Uma das coisas que me deixa mais encantada \u00e9 sobre qu\u00e3o infinito \u00e9 o mundo dos livros que a gente ainda n\u00e3o conhece; mesmo que o livro em quest\u00e3o seja muito antigo. \u00c9 o caso do \u201cThe futurological congress<\/em>\u201d, de Stanislaw Lem, um polon\u00eas que foi um dos mais influentes escritores de fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica desde H.G. Wells. <\/p>\n\n\n\n

Lem \u00e9 autor do cl\u00e1ssico Solaris (que tamb\u00e9m n\u00e3o li). O Conrado me contou a hist\u00f3ria; ela \u00e9, de fato, genial, mas sua complexidade explica o fracasso na tentativa de fazer um filme razo\u00e1vel (tamb\u00e9m n\u00e3o vi o filme, mas todo mundo fala mal\u2026rs).<\/p>\n\n\n\n

O que posso dizer? Nossa, que s\u00e1tira mais incr\u00edvel! Como eu n\u00e3o tinha lido isso antes?<\/p>\n\n\n\n

A hist\u00f3ria come\u00e7a com um astronauta (Ijon Tichy) voltando \u00e0 Terra para participar de um Congresso de Futurologia (seria o que hoje chamar\u00edamos Futurismo) na Costa Rica, na cidade de Nounas (desconfio que seja uma cidade fict\u00edcia, pois n\u00e3o achei no mapa). O local foi escolhido por ser um dos mais representativos do problema que ser\u00e1 tratado no evento: a superpopula\u00e7\u00e3o no planeta Terra.<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n

O livro foi escrito em 1974, ent\u00e3o a primeira parte se passa em um futuro n\u00e3o muito distante. Tichy s\u00f3 vai nesse congresso a pedido do professor Tarantoga. O evento acontece em um hotel imenso da rede Hilton de 106 andares; antes de come\u00e7arem os trabalhos, h\u00e1 uma contamina\u00e7\u00e3o na \u00e1gua corrente que faz com que todos os que a tenham tomado sofram alucina\u00e7\u00f5es. Ao mesmo tempo, h\u00e1 uma revolta popular nas ruas e gases alucin\u00f3genos tamb\u00e9m s\u00e3o utilizados. <\/p>\n\n\n\n

Mesmo escondidos no subsolo da constru\u00e7\u00e3o, na rede de esgotos, Tichy, Tarantoga, alguns congressistas e o staff do hotel n\u00e3o conseguem escapar totalmente dos efeitos. Aqui cabe uma observa\u00e7\u00e3o: a descri\u00e7\u00e3o das cenas \u00e9 extremamente machista, onde as secret\u00e1rias todas existem apenas para satisfazer caprichos de todos os tipos de seus patr\u00f5es. Mas, enfim, pulemos essa parte constrangedora.<\/p>\n\n\n\n

Tichy sofre v\u00e1rias alucina\u00e7\u00f5es pra l\u00e1 de criativas, at\u00e9 que acorda em 2039. A informa\u00e7\u00e3o \u00e9 que seu corpo foi resgatado, congelado e reavivado a partir de partes de outros (tipo um Frankstein). N\u00e3o entendi muito bem porque, com um problema ainda mais s\u00e9rio de superpopula\u00e7\u00e3o, eles ainda se d\u00e3o ao trabalho de congelar corpos para ressuscit\u00e1-los depois. Enfim.<\/p>\n\n\n\n

Tichy acorda e tem uma enfermeira que ir\u00e1 fazer a sua introdu\u00e7\u00e3o nesse novo mundo cheio de novidades e palavras novas. Nessa nova realidade, por exemplo, as pessoas absorvem conhecimento comendo coisas (o conceito de devorar livros foi atualizado..rs). <\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 drogas para absolutamente tudo: se voc\u00ea quiser acreditar que ganhou um pr\u00eamio Nobel, \u00e9 s\u00f3 tomar uma p\u00edlula e pronto, sua autoestima vai l\u00e1 para cima. Se voc\u00ea est\u00e1 insatisfeito com o que fez da vida, outra p\u00edlula entra em a\u00e7\u00e3o e d\u00e1 para zerar tudo e come\u00e7ar novamente. Os sonhos que voc\u00ea tem \u00e0 noite s\u00e3o comprados na farm\u00e1cia, como filmes.<\/p>\n\n\n\n

Se voc\u00ea n\u00e3o tem amigos, nenhum problema. H\u00e1 drogas que fazem voc\u00ea conversar consigo pr\u00f3prio como se fosse outra pessoa. O tema \u00e9 definido pelo tipo de droga que voc\u00ea escolhe.<\/p>\n\n\n\n

A maior parte das pessoas tem apenas um percentual do organismo realmente biol\u00f3gico; o resto \u00e9 artificial. Se a pessoa morre, por algum motivo, pode ser ressuscitada indefinidamente sem problemas. Ali\u00e1s, o homic\u00eddio s\u00f3 \u00e9 crime se praticado muitas vezes sucessivamente tentando matar a mesma pessoa. <\/p>\n\n\n\n

As pris\u00f5es foram substitu\u00eddas por exoesqueletos que monitoram a pessoa o tempo todo, impedindo-as de cometer atos il\u00edcitos.<\/p>\n\n\n\n

Voc\u00ea pode pegar quanto dinheiro no banco e ningu\u00e9m \u00e9 obrigado a devolver. Mas as correspond\u00eancias de cobran\u00e7a s\u00e3o impregnadas com uma subst\u00e2ncia que desperta o senso de responsabilidade no c\u00e9rebro. Alguns espertinhos tapam o nariz na hora de abrir as cartas, mas n\u00e3o s\u00e3o maioria. <\/p>\n\n\n\n

O clima \u00e9 decidido por voto da maioria; se o povo quiser chuva, chove. Sen\u00e3o n\u00e3o. H\u00e1 arco-\u00edris quadrados, entre outras aberra\u00e7\u00f5es (que n\u00e3o s\u00e3o da natureza). Por que n\u00e3o, uma vez que tudo \u00e9 alucina\u00e7\u00e3o, n\u00e9?<\/p>\n\n\n\n

O padr\u00e3o de beleza feminino para a pr\u00f3xima temporada (e n\u00e3o o masculino, observem) tamb\u00e9m \u00e9 definido por um preferendum<\/em>. Aqui o machismo d\u00e1 as caras novamente. E o autor comenta ainda que as mulheres s\u00e3o escravas da beleza, como se elas \u00e9 que inventassem esse tipo de absurdo\u2026<\/p>\n\n\n\n

Como o planeta est\u00e1 superpovoado, somente as pessoas que passam por um exame criterioso podem obter uma autoriza\u00e7\u00e3o para ter filhos. O outro jeito \u00e9 se arriscar numa loteria. Mas muita gente n\u00e3o obedece e estima-se que o n\u00famero de quase 30 bilh\u00f5es de pessoas registradas oficialmente seja muito maior na realidade. <\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 uma nova profiss\u00e3o (dentre as v\u00e1rias) que intriga o protagonista: o futur\u00f3logo. Diferente do futurologista, que faz prognoses sobre o futuro, os futur\u00f3logos estudam as possibilidades da linguagem; \u00e9 como uma previs\u00e3o etimol\u00f3gica, digamos assim. <\/p>\n\n\n\n

O futur\u00f3logo (no original futurologian<\/em>) investiga o futuro atrav\u00e9s das possibilidades transformacional das linguagens. A ideia \u00e9 que o homem pode controlar somente o que ele compreende; e ele s\u00f3 compreende o que consegue colocar em palavras. Achei muito interessante. E o livro, de fato, \u00e9 cheio de neologismos brilhantes e ressignifica\u00e7\u00e3o de palavras que j\u00e1 existem de um jeito muito original.<\/p>\n\n\n\n

E mais n\u00e3o posso dizer para n\u00e3o dar spoiler<\/em>. Mas minha recomenda\u00e7\u00e3o \u00e9: se voc\u00ea gosta de hist\u00f3rias criativas, leia. S\u00e3o ideias, sacadas e situa\u00e7\u00f5es curiosas, tudo recheado com muita ironia e sarcasmo. Vou procurar outros livros dele.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

***<\/p>\n\n\n\n

NOTA: mesmo sendo um livro t\u00e3o antigo e conhecido, n\u00e3o achei a vers\u00e3o em portugu\u00eas. Que coisa! N\u00e3o me admira que n\u00e3o conhecesse os outros trabalhos desse autor. N\u00e3o tem mesmo como escapar: o jeito \u00e9 ler os livros no original mesmo. Se voc\u00ea ainda n\u00e3o consegue, considere colocar como resolu\u00e7\u00e3o de ano-novo!<\/p>\n\n\n\n

Para quem quiser\/puder ler no original, aqui est\u00e1 o link<\/a> para comprar o livro na Amazon do Brasil<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

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Resenha do livro \u201cThe futurological congress\u201d, de Stanislaw Lem.<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":26957,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"footnotes":"","two_page_speed":[],"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false},"categories":[113,57,75,49,99,110,77],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-content\/uploads\/2022\/01\/JPEG-image-515F64E1FFB5-1.jpeg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26956"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=26956"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26956\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":26958,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/26956\/revisions\/26958"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/26957"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=26956"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=26956"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ligiafascioni.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=26956"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}