Tem gente que diz que rede social n\u00e3o presta, especialmente o Facebook. Eu insisto em dizer que para quem n\u00e3o sabe usar as ferramentas, nada h\u00e1 de prestar. Porque s\u00e3o s\u00f3 ferramentas. Quem define o uso somos n\u00f3s.<\/p>\n\n\n\n

Pois nessa decadente e viciada rede social tenho descoberto grandes tesouros. Foi onde achei a profa. dra. Carla Tieppo<\/a>, uma neurocientista preocupada em compartilhar conhecimento de qualidade (h\u00e1 quem duvide, mas as redes est\u00e3o cheias de pessoas assim). Nem sei como cheguei a ela, mas, logo eu que pouco tenho paci\u00eancia para v\u00eddeos, virei espectadora contumaz de suas Lives<\/em> de quartas-feiras (que s\u00f3 assisto no dia seguinte por conta do fuso).<\/p>\n\n\n\n

A linguagem simples, acess\u00edvel, cheia de met\u00e1foras e exemplos da vida real s\u00e3o irresist\u00edveis, assim como seu jeito despachado e sincer\u00e3o.  Logo que pude, comprei \u201cUma viagem pelo c\u00e9rebro: a via r\u00e1pida para entender neuroci\u00eancia<\/a><\/strong>\u201d. Professora e pesquisadora do tema h\u00e1 d\u00e9cadas, a linguagem do livro \u00e9 como a Carla falando: uma extraordin\u00e1ria viagem.<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n

H\u00e1 anos sou interessada pelo assunto neuroci\u00eancia e j\u00e1 devo ter lido dezenas de livros que remetem direta ou indiretamente ao tema; v\u00e1rios, inclusive, est\u00e3o resenhados no meu blog.<\/p>\n\n\n\n

Mas essa \u00e9 a primeira vez que vejo um livro explicar do ponto de vista anat\u00f4mico e fisiol\u00f3gico como funciona o c\u00e9rebro. Ali\u00e1s, aprendi: na verdade, o que a gente tem na caixa craniana \u00e9 o enc\u00e9falo<\/strong> (o c\u00e9rebro \u00e9 apenas uma parte do enc\u00e9falo, tamb\u00e9m composto do tronco encef\u00e1lico e do cerebelo).<\/p>\n\n\n\n

Outra surpresa boa s\u00e3o as maravilhosas ilustra\u00e7\u00f5es coloridas que acompanham as explica\u00e7\u00f5es. Facilita muito a visualiza\u00e7\u00e3o do que ela est\u00e1 falando, principalmente para pessoas leigas, como eu.<\/p>\n\n\n\n

A Carla vai explicando, com toda a paci\u00eancia do mundo, como os estudos sobre a neuroci\u00eancia evolu\u00edram. No come\u00e7o, ningu\u00e9m dava muita bola para essa gosma cinzenta que a gente tinha dentro da cabe\u00e7a; todo o mist\u00e9rio da vida, das emo\u00e7\u00f5es, da consci\u00eancia e da intelig\u00eancia humanas eram reservados ao pop star<\/em> cora\u00e7\u00e3o. S\u00f3 muito tempo mais tarde, j\u00e1 no s\u00e9culo XX, \u00e9 que o enc\u00e9falo come\u00e7ou sua jornada de protagonista.<\/p>\n\n\n\n

No caminho, cumprindo a promessa da viagem fant\u00e1stica, ela nos leva a conhecer como essa maravilhosa estrutura funciona: como o enc\u00e9falo se liga ao sistema nervoso, as malhas de comunica\u00e7\u00e3o entre a central de processamento localizada na nossa cabe\u00e7a e os sentidos<\/strong> (que captam informa\u00e7\u00f5es do mundo exterior) e m\u00fasculos<\/strong> (respons\u00e1veis pelos comandos de movimento) distribu\u00eddos ao longo do corpo. O papel important\u00edssimo da medula \u00f3ssea, instalada dentro da nossa coluna vertebral, que funciona como uma via expressa que liga os nervos nos pontos mais distantes do ded\u00e3o do p\u00e9 at\u00e9 o fundo da nossa cabe\u00e7a. A fun\u00e7\u00e3o do complexo sistema nervoso, respons\u00e1vel por todos os nossos movimentos (interessant\u00edssima a observa\u00e7\u00e3o dela, que somente os seres que se movem possuem sistema nervoso. As \u00e1rvores, por exemplo, por mais complexas que sejam, n\u00e3o possuem esse sistema, pois n\u00e3o saem do lugar).<\/p>\n\n\n\n

Ela explica direitinho o que \u00e9 e como funciona um neur\u00f4nio, que \u00e9 uma c\u00e9lula especializada em processamento de sinais e \u00e9 como uma pequena bateria geradora de corrente el\u00e9trica. Por conta disso, os neur\u00f4nios precisam de sangue e oxig\u00eanio o tempo todo. Se falta sangue, o neur\u00f4nio simplesmente apaga. Tamb\u00e9m \u00e9 interessante saber que, por conta do trabalho exaustivo, os neur\u00f4nios precisam de um tempo para se recompor quimicamente. <\/p>\n\n\n\n

A Carla explica os v\u00e1rios tipos de neur\u00f4nios que a gente tem (a variedade deles \u00e9 incr\u00edvel e muda conforme a fun\u00e7\u00e3o; alguns, mais \u00e1geis, transmitem informa\u00e7\u00f5es com uma velocidade de 240 metros\/segundo \u2014 outros, mais lentos, andam a 5 metros\/segundo). Ela fala tamb\u00e9m dos neurotransmissores<\/strong>, subst\u00e2ncias qu\u00edmicas secretadas pelos neur\u00f4nios, usada para eles \u201cconversarem\u201d entre si, atrav\u00e9s das sinapses<\/strong>, que s\u00e3o tipo umas \u201cperninhas” que n\u00e3o encostam uma na outra, mas se conectam pelos neurotransmissores. <\/p>\n\n\n\n

Ela fala tamb\u00e9m nos n\u00edveis de processamento que ocorrem no enc\u00e9falo; desde os comportamentos mais autom\u00e1ticos at\u00e9 os mais elaborados, desmontando a teoria do \u201cc\u00e9rebro trino\u201d t\u00e3o erroneamente difundida por a\u00ed pelo pessoal do marketing (na verdade, no livro ela apenas apresenta o conceito; as cr\u00edticas ao modelo ela faz nesse v\u00eddeo<\/a>).<\/p>\n\n\n\n

Uma das explica\u00e7\u00f5es mais bacanas \u00e9 quando ela conta como a gente percebe o mundo atrav\u00e9s dos nossos sensores, que podem ser mec\u00e2nicos<\/strong> (tipo o tato e a audi\u00e7\u00e3o, que dependem de fen\u00f4menos mec\u00e2nicos para o neur\u00f4nio gerar um sinal el\u00e9trico e enviar para processamento), t\u00e9rmicos<\/strong> (dependem de varia\u00e7\u00e3o de temperatura), qu\u00edmicos <\/strong>(como o olfato), nociceprivos<\/strong> (identificam les\u00e3o e dor) ou tipo fotoreceptores<\/strong> (percebem varia\u00e7\u00f5es de luz).<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, aprendemos que, al\u00e9m dos cinco sentidos especiais (tato, olfato, vis\u00e3o, audi\u00e7\u00e3o e paladar), ainda temos um sistema complexo chamado somest\u00e9sico<\/strong> ou somatosensorial<\/strong>, que envolve todo o corpo. Por exemplo, o tato, n\u00e3o implica apenas no toque, mas a percep\u00e7\u00e3o de c\u00f3cegas, press\u00e3o, vibra\u00e7\u00e3o, movimento, temperatura, dor e at\u00e9 a posi\u00e7\u00e3o do nosso corpo (propriocep\u00e7\u00e3o).<\/p>\n\n\n\n

Ainda tem esclarecimentos interessantes sobre o papel das nossas emo\u00e7\u00f5es. Importante atentar para o fato de as emo\u00e7\u00f5es s\u00e3o diferentes de sentimentos; emo\u00e7\u00f5es<\/strong> s\u00e3o respostas corporais (f\u00edsicas) para est\u00edmulos do ambiente (ex: acelera\u00e7\u00e3o dos batimentos card\u00edacos, aumento da sudorese, dilata\u00e7\u00e3o das pupilas, etc). Por isso, \u00e0s vezes, as emo\u00e7\u00f5es provocam dores f\u00edsicas de verdade (o aperto no cora\u00e7\u00e3o e o frio na barriga n\u00e3o s\u00e3o sensa\u00e7\u00f5es imagin\u00e1rias). J\u00e1 os sentimentos<\/strong> s\u00e3o a experi\u00eancia mental, ou seja, o sentido que a gente d\u00e1 a isso que se passa no nosso corpo. Ou seja, o sentimento \u00e9 o sentido que a gente d\u00e1 \u00e0s nossas emo\u00e7\u00f5es. <\/p>\n\n\n\n

Tem todo um cap\u00edtulo que fala sobre os lados do c\u00e9rebro que penso que vale um texto s\u00f3 para ele, t\u00e3o interessante \u00e9. Vou pular essa parte aqui e fico devendo mais um post!<\/p>\n\n\n\n

No final, ela fala da parte do enc\u00e9falo que nos diferencia de todos os outros animais e que nos d\u00e1 direito a um ticket VIP de primeira classe nessa viagem que estamos fazendo: \u00e9 o c\u00f3rtex pr\u00e9-frontal<\/strong>, ou seja, a parte da frente do nosso c\u00e9rebro, que tem rela\u00e7\u00e3o direta com nossa testa abaulada em rela\u00e7\u00e3o aos animais menos inteligentes. <\/p>\n\n\n\n

O c\u00f3rtex \u00e9 tipo o maestro que coordena toda a orquestra de sensores e atuadores de uma maneira bem sofisticada e complexa. Como essa parte do c\u00e9rebro \u00e9 a mais nova, possui um alto grau de neuroplasticidade. Isso quer dizer que a gente consegue mudar os padr\u00f5es e comportamentos, aprender coisas novas e descobrir solu\u00e7\u00f5es diferentes para problemas conhecidos. Essas mudan\u00e7as nunca s\u00e3o f\u00e1ceis (o c\u00e9rebro, al\u00e9m de pregui\u00e7oso, \u00e9 bastante conservador..rs), mas s\u00e3o sempre poss\u00edveis. <\/p>\n\n\n\n

As fun\u00e7\u00f5es executivas do c\u00f3rtex s\u00e3o exclusivas do ser humano e s\u00e3o constru\u00eddas ao longo da vida, de acordo com as experi\u00eancias de cada um. S\u00e3o elas: a aten\u00e7\u00e3o<\/strong> seletiva e sustentada (fundamental para o aprendizado e reten\u00e7\u00e3o de mem\u00f3ria), controle inibit\u00f3rio<\/strong> (que nos impede de agir como selvagens), regula\u00e7\u00e3o e controle emocional<\/strong>, mem\u00f3ria operacional<\/strong> (aquela de curto prazo), metacogni\u00e7\u00e3o<\/strong> (que nos permite compreender e analisar nossas pr\u00f3prias linhas de racioc\u00ednio), flexibilidade cognitiva<\/strong> (capacidade de adequa\u00e7\u00e3o ao ambiente, como rever rotas e planos) e planejamento<\/strong> (envolve no\u00e7\u00e3o de tempo necess\u00e1rio para execu\u00e7\u00e3o de tarefas).<\/p>\n\n\n\n

Segundo a autora, essas fun\u00e7\u00f5es executivas n\u00e3o amadurecem simplesmente com o passar dos anos; o processo \u00e9 totalmente proativo \u2014 \u00e9 preciso estimular as mudan\u00e7as e aprender com as experi\u00eancias.<\/p>\n\n\n\n

Olha, \u00e9 bem como a Carla diz: n\u00e3o se volta dessa viagem da mesma maneira como se embarcou. A mudan\u00e7a \u00e9 grande e profunda. Esse devia ser um livro texto de qualquer curso superior. E posso dizer: at\u00e9 eu, uma pessoa de exatas, com cabe\u00e7a de engenheira e que nunca teve grande simpatia pela biologia, consegui entender com clareza as explica\u00e7\u00f5es da mo\u00e7a e ficar interessada at\u00e9 o final. Se eu consegui, qualquer pessoa consegue.<\/p>\n\n\n\n

Se puder dar uma dica para voc\u00ea come\u00e7ar bem o ano, aqui vai: corre comprar e estudar esse livro. Vale a pena demais!
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Resenha do livro \u201cUma viagem pelo c\u00e9rebro: a via r\u00e1pida para entender neuroci\u00eancia\u201d da neurocientista Carla Tieppo.<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":25879,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"footnotes":"","two_page_speed":[],"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false},"categories":[45,46,23,25,35,57,49,108],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2020\/01\/viagem-cerebro.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/25877"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=25877"}],"version-history":[{"count":6,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/25877\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":26531,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/25877\/revisions\/26531"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/25879"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=25877"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=25877"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=25877"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}