Achei \u201cDer Zopf<\/em><\/strong>\u201d (tradu\u00e7\u00e3o livre: \u201cA tran\u00e7a<\/em>\u201d) num sebo e n\u00e3o resisti. Primeiro, porque a capa \u00e9 linda (j\u00e1 expliquei que sou dessas\u2026rs); segundo, porque foi um bestseller<\/em> aqui na Alemanha. A autora, Laetitia Colombani, \u00e9 uma atriz e diretora francesa e a hist\u00f3ria j\u00e1 virou filme (n\u00e3o assisti, pra variar).<\/p>\n\n\n\n A hist\u00f3ria \u00e9 uma tran\u00e7a mesmo; s\u00e3o tr\u00eas mulheres morando em tr\u00eas continentes diferentes e com hist\u00f3rias completamente diversas cujas trajet\u00f3rias acabam se encontrando no final, como uma tran\u00e7a. <\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n Primeiro temos Smita, uma indiana que vive uma vida miser\u00e1vel como parte da casta dos Dalits<\/em>, os intoc\u00e1veis. Sua condi\u00e7\u00e3o social \u00e9 ditada pela religi\u00e3o; depois me dei conta como as religi\u00f5es se prestam maravilhosamente para manter a estrutura social que beneficia quem est\u00e1 no topo, tomando as decis\u00f5es. No caso da Smita, como \u00e9 uma intoc\u00e1vel, seu trabalho \u00e9 limpar as fossas das casas retirando excrementos humanos com as m\u00e3os. Ela n\u00e3o recebe dinheiro por esse trabalho; apenas restos de comida, caso os donos das casas, de castas superiores, estiverem de bom-humor. <\/p>\n\n\n\n Seu marido faz a parte de desratiza\u00e7\u00e3o. Se os superiores forem generosos, ele pode levar os ratos que conseguiu ca\u00e7ar durante o dia para casa. E \u00e9 isso que eles comem. <\/p>\n\n\n\n Como se faz para um ser humano se submeter a isso sem se revoltar? A religi\u00e3o, \u00e9 claro. Os Br\u00e2manes (a casta superior) explicam que os Dalits<\/em> ainda n\u00e3o s\u00e3o suficientemente evolu\u00eddos espiritualmente para ter uma vida melhor; mas que n\u00e3o se preocupem; a cada encarna\u00e7\u00e3o v\u00e3o subindo de casta (e classe social). Ou seja, eles t\u00eam uma vida miser\u00e1vel porque \u00e9 isso que merecem, pelo menos por ora.<\/p>\n\n\n\n Ent\u00e3o o jeito \u00e9 esperar e obedecer aos desejos de Deus, n\u00e9? Repare que as palavras de Deus sempre s\u00e3o traduzidas e interpretadas por quem est\u00e1 no topo do privil\u00e9gio e muito confort\u00e1vel com a situa\u00e7\u00e3o. <\/p>\n\n\n\n Isso me fez lembrar de outra religi\u00e3o, que diz que as mulheres devem casar virgens, n\u00e3o podem se divorciar e precisam obedecer aos seus maridos. Adivinhe: \u00e9 uma que n\u00e3o admite mulheres nos escal\u00f5es superiores de poder. Que conveniente, n\u00e3o \u00e9 mesmo?<\/p>\n\n\n\n Bem, enfim. Smita, que \u00e9 inteligente, acha tudo isso um absurdo e n\u00e3o quer que Lalita, sua filha de 6 anos, passe pelo mesmo mart\u00edrio de uma vida inteira de tortura e mis\u00e9ria. Smita quer que sua filha aprenda a ler e a escrever (ela n\u00e3o teve essa chance, pois os Dalits<\/em> s\u00e3o proibidos de ir \u00e0 escola). Seu marido, escolhido por seus pais quando ainda era uma crian\u00e7a, \u00e9 at\u00e9 uma criatura boa (n\u00e3o bate nela\u2026). O problema \u00e9 que ele \u00e9 muito temente a Deus e tem pavor do que pode acontecer caso desobede\u00e7am o que est\u00e1 determinado. <\/p>\n\n\n\n Smita teima e consegue juntar umas moedas para subornar o br\u00e2mane e permitir que sua filha estude (o dinheiro resolve tudo, como sempre). A menina volta chorando e com a roupa rasgada no primeiro dia. O Br\u00e2mane mandou-a varrer a sala em vez de estudar e ela se recusou; por isso, apanhou. Smita acha que o limite chegou e resolve fugir com a filha para o outro lado do pa\u00eds, onde tem parentes.<\/p>\n\n\n\n Depois temos Giulia, uma italiana de 20 anos que mora em Palermo, na Sic\u00edlia. Ela trabalha na f\u00e1brica de perucas que seu pai herdou do pai dele, e ama ler. Na biblioteca, encontra-se com um refugiado da regi\u00e3o da Caxemira que quer se aprimorar na l\u00edngua italiana; ele \u00e9 da religi\u00e3o Sikh (aqueles homens que n\u00e3o podem cortar o cabelo e usam turbante). Os dois se apaixonam e vivem uma hist\u00f3ria secreta de amor (os sicilianos s\u00e3o muito preconceituosos e ela \u00e9 de uma fam\u00edlia tradicional).<\/p>\n\n\n\n Eis que o pai de Giulia sofre um ataque do cora\u00e7\u00e3o e ela descobre que a f\u00e1brica, onde \u00e9 amiga de todas as funcion\u00e1rias, que trabalham l\u00e1 desde antes dela nascer, est\u00e1 falida. Agora talvez tenha que se casar com um rapaz rico e insuport\u00e1vel que a adora, para salvar a m\u00e3e e as irm\u00e3s da mis\u00e9ria. <\/p>\n\n\n\n A terceira personagem \u00e9 Sarah, uma canadense workaholic<\/em>. Sarah \u00e9 advogada e abre m\u00e3o completamente de sua vida pessoal (trabalha at\u00e9 mais tarde sempre e nos finais de semana; nunca tira f\u00e9rias), a ponto de conseguir esconder as duas gravidezes (uma delas de g\u00eameos). <\/p>\n\n\n\n Como recompensa, foi, a duras penas, promovida a s\u00f3cia do escrit\u00f3rio onde trabalha. No ambiente extremamente machista e predat\u00f3rio, ela disputa com colegas os casos mais dif\u00edceis e trabalha incansavelmente. At\u00e9 que descobre ter um c\u00e2ncer de mama, a mesma doen\u00e7a que matou sua m\u00e3e. <\/p>\n\n\n\n Sarah consegue fazer a cirurgia e algumas sess\u00f5es de quimioterapia em segredo, mas uma funcion\u00e1ria acaba descobrindo sua doen\u00e7a por acaso e espalha a not\u00edcia. Jogada para escanteio sem muita cerim\u00f4nia, agora Sarah enfrenta a doen\u00e7a e uma crise profissional, que at\u00e9 ent\u00e3o tinha definido toda a sua vida.<\/p>\n\n\n\n E agora, como o destino dessas tr\u00eas mulheres se encontram na tran\u00e7a?<\/p>\n\n\n\n Claro que n\u00e3o vou dar spoiler<\/em>, n\u00e9? Achei a hist\u00f3ria bem contada e interessante, apesar de nada muito sensacional. De qualquer maneira, a vers\u00e3o em portugu\u00eas est\u00e1 com a mesma capa linda e por um pre\u00e7o bem acess\u00edvel. Daria um bom presente de natal.<\/p>\n\n\n\n Recomendo!<\/p>\n\n\n\n