Estava aqui pensando: por que tantas pessoas de boa f\u00e9 frequentemente disseminam not\u00edcias falsas, mesmo depois de tantos avisos? Ontem falei isso para a minha m\u00e3e e ela respondeu que n\u00e3o confere a not\u00edcia, como ensinei, porque acredita na pessoa que enviou.<\/p>\n

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Entendo. Se a minha gera\u00e7\u00e3o foi criada e educada para acreditar, imagina a dela?<\/p>\n

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Quando era pequena, credulidade era uma virtude, um elogio. Crian\u00e7a obediente, que n\u00e3o discute e n\u00e3o contesta, era o sonho de consumo de todos os pais. As pessoas crentes e ing\u00eanuas eram as boas; as desconfiadas eram as m\u00e1s. Se a pessoa n\u00e3o acreditava \u00e9 porque tinha mal\u00edcia, maldade; pensava sempre o pior. E essa constru\u00e7\u00e3o, que contradiz inclusive a evolu\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie (a luta pela sobreviv\u00eancia pede desconfian\u00e7a), n\u00e3o veio de gra\u00e7a. Para os governantes, gente obediente \u00e9 o para\u00edso.<\/p>\n

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A quest\u00e3o \u00e9 que cresci durante o regime militar, em que duvidar n\u00e3o apenas era indesejado, como perigoso. Gente que desconfia incomoda, perturba, causa transtorno e desordem. N\u00e3o me admira que viramos todos presas f\u00e1ceis para os espertos.<\/p>\n

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Com o tempo, os estudos e a vida, percebi a arapuca em que a gente tinha se metido. Desconfiar n\u00e3o somente \u00e9 desej\u00e1vel, mas necess\u00e1rio ao nosso crescimento e at\u00e9 sobreviv\u00eancia.\u00a0<\/span><\/p>\n

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Mas ter uma opini\u00e3o pr\u00f3pria d\u00e1 muito trabalho, al\u00e9m de ser arriscado, pois n\u00e3o se sabe a que conclus\u00f5es chegaremos. Ao duvidar de um fato ou opini\u00e3o, a gente precisa pesquisar, ler com aten\u00e7\u00e3o, checar diferentes fontes, encontrar contradi\u00e7\u00f5es, comparar pontos de vista, enfim, gastar neur\u00f4nios. J\u00e1 acreditar n\u00e3o custa absolutamente nada: \u00e9 s\u00f3 escolher um ponto de vista que a gente acha simp\u00e1tico e fim. Zero neur\u00f4nios envolvidos da opera\u00e7\u00e3o. Trabalho nenhum.<\/p>\n

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Acreditar \u00e9 como colar na prova da vida: a gente pega algu\u00e9m que a gente acha que estudou mais ou que tem simpatia, e simplesmente copia a resposta. Mais moleza, imposs\u00edvel. Confort\u00e1vel no \u00faltimo. N\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil entender porque a maioria esmagadora das pessoas prefere acreditar, n\u00e9? Nenhum risco, nenhuma energia gasta, nenhum trabalho.<\/p>\n

 <\/p>\n

\u00c9 claro que n\u00e3o d\u00e1 para desconfiar de tudo e de todos o tempo todo; o gasto de energia seria insano e a gente ficaria paran\u00f3ico e com mania de persegui\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o como equilibrar a desconfian\u00e7a e a credulidade para n\u00e3o ficar ref\u00e9m dos outros e evitar a deteriora\u00e7\u00e3o do c\u00e9rebro por falta de exerc\u00edcio?<\/p>\n

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Bom, cada um tem suas t\u00e9cnicas. Eu levo em considera\u00e7\u00e3o principalmente dois crit\u00e9rios:<\/p>\n

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1. Motiva\u00e7\u00e3o<\/strong>: que motivos a pessoa\/institui\u00e7\u00e3o tem para me transmitir uma informa\u00e7\u00e3o equivocada ou distorcida?<\/li>\n
2. Coer\u00eancia<\/strong>: baseado no hist\u00f3rico do comportamento anterior dessa pessoa\/institui\u00e7\u00e3o, d\u00e1 para acreditar no que ela diz?<\/li>\n<\/ol>\n

    <\/p>\n

   Como resultado, no geral, desconfio pouqu\u00edssimo de pessoas nas rela\u00e7\u00f5es pessoais e profissionais. Se algu\u00e9m diz que gosta de mim e j\u00e1 demonstrou isso ao longo do tempo e de v\u00e1rias maneiras, ou seja, sempre foi coerente, por que eu deveria desconfiar? Al\u00e9m disso, por que uma pessoa me enganaria? O que ela ganharia? Nesse quesito, nem me dou ao trabalho. Tem funcionado muito bem.<\/p>\n

    <\/p>\n

   Tenho alguns cuidados, por\u00e9m: se a pessoa \u00e9 cr\u00e9dula, desconfio quase sempre de suas fontes de informa\u00e7\u00e3o. Se n\u00e3o conhe\u00e7o a pessoa e ela diz que meu trabalho \u00e9 sensacional, tamb\u00e9m tendo a n\u00e3o levar ao p\u00e9 da letra. Os brasileiros costumam ser muito diplom\u00e1ticos e nunca querem passar por mal educados; n\u00e3o raro, exageram nos elogios, mesmo que n\u00e3o tenham gostado tanto assim. Ent\u00e3o h\u00e1 que se dar um desconto.<\/p>\n

    <\/p>\n

   J\u00e1 institui\u00e7\u00f5es governamentais (ou n\u00e3o), ve\u00edculos de comunica\u00e7\u00e3o, empresas e, principalmente, pol\u00edticos, desconfio SEMPRE. N\u00e3o s\u00f3 porque eles t\u00eam todas as motiva\u00e7\u00f5es do mundo para tentar moldar minha opini\u00e3o, como tamb\u00e9m porque coer\u00eancia n\u00e3o \u00e9 o forte deles. Basta observar.\u00a0<\/span><\/p>\n

    <\/p>\n

   Assim, confiar em blogs, correntes de redes sociais, not\u00edcias de partidos pol\u00edticos e posts de Facebook \u00e9 uma pr\u00e1tica que ultrapassa o n\u00edvel da ingenuidade; a\u00ed \u00e9 pregui\u00e7a de pensar n\u00edvel hard<\/em> mesmo. H\u00e1 que se rever essa posi\u00e7\u00e3o at\u00e9 para a pr\u00f3pria seguran\u00e7a e sa\u00fade mental da pessoa.<\/p>\n

    <\/p>\n

   Al\u00e9m dessas, penso que h\u00e1 outras situa\u00e7\u00f5es em que duvidar \u00e9 saud\u00e1vel. Inclusive, pe\u00e7o que duvidem de mim toda vez que inicio um curso ou palestra. E n\u00e3o \u00e9 porque tenho a inten\u00e7\u00e3o de enganar as pessoas.\u00a0\u00c9 porque as opini\u00f5es e pontos de vista que compartilho s\u00e3o resultado direto da minha viv\u00eancia pessoal: dos livros que li, dos cursos que fiz, das conversas que tive, das pessoas que conheci, das viagens, amizades, relacionamentos, reflex\u00f5es. Enfim. Quem est\u00e1 me ouvindo (ou lendo) leu outros livros, fez outros cursos, teve outras conversas, conheceu outras pessoas, viajou para outros lugares, enfim, teve outra vida. N\u00e3o seria de se estranhar que sobre alguns assuntos, suas conclus\u00f5es sejam completamente diferentes das minhas. Normal, saud\u00e1vel, produtivo e muito enriquecedor. Melhor n\u00e3o colar na prova.<\/p>\n

    <\/p>\n

   Ent\u00e3o, fica aqui um pedido. Duvidem do que puderem. E, principalmente, de mim.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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