Quem admira a obra\u00a0de Gustav Klimt acaba, mesmo sem querer, envolvendo-se tamb\u00e9m com a\u00a0de Egon Schiele, seu disc\u00edpulo mais pr\u00f3ximo. Apesar do trabalho de ambos serem completamente diferentes (Klimt \u00e9 id\u00edlico e representa um mundo dourado e florido onde as mulheres reinam, enquanto Schiele \u00e9 sofrido, intenso e extremamente\u00a0er\u00f3tico), \u00e9 perfeitamente poss\u00edvel admirar os dois. Gosto especialmente\u00a0dos olhares e das m\u00e3os que esses\u00a0pintores produzem.<\/p>\n

Por isso fiquei t\u00e3o animada para assistir “Egon Schiele: Tod und M\u00e4dchen<\/em>” (tradu\u00e7\u00e3o livre: “Egon Schiele: morte e mo\u00e7a<\/em>“); gostava do trabalho e sabia um pouco de sua hist\u00f3ria, mas n\u00e3o em detalhes. A fotografia \u00e9 linda, o ator escolhido para fazer o papel de Egon, maravilhoso, e seu processo criativo \u00e9 bastante explorado. Schiele era obcecado pelo desenho; n\u00e3o conseguia simplesmente olhar e sentir; ele precisava desenhar at\u00e9 seus momentos mais \u00edntimos e intensos.<\/p>\n

Mas fiquei feliz mesmo foi em conhecer melhor a hist\u00f3ria do quadro com o mesmo t\u00edtulo do filme, que pude ver ao vivo, quando visitei Viena<\/a> (e que est\u00e1 reproduzido acima).<\/p>\n

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Valerie Neuzil (a quem chamava amorosamente de Wally) era modelo de Klimt. Apresentada a Egon, apaixonaram-se e viveram anos juntos. Convocado para servir na I Guerra Mundial, Egon decidiu friamente casar-se com a vizinha do outro lado da rua, filha de uma fam\u00edlia tradicional (pelo que entendi, fez isso para evitar lutar na linha de frente, j\u00e1 que a parte mais importante da sociedade era poupada por influ\u00eancia de seus representantes). Deu certo, pois ele ficou apenas tr\u00eas meses em servi\u00e7o; logo pode voltar para casa e continuar sua obra.<\/p>\n

Wally sofreu muito com a separa\u00e7\u00e3o (ele tamb\u00e9m, pois dava a entender que poderiam manter o relacionamento assim mesmo, mas a mo\u00e7a n\u00e3o concordou com o arranjo). Na\u00a0noite em que se despediram e a \u00faltima em que passaram juntos, Egon desenhou a cena do abra\u00e7o mais dolorido de sua vida. Na verdade, o quadro se chamava “Mann und M\u00e4dchen<\/em>” ( “Homem e mo\u00e7a”). A palavra “homem” foi mudada para “Morte” no dia da abertura de sua mais famosa exposi\u00e7\u00e3o, no pr\u00e9dio sede do movimento art\u00edstico\u00a0Secess\u00e3o, em Viena<\/a>. Enquanto assinava os cat\u00e1logos, Schiele soube da morte de seu amor, que estava servindo como enfermeira na Guerra; chocado, passou a riscar a palavra “homem” em todos os volumes e substitui-la por “morte”. O quadro era um dos principais da exposi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

No mesmo ano, Schiele e sua mulher, ent\u00e3o gr\u00e1vida de seis meses, foram v\u00edtimas da\u00a0gripe espanhola, que j\u00e1 havia levado seu mentor, Gustav Klimt, alguns meses antes. Mesmo com uma morte t\u00e3o precoce, no auge de seus 28 anos, o pintor deixou mais de 300 quadros a \u00f3leo e cerca de 2 mil desenhos e aquarelas. Um prod\u00edgio!<\/p>\n

Perdi alguns detalhes da hist\u00f3ria por conta da l\u00edngua (se o alem\u00e3o padr\u00e3o j\u00e1 \u00e9 um pouco dif\u00edcil de acompanhar num filme, a tarefa complica ainda mais quando o idioma tem forte sotaque austr\u00edaco;\u00a0a produ\u00e7\u00e3o e os atores s\u00e3o todos de l\u00e1).<\/p>\n

\u00c9 triste, po\u00e9tico, intenso, lindo. Recomendo. Muito mesmo.<\/p>\n

PS: A experi\u00eancia foi ainda mais bacana porque fomos assistir o filme no Kino International<\/a>, o mais tradicional da antiga Alemanha Oriental, que ainda n\u00e3o t\u00ednhamos ido. S\u00f3 tem uma sala, mas \u00e9 linda! O pr\u00e9dio, no estilo neocl\u00e1ssico, est\u00e1\u00a0tombado como patrim\u00f4nio hist\u00f3rico e arquitet\u00f4nico e segue\u00a0muito bem conservado. Outra curiosidade: desde 1998, \u00e0s segundas-feiras, h\u00e1 sess\u00f5es especiais de filmes gays que eles chamam de Mongay<\/a> (trocadilho com Monday). Como n\u00e3o amar esse bom-humor?<\/p>\n