At\u00e9 bem pouco atr\u00e1s, confesso, nunca tinha ouvido falar de Richard Feynman. Mas antes tarde do que nunca; feliz em saber um pouco mais sobre essa figura \u00fanica que habitou nosso planeta durante alguns anos. <\/p>\n\n\n\n

Feynman foi o ganhador do pr\u00eamio Nobel de F\u00edsica em 1965 e, sob todos os pontos de vista, um g\u00eanio. Mas por que a vida de um f\u00edsico te\u00f3rico conhecido por sua contribui\u00e7\u00e3o em eletrodin\u00e2mica qu\u00e2ntica, f\u00edsica das part\u00edculas, f\u00edsica da superfluidez e do h\u00e9lio l\u00edquido, comportamento de part\u00edculas subat\u00f4micas e precursor da computa\u00e7\u00e3o qu\u00e2ntica haveria de ser interessante?<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n

\u00c9 claro que gente inteligente \u00e9 sempre interessante, mas esse sujeito era uma figura! E parte da vida dele est\u00e1 registrada nos \u00f3timos \u201cSurely you\u2019re jocking, Mr. Feynman!<\/em><\/strong>\u201d e “What Do You Care What Other People Think?<\/em><\/strong>\u201d<\/em> (tradu\u00e7\u00e3o livre: \u201cO senhor s\u00f3 pode estar brincando, Mr. Feynman\u201d e \u201cVoc\u00ea liga para o que os outros pensam?\u201d<\/em>). Ambos os livros s\u00e3o colet\u00e2neas de hist\u00f3rias que o editor Ralph Leighton reuniu durante sete anos de conviv\u00eancia com o f\u00edsico. O resultado \u00e9 uma biografia diferente, onde parece que voc\u00ea est\u00e1 sentado numa mesa de bar ouvindo Mr. Feynman contar seus \u201ccausos\u201d.<\/p>\n\n\n\n

INF\u00c2NCIA E ADOLESC\u00caNCIA<\/h3>\n\n\n\n

Feynman come\u00e7a falando da sua inf\u00e2ncia, em que recebeu todo incentivo poss\u00edvel de seu pai, um vendedor muito talentoso e inteligente que queria que ele fosse um cientista (acertou em cheio; a irm\u00e3 mais nova dele \u00e9 tamb\u00e9m uma respeitada astrof\u00edsica). Quando crian\u00e7a, ele tinha um laborat\u00f3rio em casa onde fazia todo tipo de experimento e se divertia muito com os coleguinhas. <\/p>\n\n\n\n

Em um ver\u00e3o em que ele tinha 17 anos, foi trabalhar com servi\u00e7os gerais num hotel administrado pela tia. O mo\u00e7o era cheio das ideias e, incomodado com o fato do aparelho de telefone ficar longe das mesas que ele precisava servir (tinha que fazer os dois trabalhos ao mesmo tempo), bolou um dispositivo para conseguir alcan\u00e7\u00e1-lo \u00e0 dist\u00e2ncia. Todo mundo detestou tanta proatividade, mas isso era bem a cara dele: ficar pensando em como melhorar as coisas e fazer prot\u00f3tipos para testar as ideias. <\/p>\n\n\n\n

NA UNIVERSIDADE<\/h3>\n\n\n\n

Feynman adorava pregar pe\u00e7as e fazer brincadeiras com as pessoas; seus colegas de faculdade eram as maiores v\u00edtimas. Ele vivia aprontando, tanto que certa vez chegou a desinstalar uma porta de um dos quartos da fraternidade onde morava e escondeu no quintal. Ele at\u00e9 participou da comiss\u00e3o para descobrir o culpado, at\u00e9 que algu\u00e9m perguntou se ele mesmo tinha feito isso e ele confirmou (ele nunca mentia). S\u00f3 que ningu\u00e9m acreditou!<\/p>\n\n\n\n

O mo\u00e7o era o contr\u00e1rio do que estere\u00f3tipo dos g\u00eanios nerds: adorava encontrar pessoas diferentes, amava dan\u00e7ar e frequentar festas, ia a bares conversar com desconhecidos e fazia amizade com facilidade. A curiosidade era infinita: ele queria aprender tudo. Tinha facilidade para l\u00ednguas e m\u00fasica, al\u00e9m de aparentemente ser bom dan\u00e7arino.<\/p>\n\n\n\n

Eu me acabei de rir e super me identifiquei com um caso em que ele conta que estava jantando no refeit\u00f3rio da faculdade quando um professor anunciou que teriam um convidado especial para uma palestra que iria tratar de hipnotismo. Ele estava anotando nomes de pessoas que quisessem ser volunt\u00e1rias para um experimento e Feynman n\u00e3o podia perder isso de jeito nenhum. Sei bem como \u00e9, eu era volunt\u00e1ria convicta e oferecida para tudo o que aparecesse, a ponto dos professores pedirem para ficar quieta e deixar os outros participarem\u2026rs<\/p>\n\n\n\n

Bom, Richard ficou nervos\u00edssimo, pois imaginou que a disputa seria muito acirrada (quem n\u00e3o ia querer participar?) e ele estava bem no fundo da sala lotada. Eis que quando o professor perguntou quem queria se voluntariar, o mo\u00e7o berra com todas as for\u00e7as, justamente para se sobressair na multid\u00e3o: \u201cEuuuuuuuuuuuuuuuuuu<\/em>!\u201d. S\u00f3 que ele foi a \u00fanica pessoa que achou a ideia atraente\u2026..hahahahahahahaha\u2026 imagino que o berro deva ter ecoado e assustado todo mundo. No final, o professor, rindo, falou: \u201cFeynman, \u00e9 claro que seu nome j\u00e1 estava aqui. Eu estava perguntando se, al\u00e9m de voc\u00ea, algu\u00e9m mais gostaria de participar<\/em>\u201d\u2026 <\/p>\n\n\n\n

A BOMBA AT\u00d4MICA<\/h3>\n\n\n\n

Rec\u00e9m-formado, assim como toda a gera\u00e7\u00e3o dele, foi convocado para os esfor\u00e7os americanos na segunda guerra Mundial. Novinho de tudo, ele n\u00e3o tinha muita no\u00e7\u00e3o de onde estava se metendo, mas ficou feliz de poder ajudar o pa\u00eds justamente contribuindo na sua \u00e1rea de conhecimento. Eis que ele foi transferido para um complexo de pesquisa especialmente constru\u00eddo para pesquisar a bomba at\u00f4mica, chamado Los Alamos.<\/p>\n\n\n\n

Mais tarde, mais maduro e depois da guerra, ele questiona se devia realmente ter colaborado (penso que a maioria dos participantes  passou parte da vida se debatendo internamente a esse respeito).<\/p>\n\n\n\n

O mais bacana \u00e9 que ele admite quando n\u00e3o entende de um assunto e confessa sem problemas quando acerta por pura sorte, como foi o caso de uma planta heliogr\u00e1fica (aqueles rolos enormes impressos em azul) que mostrava o projeto das edifica\u00e7\u00f5es em Los Alamos.<\/p>\n\n\n\n

Ele j\u00e1 tinha fama de g\u00eanio naquela \u00e9poca porque sabia fazer as perguntas pertinentes que indicavam a chave para a solu\u00e7\u00e3o dos problemas, mas \u00e9 \u00f3bvio que ningu\u00e9m domina todos os assuntos. Eis que foi chamado para uma comiss\u00e3o que investigava a seguran\u00e7a dos pr\u00e9dios que guardavam material radioativo para os experimentos da bomba at\u00f4mica. Mostraram a tal planta e ele n\u00e3o conseguiu entender nada, pois desconhecia os s\u00edmbolos. <\/p>\n\n\n\n

Mal prestou aten\u00e7\u00e3o no que o povo dizia (parecia outra l\u00edngua, por causa dos termos t\u00e9cnicos que ele n\u00e3o dominava, pois n\u00e3o era engenheiro). At\u00e9 que, intrigad\u00edssimo com um s\u00edmbolo que ele n\u00e3o conseguia identificar, resolveu chutar que era uma v\u00e1lvula. Mas como saber? Ele perguntou \u201cE se essa v\u00e1lvula desse defeito?<\/em>\u201d. Se ele tivesse errado, algu\u00e9m ia dizer: \u201cO senhor est\u00e1 enganado; isso \u00e9 uma janela, n\u00e3o uma v\u00e1lvula!<\/em>\u201d. <\/p>\n\n\n\n

Mas n\u00e3o \u00e9 que o neg\u00f3cio era mesmo uma v\u00e1lvula que comprometia toda a seguran\u00e7a? Desnecess\u00e1rio dizer que sua fama de g\u00eanio s\u00f3 aumentou, mas \u00e9 muito bacana ele se dispor a desmistificar contando os bastidores. Isso acontece em v\u00e1rias hist\u00f3rias do livro.<\/p>\n\n\n\n

BRASIL<\/h3>\n\n\n\n

Feynman passou mais de um ano no Brasil e aprendeu portugu\u00eas para dar aulas na UFRJ como professor convidado. Ele adorava as festas, a m\u00fasica, a comida e a informalidade das pessoas. Tanto que aprendeu a toca frigideira (n\u00e3o sabia que esse instrumento musical existia) e pelo jeito tocava bem; fez parte da bateria de uma escola de samba e tudo.<\/p>\n\n\n\n

Sobre a UFRJ, ele foi bem duro (e sincero, como era bem do seu feitio). No discurso de encerramento de um dos cursos, pediram para ele falar sobre a experi\u00eancia e ele disse, preocupado, que os alunos brasileiros eram muito dedicados, mas n\u00e3o sabiam pensar. Eles s\u00f3 decoravam as regras para responder \u00e0s perguntas de maneira correta. Quando ele mudava os exemplos para casos reais, o povo travava e n\u00e3o conseguia raciocinar. O discurso chocou os presentes, claro, mas ele foi categ\u00f3rico. <\/p>\n\n\n\n

O ARTISTA<\/h3>\n\n\n\n

Feynman tamb\u00e9m aprendeu a desenhar e pintar (praticamente um Rodrigo Hilbert daquela \u00e9poca\u2026rs) e chegou a vender quadros, al\u00e9m de ter uma amizade fort\u00edssima com um artista da \u00e9poca. Ele amava pessoas com ideias diferentes e outros pontos de vista (apesar de que, como n\u00f3s mortais, muitas vezes ele n\u00e3o entendesse exatamente o que estava sendo dito).<\/p>\n\n\n\n

O NOBEL<\/h3>\n\n\n\n

Ele conta indignado que foi acordado de madrugada por uma pessoa da equipe do Nobel dizendo que ele havia ganho o pr\u00eamio de f\u00edsica. Desligou o telefone porque estava com sono e a pessoa insistiu, at\u00e9 que ele perguntou se as liga\u00e7\u00f5es parariam se ele recusasse o pr\u00eamio. <\/p>\n\n\n\n

Foi a\u00ed que descobriu que n\u00e3o poderia recusar e se conformou. Ele n\u00e3o gostava de ser uma celebridade porque preferia se misturar com as pessoas. <\/p>\n\n\n\n

Ele amava falar de f\u00edsica para estudantes e, depois disso, convidado pelos alunos canadenses para um evento em que participava todo ano, s\u00f3 topou ir se a palestra fosse anunciado como sendo de outra pessoa (apesar do mesmo tema). Assim ele garantiria que apenas os normalmente vinte e poucos interessados iriam assisti-lo; o combinado era que a organiza\u00e7\u00e3o, na hora da palestra, diria que o professor n\u00e3o p\u00f4de vir e seria substitu\u00eddo pelo Mr. Feynman. Funcionou, mas o reitor ficou put\u00edssimo, pois se soubesse que o pr\u00eamio Nobel iria estar l\u00e1, teria reservado o audit\u00f3rio principal para 600 curiosos; tudo que o f\u00edsico queria evitar.<\/p>\n\n\n\n

O PRIMEIRO CASAMENTO<\/h3>\n\n\n\n

No segundo livro, ele fala de sua primeira esposa (Feynman foi casado tr\u00eas vezes). Ele a conheceu quando estava entrando na faculdade e se apaixonaram. Logo em seguida, souberam que ela tinha uma doen\u00e7a fatal e que duraria apenas alguns anos. Feynman ent\u00e3o resolveu se casar com ela para pod\u00ea-la visitar no hospital sempre que quisesse. Eles passaram cinco anos juntos; ela sempre internada e ele indo visit\u00e1-la nos finais de semana. Uma hist\u00f3ria muito linda.<\/p>\n\n\n\n

O FINAL<\/h3>\n\n\n\n

O segundo livro tamb\u00e9m conta a participa\u00e7\u00e3o dele na comiss\u00e3o que investigou os motivos do acidente com o \u00f4nibus espacial Challenger, em 1986. Ele conta os bastidores, a teimosia dele em sempre falar a verdade e quase quebrar a cara com isso, as coisas que aprendeu e experimentou.<\/p>\n\n\n\n

Esse g\u00eanio e ser humano incr\u00edvel morreu em 1988, v\u00edtima de dois tipos raros de c\u00e2ncer raro, quando estava fazendo a \u00faltima tentativa de cirurgia, aos 69 anos. Que perda.  <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Resenha dos livros \u201cSurely you\u2019re jocking, Mr. Feynman!\u201d e “What Do You Care What Other People Think?\u201d que contam a vida do f\u00edsico ganhador do Nobel Richard Feynman.<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":26435,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"footnotes":"","two_page_speed":[],"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false},"categories":[25,82,75,49,110],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2021\/01\/IMG_0072.jpeg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26434"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=26434"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26434\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":26436,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26434\/revisions\/26436"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/26435"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=26434"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=26434"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=26434"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}