00edveis. O t\u00e9dio pode ser um forte fator para o desenvolvimento da criatividade. Para ele, pensar em arte, filosofia e at\u00e9 ci\u00eancia, s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel depois que as necessidades b\u00e1sicas j\u00e1 tiverem sido atendidas (faz sentido, se a gente se lembrar da pir\u00e2mide de Maslow). Os animais, num bom zool\u00f3gico, se est\u00e3o em um ambiente confort\u00e1vel e conhecido, podem gastar seu tempo brincando, aprendendo e pensando; o exato oposto de quem precisa lutar pela sobreviv\u00eancia.<\/p>\n A ideia de zool\u00f3gicos me incomoda bastante, principalmente quando os enjaulados s\u00e3o macacos. Mas a conclus\u00e3o da pesquisa n\u00e3o deixa de ser interessante.<\/p>\n N\u00e3o d\u00e1 para pedir para uma pessoa que leva quatro horas indo e voltando do trabalho e mais oito cumprindo a jornada, al\u00e9m das tarefas dom\u00e9sticas e outras obriga\u00e7\u00f5es, que ainda por cima tenha\u00a0grandes ideias. Ela realmente n\u00e3o tem cabe\u00e7a para isso; est\u00e1 concentrada em sobreviver e encontrar um meio de pagar as contas. Quando uma popula\u00e7\u00e3o est\u00e1 exausta tentando obter o b\u00e1sico da sobreviv\u00eancia, fica muito dif\u00edcil se concentrar em ideias mais complexas, em ampliar o repert\u00f3rio, em aprender coisas diferentes.<\/p>\n Mas a\u00ed fiquei pensando que a falta e a necessidade de sobreviv\u00eancia tamb\u00e9m provocam a busca de solu\u00e7\u00f5es criativas para problemas cotidianos; os livros, jornais e portais de internet est\u00e3o cheios de casos assim, o que, de certa maneira, confronta os resultados da pesquisa com os orangotangos.<\/p>\n N\u00e3o sei, mas talvez a curiosidade e a criatividade sofram mais influ\u00eancia da cultura do que o ambiente. Num zool\u00f3gico, al\u00e9m do t\u00e9dio e da seguran\u00e7a, o macaco que descobre alguma coisa interessante para brincar deve fazer sucesso no meio e, por isso, de alguma maneira \u00e9 incentivado a procurar novidades. Na selva, o sucesso se chama comida; qualquer outra novidade \u00e9 desaprovada pelo bando.<\/p>\n Numa sociedade de humanos, a situa\u00e7\u00e3o \u00e9 an\u00e1loga, mas penso que\u00a0h\u00e1 grupos que, mesmo com dificuldades de sobreviv\u00eancia, de alguma maneira\u00a0valorizam o curioso, o original, as solu\u00e7\u00f5es engenhosas. De certa forma, a criatividade acaba sendo\u00a0estimulada\u00a0porque a aceita\u00e7\u00e3o social passa por ela.\u00a0Se a pessoa n\u00e3o consegue o sucesso pelo dinheiro (que seria a comida, para os macacos), consegue ser admirada\u00a0pela criatividade.<\/p>\n De qualquer maneira, \u00e9 s\u00f3 um achismo, pois n\u00e3o tenho nenhum estudo para fundamentar isso. Mas que fiquei com a pulga atr\u00e1s da orelha, fiquei. E ela pulou de um orangotango\u2026<\/p>\n