A solu\u00e7\u00e3o de Poincar\u00e9: em busca da forma do universo<\/em><\/strong>\u201d, de Donal O\u00b4Shea. O livro explica a solu\u00e7\u00e3o de um dos problemas matem\u00e1ticos mais complexos do nosso tempo de uma maneira simples, que leigos como eu possam entender do que se trata, e, mais que isso, o valor dessa solu\u00e7\u00e3o para o conhecimento humano.<\/p>\n\n
O livro come\u00e7a falando sobre como chegamos \u00e0 conclus\u00e3o de que a terra \u00e9 redonda, fato j\u00e1 sabido l\u00e1 pelos 200 A.C., quando o ent\u00e3o diretor da m\u00edtica Biblioteca de Alexandria, Erast\u00f3tenes, calculou o di\u00e2metro da terra com um inacredit\u00e1vel erro de apenas 3% contando s\u00f3 com o aux\u00edlio da trigonometria e da geometria herdadas de Pit\u00e1goras. Tudo isso medindo apenas as diferen\u00e7as dos \u00e2ngulos do sol em dois lugares de dist\u00e2ncia conhecida.<\/p>\n
\n
O belga Gehrard Mercator revolucionou a maneira como os mapas eram feitos ao projetar no plano \u00e1reas que cobriam a esfera da terra (e por isso, eram um pouco curvas). Ali\u00e1s, chamamos de Atlas uma cole\u00e7\u00e3o de mapas porque Mercator costumava encadernar os seus em brochuras que tinham o deus grego Atlas na capa (aquele sujeito que aparece carregando o mundo nas costas). Com o tempo, a terra toda foi esquadrinhada em mapas e a miss\u00e3o dos ge\u00f3grafos (e matem\u00e1ticos) era montar o quebra-cabe\u00e7as juntando as partes para formar um globo. Mas se a terra tivesse o formato de um tor\u00f3ide (a forma de uma c\u00e2mera de ar de pneu ou uma rosca com um furo no meio), as propriedades seriam bem parecidas; como saber? A terra poderia ter infinitas outras formas plenamente justific\u00e1veis. S\u00f3 as demonstra\u00e7\u00f5es matem\u00e1ticas \u00e9 que conseguiram mostrar que a terra tem o formato ge\u00f3ide (esfera com os p\u00f3los achatados) antes de podermos voar e olh\u00e1-la de fora para ter certeza absoluta de que n\u00e3o viv\u00edamos na superf\u00edcie de uma rosca.<\/p>\n
\n
Em resumo, os mapas, quadradinhos de duas dimens\u00f5es (largura e altura), s\u00e3o montados e curvados para construir a terra, que tem uma dimens\u00e3o a mais, a profundidade (que a gente s\u00f3 percebe se olhar de fora). Pois o pr\u00f3ximo passo natural \u00e9 pensar a forma do universo, confere?<\/p>\n
\n
S\u00f3 que agora, os mapas n\u00e3o s\u00e3o mais folhinhas de papel, mas cubos transparentes que pegam pedacinhos do universo contendo planetas, gal\u00e1xias e buracos negros. Os estudos matem\u00e1ticos indicam que o universo n\u00e3o \u00e9 infinito, por mais que possamos vagar indefinidamente por ele (a terra \u00e9 finita e podemos andar infinitamente por ela sem parar). Pois o desafio \u00e9 juntar esses cubinhos para construir a forma do universo, que, pela l\u00f3gica, precisa ter uma dimens\u00e3o a mais quando visto de fora.<\/p>\n
\n
S\u00f3 que, como a gente n\u00e3o pode sair do universo para olhar que forma ele tem, teremos que contar unicamente com a matem\u00e1tica para nos ajudar. H\u00e1 tempos se sabe que essa quarta dimens\u00e3o \u00e9 o tempo, e, para montar a figura, ter\u00edamos que \u201ccurvar\u201d essa dimens\u00e3o e encaixar os mapas tridimensionais para formar o universo quadrimensional (a gente n\u00e3o consegue imaginar como \u00e9 porque s\u00f3 consegue visualizar coisas com somente altura, largura e profundidade, no m\u00e1ximo).<\/p>\n
\n
Mas os matem\u00e1ticos, sujeitos para l\u00e1 de imaginativos, n\u00e3o s\u00f3 conseguem visualizar como tamb\u00e9m equacionar todas as rela\u00e7\u00f5es em qualquer n\u00famero de dimens\u00f5es.<\/p>\n
\n
Donal O\u00b4Shea vai explicando os princ\u00edpios aos poucos e a sensa\u00e7\u00e3o clara \u00e9 que os meus neur\u00f4nios v\u00e3o se esticando e se alongando para acompanhar o racioc\u00ednio. Sensa\u00e7\u00e3o deliciosa e inexplic\u00e1vel; s\u00f3 adianto que d\u00f3i um pouco quando a gente est\u00e1 enferrujada.<\/p>\n
\n
A tal conjectura de Poincar\u00e9, que s\u00f3 conseguiu ser provada em 2003, fala justamente sobre a forma do universo e a equa\u00e7\u00e3o que a descreve. Em matem\u00e1tica, os achismos e opini\u00f5es s\u00e3o completamente descartados e o rigor de defini\u00e7\u00f5es e procedimentos \u00e9 fundamental para que as conclus\u00f5es sejam provadas sem espa\u00e7o para d\u00favidas de qualquer tipo; por isso demorou tanto para se ter certeza.<\/p>\n
\n
Ainda estou no come\u00e7o do livro (agora ele vai come\u00e7ar a explicar como o russo Grigory Perelman conseguiu provar a conjectura) e os neur\u00f4nios j\u00e1 est\u00e3o doloridos, mas vou continuar assim mesmo (a tenta\u00e7\u00e3o de saber mais \u00e9 maior). Que assombrosa capacidade de abstra\u00e7\u00e3o essas pessoas aparentemente t\u00e3o discretas conseguem ter, n\u00e9? A maior parte \u00e9 assim quietinha porque carrega, literalmente, um universo inteiro dentro da cabe\u00e7a.<\/p>\n
\n
Mas o que mais me impressionou at\u00e9 agora foi a contextualiza\u00e7\u00e3o do feito. O brilhante Henri Poincar\u00e9 esbo\u00e7ou sua conjectura em 1904, e, desde ent\u00e3o, o problema tem sido exaustivamente estudado por gente do mundo inteiro. Sua import\u00e2ncia \u00e9 tal que um instituto de pesquisa americano ofereceu U$ 1 milh\u00e3o para quem conseguisse prov\u00e1-lo. Depois que o russo publicou um artigo, em 2002, com um esbo\u00e7o de solu\u00e7\u00e3o, matem\u00e1ticos de v\u00e1rias nacionalidades trabalharam em conjunto e acrescentaram observa\u00e7\u00f5es que ajudaram a esclarecer os pontos obscuros e expandir trechos concisos demais. O trabalho teria sido inconceb\u00edvel 30 anos antes, quando muitas das t\u00e9cnicas utilizadas ainda n\u00e3o existiam.<\/p>\n
\n
Fico realmente comovida em saber que centenas de estudiosos conseguiram superar seus egos para contribuir com a solu\u00e7\u00e3o de um problema cujo pr\u00eamio e reconhecimento seria dado a algu\u00e9m que eles sequer conheciam pessoalmente. Talvez porque calcular forma do universo seja uma coisa t\u00e3o grandiosa que tudo fica pequeno e sem import\u00e2ncia diante disso.<\/p>\n
\n
Fiquei pensando que, se em todas as atividades humanas (incluindo o design) as pessoas fossem t\u00e3o generosas quanto esses matem\u00e1ticos, qu\u00e3o mais avan\u00e7ados j\u00e1 ser\u00edamos, heim?<\/p>\n
\n
Talvez estejamos todos precisando um pouco mais de gin\u00e1stica mental…<\/p>\n
\n
L\u00edgia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br<\/a><\/p>\n<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Pois passei os \u00faltimos dias encantada com \u201cA solu\u00e7\u00e3o de Poincar\u00e9: em busca da forma do universo\u201d, de Donal O\u00b4Shea. O livro explica a solu\u00e7\u00e3o de um dos problemas matem\u00e1ticos mais complexos do nosso tempo de uma maneira simples, que leigos como eu possam entender do que se trata, e, mais que isso, o valor dessa solu\u00e7\u00e3o para o conhecimento humano.<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":2602,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"footnotes":"","two_page_speed":[],"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false},"categories":[45,46,25,49,51],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2601"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=2601"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2601\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=2601"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=2601"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=2601"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}