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{"id":26124,"date":"2020-08-03T11:34:07","date_gmt":"2020-08-03T14:34:07","guid":{"rendered":"http:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/?p=26124"},"modified":"2020-08-03T11:34:11","modified_gmt":"2020-08-03T14:34:11","slug":"sobre-ter-certezas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/sobre-ter-certezas\/","title":{"rendered":"Sobre ter certezas"},"content":{"rendered":"\n

O t\u00edtulo \u201cOn being certain: believing you are right even when you\u2019re not<\/em>\u201d (Tradu\u00e7\u00e3o livre: \u201cSobre ter certezas: acreditando que voc\u00ea est\u00e1 certo mesmo quando n\u00e3o est\u00e1<\/em>\u201d) me atraiu logo de cara. Mas confesso que achei a obra do neurologista Robert A. Burton muito chata. <\/p>\n\n\n\n

Sabe aqueles livros que poderiam ter sido apenas um bom artigo, mas precisam preencher 250 p\u00e1ginas, ent\u00e3o ficam recheados com um monte de hist\u00f3rias intermin\u00e1veis? Ent\u00e3o. Mas se abusa um pouco da paci\u00eancia do leitor, n\u00e3o chega a  n\u00e3o tira o valor do conte\u00fado.<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n

Vamos l\u00e1, ent\u00e3o!<\/p>\n\n\n\n

O autor come\u00e7a explicando que a sensa\u00e7\u00e3o de que a gente sabe uma coisa, assim como os sentimentos de familiaridade e estranhamento, n\u00e3o se encaixam nas categorias de estados mentais funcionais que os neurologistas estudam, como emo\u00e7\u00f5es, humores e pensamentos. <\/p>\n\n\n\n

A sensa\u00e7\u00e3o de conhecimento e suas associadas (familiaridade, estranhamento) representam aspectos de um tipo diferente de atividade mental. Ela faz parte de um sistema interno de monitoramento que nos d\u00e1 acesso aos nossos pensamentos e julgamentos. Louco, n\u00e9?<\/p>\n\n\n\n

A analogia que ele usa para explicar isso s\u00e3o os v\u00e1rios sensores que temos no corpo; \u00e9 por meio da vis\u00e3o e da audi\u00e7\u00e3o que percebemos o mundo ao nosso redor, por exemplo. Da mesma maneira, temos um conjunto de sensores para acessar o nosso mundo interior<\/strong>.<\/p>\n\n\n\n

Funciona assim: quanto o corpo precisa de comida, o sensor da fome se faz notar. Quando estamos desidratados e precisamos de \u00e1gua, entra em a\u00e7\u00e3o o sensor da sede. Ent\u00e3o, temos sensores que nos conectam com o mundo exterior, mas tamb\u00e9m temos um conjunto para uso interno. <\/p>\n\n\n\n

Da mesma forma, segundo o estudioso, temos um sistema sensorial que informa para as nossas mentes o que n\u00f3s estamos pensando. Por exemplo: para incentivar o aprendizado<\/strong>, o c\u00e9rebro precisa ter a sensa\u00e7\u00e3o de que est\u00e1 indo no caminho certo<\/strong>, que o que ele est\u00e1 aprendendo est\u00e1 certo. Da mesma forma tamb\u00e9m desenvolvemos mecanismos de recompensa e encorajamento para pensamentos que ainda n\u00e3o foram testados, mas que podem ser \u00fateis no futuro.<\/p>\n\n\n\n

Para que a recompensa seja realmente poderosa e incentive o nosso c\u00e9rebro a pensar e aprender, algumas sensa\u00e7\u00f5es, como o que ele chama de \u201csentimento de que se sabe<\/em>\u201d e \u201csentimento de convic\u00e7\u00e3o<\/em>\u201d, precisam parecer conscientes e deliberadas conclus\u00f5es, apesar de n\u00e3o o serem. Como resultado, o c\u00e9rebro desenvolve uma constela\u00e7\u00e3o de sensa\u00e7\u00f5es mentais que se parecem com pensamentos racionais<\/strong>; mas, na verdade, n\u00e3o s\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Esses sentimentos involunt\u00e1rios e incontrol\u00e1veis s\u00e3o de fato sensa\u00e7\u00f5es mentais; sensa\u00e7\u00f5es essas sujeitas a uma vasta variedade de ilus\u00f5es perceptivas comuns a todos os sistemas sensoriais (lembre-se como \u00e9 f\u00e1cil enganar os olhos e ouvidos; por que n\u00e3o seria igual com os outros sensores?).<\/p>\n\n\n\n

Burton usa uma met\u00e1fora interessante: \u00e9 como se cada rede neural dentro de outra rede neural fosse um membro de um comit\u00ea enorme. <\/p>\n\n\n\n

Quando uma quest\u00e3o \u00e9 colocada, cada membro tem um voto e todos s\u00e3o computados at\u00e9 chegar numa conclus\u00e3o. Agora imagine que cada membro desse comit\u00ea representa uma sensa\u00e7\u00e3o mental; do sentimento de que se sabe ao sentimento de familiaridade, bizarrice, estranhamento, ou realidade.  Eles todos v\u00e3o participar da decis\u00e3o final a respeito de um pensamento, incluindo se est\u00e1 certo ou errado. <\/p>\n\n\n\n

Repare que n\u00e3o h\u00e1 nenhum voto parecido com \u201csensa\u00e7\u00e3o de entendimento<\/em>\u201d. \u00c9 que o membro respons\u00e1vel pela familiaridade \u201csim, eu conhe\u00e7o, j\u00e1 vi isso antes<\/em>\u201d tem um peso enorme. Junto com seu colega \u201csenso de convic\u00e7\u00e3o<\/em>\u201d eles atropelam os demais (a n\u00e3o ser que a coisa seja realmente muito bizarra). <\/p>\n\n\n\n

O resultado \u00e9 que se tem a sensa\u00e7\u00e3o de estar certo mesmo sem elementos suficientes para concluir isso, j\u00e1 que a an\u00e1lise n\u00e3o foi racional, mas emocional.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Segundo o neurocientista, esse sentimento de estar certo n\u00e3o \u00e9 uma coisa consciente, que possa ser controlada ou diminu\u00edda deliberadamente. O que a gente pode fazer \u00e9 conscientemente inserir novas informa\u00e7\u00f5es contr\u00e1rias; a\u00ed os valores e pesos podem ser reavaliados. Por isso o contradit\u00f3rio \u00e9 t\u00e3o importante.<\/p>\n\n\n\n

A mensagem \u00e9 que os sentimentos de conhecimento, corre\u00e7\u00e3o, convic\u00e7\u00e3o e certeza n\u00e3o s\u00e3o conclus\u00f5es racionais e escolhas conscientes. S\u00e3o sensa\u00e7\u00f5es mentais que acontecem e se baseiam mais na familiaridade e no conforto do conhecido do que em racioc\u00ednio l\u00f3gico.<\/p>\n\n\n\n

Para Robert, a defini\u00e7\u00e3o padr\u00e3o de SABER<\/em><\/strong> \u2014 perceber diretamente, apreender a informa\u00e7\u00e3o na mente com clareza e certeza, considerar a verdade al\u00e9m da d\u00favida \u2014 \u00e9 inconsistente quando se considera o entendimento atual das fun\u00e7\u00f5es cerebrais.<\/p>\n\n\n\n

Ele sugere que dever\u00edamos substituir a palavra saber<\/em><\/strong> por acreditar<\/strong><\/em> em todas as \u00e1reas, inclusive na ci\u00eancia. <\/p>\n\n\n\n

Em vez de dizer que tem certeza que tal causa provocou tal efeito, seria melhor reformular para \u201cacredito que tal causa provocou tal efeito, dadas as evid\u00eancias<\/em>\u201d. Isso n\u00e3o seria de forma alguma negar o conhecimento cient\u00edfico, mas reconhecer suas limita\u00e7\u00f5es. Passar a usar \u201ceu acredito<\/em>\u201d nos lembraria o tempo todo os limites do conhecimento e da objetividade. Mas \u00e9 claro que essa proposta n\u00e3o faria o menor sucesso, n\u00e9?<\/p>\n\n\n\n

Como autor diz, certeza \u00e9 algo biologicamente imposs\u00edvel ; precisamos aprender (e ensinar nossas crian\u00e7as) a tolerar os desprazeres da incerteza. A ci\u00eancia j\u00e1 tem a linguagem e a ferramenta; chama-se probabilidade.<\/p>\n\n\n\n

Para fechar, ele deixa uma frase \u00f3tima do Pr\u00eamio Nobel de F\u00edsica (2004), David Gross: \u201cO produto mais importante do conhecimento \u00e9 a ignor\u00e2ncia<\/em><\/strong>\u201d. <\/p>\n\n\n\n

De fato. S\u00f3crates j\u00e1 dizia isso l\u00e1 atr\u00e1s — ele sabia que n\u00e3o sabia nada\u2026<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Resenha do livro “On being certain”do neurocientista Robert Burton. Para voc\u00ea que acha que sabe e para voc\u00ea que n\u00e3o faz ideia…<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":26130,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"footnotes":"","two_page_speed":[],"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false},"categories":[45,46,23,49,108,110],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2020\/08\/IMG_1554-2.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26124"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=26124"}],"version-history":[{"count":3,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26124\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":26131,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26124\/revisions\/26131"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/26130"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=26124"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=26124"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=26124"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}