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{"id":25955,"date":"2020-03-19T12:24:48","date_gmt":"2020-03-19T15:24:48","guid":{"rendered":"http:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/?p=25955"},"modified":"2020-03-19T12:40:40","modified_gmt":"2020-03-19T15:40:40","slug":"o-mundo-ameacado-pela-gafa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/o-mundo-ameacado-pela-gafa\/","title":{"rendered":"O mundo amea\u00e7ado pela GAFA"},"content":{"rendered":"\n

O primeiro emprego do jornalista Franklin Foer foi como editor de uma revista digital feminina chamada Underwire<\/em> (gostei do nome\u2026rs)*, outra sobre automobilismo e alguns sites dedicados \u00e0 vida urbana; todos pertencentes \u00e0 Microsoft. Sim, a empresa gerava conte\u00fado em vez de compartilhar o que os outros criavam. Como todo in\u00edcio, foi confuso. N\u00e3o se sabia com que frequ\u00eancia deviam atualizar as publica\u00e7\u00f5es; os leitores davam palpites em tudo, o tempo todo e os jornalistas n\u00e3o sabiam como lidar.<\/p>\n\n\n\n

Em \u201cWorld without mind: the existencial threat of big tech<\/em>\u201d (algo como \u2018Mundo sem mente: a amea\u00e7a existencial das grandes empresas de tecnologia\u2019) fala sobre como as grandes corpora\u00e7\u00f5es est\u00e3o crescendo em um mundo sem limites, em que os monop\u00f3lios tecnol\u00f3gicos aspiram moldar a humanidade em um formato que eles imaginam ser o ideal. Essas empresas, tamb\u00e9m conhecidas por GAFA<\/strong> (G<\/strong>oogle, A<\/strong>pple, F<\/strong>acebook e A<\/strong>mazon) acreditam que s\u00e3o fundamentalmente organismos sociais, uma esp\u00e9cie de exist\u00eancia coletiva. <\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n

Elas dizem que protegem a individualidade do usu\u00e1rio, mas, na verdade, s\u00e3o as maiores respons\u00e1veis pelo colapso da privacidade; desrespeitam os valores de autoria e hostilizam a propriedade intelectual. Elas automatizam escolhas, grandes e pequenas. Seus algoritmos sugerem o que devemos ler, assistir, para onde viajar, o que comprar, que pessoas convidar para seu c\u00edrculo de amigos.<\/p>\n\n\n\n

Foer compara essa revolu\u00e7\u00e3o com uma anterior e igualmente radical, a dos alimentos. As grandes corpora\u00e7\u00f5es tamb\u00e9m colocaram os pratos prontos sobre as mesas, uma facilidade nunca vista antes. A comida pronta foi uma das maiores inova\u00e7\u00f5es da hist\u00f3ria, pois n\u00e3o apenas mudou os h\u00e1bitos de consumo e alimenta\u00e7\u00e3o, como tamb\u00e9m transformou a geografia da agricultura. Efici\u00eancia e abund\u00e2ncia de op\u00e7\u00f5es (exatamente o que nos oferecem as GAFA), na verdade escondem os mesmos ingredientes de base: milho e carne, com muito s\u00f3dio e qu\u00edmica. <\/p>\n\n\n\n

Essas grandes empresas dominam todo o mercado, fazendo com que intelectuais, escritores freelancers, jornalistas investigativos, enfim, profissionais fora das grandes redes de produ\u00e7\u00e3o cultural estejam exatamente na mesma situa\u00e7\u00e3o que pequenos agricultores. A quest\u00e3o \u00e9 que, para sobreviver, at\u00e9 mesmo os jornalistas mais s\u00e9rios tiveram que se adaptar aos algoritmos. Isso significa que na busca insana por cliques, acabam dando aten\u00e7\u00e3o a teorias conspirat\u00f3rias, hist\u00f3rias d\u00fabias e sensacionalistas, e a ignorantes populares (que depois acabam sendo eleitos por conta do espa\u00e7o que tiveram). N\u00e3o basta o ve\u00edculo publicar mat\u00e9rias s\u00e9rias e embasadas; \u00e9 preciso crescer exponencialmente at\u00e9 o infinito.<\/p>\n\n\n\n

O autor defende a tese que essas empresas destru\u00edram algo precioso no ser humano, que \u00e9 a capacidade de contempla\u00e7\u00e3o e reflex\u00e3o. Elas criaram um mundo onde estamos constantemente sendo observados e sempre distra\u00eddos. Ele diz que essas companhias querem alterar a evolu\u00e7\u00e3o humana, transformando-nos todos em ciborgues, pois nossos celulares j\u00e1 s\u00e3o a extens\u00e3o da nossa mem\u00f3ria e nosso comportamento j\u00e1 \u00e9 todo orientado por algoritmos. Foe insiste que n\u00f3s n\u00e3o estamos amalgamados com m\u00e1quinas; estamos \u00e9 com as empresas que fazem essas m\u00e1quinas.<\/p>\n\n\n\n

Antes do sucesso estrondoso do Vale do Sil\u00edcio, monop\u00f3lio era uma palavra pejorativa e os Estados Unidos, guardi\u00e3es do capitalismo, orgulhavam-se da livre concorr\u00eancia. As big techs conseguiram convencer o mundo que o gigantismo \u00e9 um bem social urgente, necess\u00e1rio para a harmonia global. O fen\u00f4meno \u00e9 t\u00e3o forte que o sonho dourado da maioria dos fundadores de start-ups \u00e9 ser comprado por uma dessas gigantes.<\/p>\n\n\n\n

E essa concentra\u00e7\u00e3o de poder leva \u00e0 homogeiniza\u00e7\u00e3o (disfar\u00e7ada de variedade), o que n\u00e3o \u00e9 nada bom.<\/p>\n\n\n\n

O livro come\u00e7a contando sobre os prim\u00f3rdios do Vale do Sil\u00edcio e seus principais influenciadores. Fala da guerra de egos, da hist\u00f3ria de Larry Page (fundador do Google), cujo pai, um dos primeiros especialistas em intelig\u00eancia artificial da hist\u00f3ria, tinha como objetivo de vida reproduzir o c\u00e9rebro humano. Ele criou o filho para continuar sua miss\u00e3o de maneira quase religiosa. Ali\u00e1s, o termo devo\u00e7\u00e3o religiosa pode ser aplicado a muitos tecn\u00f3logos, como Ray Kurzweil<\/a>, que acredita que a tecnologia resolver\u00e1 todos os problemas dos humanos, que, segundo ele, no futuro n\u00e3o se diferenciar\u00e3o em nada das m\u00e1quinas.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 um cap\u00edtulo para falar de Mark Zuckerberg (Facebook), outro para Jeff Bezos (Amazon) e at\u00e9 Bill Gates (Microsoft). Foer analisa as origens da cultura do Vale do Sil\u00edcio, vinda da contracultura dos hippies dos anos 1960, para tentar entender como chegamos ao ponto de hoje. <\/p>\n\n\n\n

O autor n\u00e3o acusa os fundadores das grandes empresas de serem vil\u00f5es malvados; sua an\u00e1lise mais aprofundada nos leva \u00e0 conclus\u00e3o que eles s\u00e3o apenas pretensiosos. Na melhor das boas inten\u00e7\u00f5es, acreditam que sabem o que \u00e9 melhor para o mundo e v\u00e3o moldando tudo \u00e0 sua maneira, numa esp\u00e9cie de populismo lucrativo. <\/p>\n\n\n\n

Foer conta tamb\u00e9m como sua vis\u00e3o e an\u00e1lise do ambiente tornaram-no persona non grata<\/em> no Vale do Sil\u00edcio. Jeff Bezos pediu sua cabe\u00e7a por conta de um artigo n\u00e3o muito elogioso \u00e0 Amazon que ele publicou no jornal em que trabalhava, o New Republic<\/em>. <\/p>\n\n\n\n

O livro \u00e9 uma esp\u00e9cie de desabafo do jornalista que acredita que os algoritmos s\u00e3o, hoje, os maiores inimigos da democracia. E que nossa f\u00e9 na tecnologia n\u00e3o \u00e9 consistente com nossa f\u00e9 na liberdade, uma vez que nossa privacidade est\u00e1 sob amea\u00e7a. A ideia de livre concorr\u00eancia no mercado tamb\u00e9m est\u00e1 em risco e a dissemina\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica de fake news e teorias conspirat\u00f3rias cria o ambiente ideal para o autoritarismo. Ele alega que at\u00e9 ent\u00e3o, a m\u00e1quina e o homem estavam trabalhando de maneira colaborativa, mas agora estamos num patamar em que fus\u00e3o \u00e9 perigosa para o indiv\u00edduo.<\/p>\n\n\n\n

Olha, talvez haja um pouco de exagero na an\u00e1lise de Franklin Foer, mas ela \u00e9 muito bem fundamentada. O autor demonstra (pelo menos na minha vis\u00e3o de leiga), excelentes conhecimentos de hist\u00f3ria e filosofia. Tem um certo amargor sim, pois quem briga com gigantes sempre sai machucado. <\/p>\n\n\n\n

Mas acredito que vale a pena prestar aten\u00e7\u00e3o no que ele diz.<\/p>\n\n\n\n

Recomendo.<\/p>\n\n\n\n

* um trocadilho com underware<\/em> (roupa de baixo), s\u00f3 que wire<\/em> quer dizer fio. Ent\u00e3o seria algo como sob os fios, ou embaixo dos fios.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Um jornalista se rebela contra as grandes empresas de tecnologia e compartilha seu ponto de vista. Aqui a resenha.<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":25956,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"footnotes":"","two_page_speed":[],"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false},"categories":[45,46,23,57,79,49,99,77],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2020\/03\/DSC04657.jpeg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/25955"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=25955"}],"version-history":[{"count":7,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/25955\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":25963,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/25955\/revisions\/25963"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/25956"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=25955"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=25955"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=25955"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}