Eu assino algumas newsletters de livros e tamb\u00e9m leio resenhas diversas para saber o que est\u00e1 acontecendo no mundo liter\u00e1rio. Eis que, em todo lugar, todo mundo s\u00f3 falava bem de \u201cTomorrow, and tomorrow, and tomorrow<\/em><\/strong>\u201d (tradu\u00e7\u00e3o livre: \u201cAmanh\u00e3, e amanh\u00e3, e amanh\u00e3\u201d), de Gabrielle Zevin.<\/p>\n\n\n\n O que posso dizer? Merecid\u00edssimo! Adorei cada p\u00e1gina!<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n \u00c9 um livro que apresenta um mundo novo (pelo menos para mim), que s\u00e3o os bastidores da cria\u00e7\u00e3o de jogos eletr\u00f4nicos. E fala sobre o maior e mais profundo amor que h\u00e1: a amizade. <\/p>\n\n\n\n As pessoas supervalorizam o amor rom\u00e2ntico, talvez porque seja mais emocionante e com mais picos de intensidade; mas ele n\u00e3o \u00e9 sustent\u00e1vel na sua ess\u00eancia. A amizade \u00e9 maior, mais profunda e mais generosa. Na minha opini\u00e3o, o \u00fanico jeito do amor rom\u00e2ntico se sustentar \u00e9 quando ele acontece com seu melhor amigo (ou amiga). <\/p>\n\n\n\n Como diz um dos personagens, voc\u00ea pode se apaixonar por qualquer pessoa; mas achar uma com quem voc\u00ea queira fazer coisas, rir, construir hist\u00f3rias e jogar, \u00e9 muito mais raro.<\/p>\n\n\n\n Mas vamos \u00e0 hist\u00f3ria: Sadie (que nome horr\u00edvel; Sad em ingl\u00eas \u00e9 triste \u2014 n\u00e3o consigo evitar de associ\u00e1-lo com tristeza) est\u00e1 num hospital em Los Angeles acompanhando a irm\u00e3 que est\u00e1 se tratando de leucemia \u2014 na verdade, quem est\u00e1 acompanhando \u00e9 a m\u00e3e, mas ela s\u00f3 tem 13 anos e tem que ir junto, para n\u00e3o ficar sozinha em casa. <\/p>\n\n\n\n No hospital tem uma sala de recrea\u00e7\u00e3o e as enfermeiras a liberam para ir jogar Super Mario Bros. S\u00f3 que quando ela chega na sala, j\u00e1 tem um menino l\u00e1, jogando. E ele \u00e9 bom.<\/p>\n\n\n\n Ela se senta ao lado dele, observando. Depois os dois jogam juntos. E s\u00f3 passadas horas \u00e9 que eles come\u00e7am a conversar. O menino, descendente de coreanos, tem a idade dela, chama-se Sam, e eles acabam se entendendo bem. Ele est\u00e1 se recuperando de um acidente de carro que quase destruiu seu p\u00e9.<\/p>\n\n\n\n Adolescentes, os dois viram grandes amigos e adoram jogar juntos. Sam \u00e9 muito bom em matem\u00e1tica e Sadie \u00e9 brilhante em programa\u00e7\u00e3o. Eles acabam brigando e ficam sem se falar por anos, at\u00e9 que Sam v\u00ea Sadie numa esta\u00e7\u00e3o de metr\u00f4 em Boston, onde ambos estudam (ela est\u00e1 no MIT e ele em Harvard).<\/p>\n\n\n\n Sam est\u00e1 estudando matem\u00e1tica, mas sem muita paix\u00e3o. Sadie, ao contr\u00e1rio, estuda design de games e n\u00e3o apenas est\u00e1 apaixonada pela disciplina, mas tamb\u00e9m pelo professor. Numa das tarefas de aula, ela tem que bolar um jogo. No reencontro com Sam, ela entrega um disquete para ele (estamos em 1995) com o jogo Solution<\/em><\/strong> (n\u00e3o entendo muito de jogos, pois sou da galera do Tetris, Mahjong e Sudoku), mas, pela descri\u00e7\u00e3o, \u00e9 a coisa mais genial que eu j\u00e1 vi, n\u00e3o pelo jogo em si, mas pelo conceito.<\/p>\n\n\n\n Sam est\u00e1 morando com Marx, um colega super gente boa, que decide adotar Sam como irm\u00e3o (Sam \u00e9 bem pobre e nunca tem dinheiro suficiente para agasalhos e at\u00e9 comida), mas de um jeito muito elegante. Marx \u00e9, ao contr\u00e1rio de Sam e Sadie, super comunicativo, namorador, teve aulas de teatro e \u00e9 bem popular na escola. Imposs\u00edvel n\u00e3o am\u00e1-lo.<\/p>\n\n\n\n Bom, a coisa vai se desenvolvendo num n\u00edvel em que Sam e Sadie resolvem bolar um jogo totalmente novo e Marx colabora como produtor.<\/p>\n\n\n\n Eu n\u00e3o fazia ideia da complexidade de se projetar um jogo eletr\u00f4nico. Al\u00e9m da programa\u00e7\u00e3o propriamente dita e os engines<\/em> (mecanismos e ferramentas para se construir o cen\u00e1rio e as a\u00e7\u00f5es), um designer de games tamb\u00e9m precisa estudar psicologia (para entender o comportamento humano e suas motiva\u00e7\u00f5es), storytelling (para conseguir narrar uma hist\u00f3ria de maneira atraente, construir a ambienta\u00e7\u00e3o \u2014 que na verdade \u00e9 construir um mundo, os personagens e as intera\u00e7\u00f5es entre eles), pensar na trilha sonora, entender o desenvolvimento do jogo e suas regras, as curvas de aprendizado, as recompensas e os testes; marketing, a gest\u00e3o do projeto em si (que, dependendo do jogo, \u00e9 bem complexo) e at\u00e9 a experi\u00eancia do usu\u00e1rio (UX Design), veja s\u00f3! <\/p>\n\n\n\n O trio de amigos come\u00e7a uma empresa e \u00e9 um sucesso! Mas a hist\u00f3ria est\u00e1 longe de ser simples; os personagens s\u00e3o bem constru\u00eddos, complexos, cheios de emo\u00e7\u00f5es contradit\u00f3rias e comportamentos inesperados. Como num game, h\u00e1 fases, h\u00e1 conflitos, h\u00e1 perdas, h\u00e1 mudan\u00e7as. Mas h\u00e1 sempre um jeito de recome\u00e7ar uma vida nova.<\/p>\n\n\n\n A gente fica sabendo mais detalhes da vida de Sam e do p\u00e9 que o inferniza com dores intensas ao longo da hist\u00f3ria; da quest\u00e3o da integra\u00e7\u00e3o e da imigra\u00e7\u00e3o (Sam \u00e9 filho de uma coreana e de um judeu \u2014 Marx \u00e9 filho de um japon\u00eas e uma coreana e, finalmente, a av\u00f3 de Sadie \u00e9 uma judia alem\u00e3 fugitiva da guerra); dos novos personagens que surgem; da intoler\u00e2ncia dos conservadores para acolher os diferentes; enfim \u2014 \u00e9 uma hist\u00f3ria bem complexa mesmo. N\u00e3o fica s\u00f3 na superf\u00edcie.<\/p>\n\n\n\n Ali\u00e1s, o nome do livro vem da primeira frase do poema de Shakespeare preferido de Marx retirado de Macbeth (aquele em que o protagonista, sofrendo com a morte da esposa, termina dizendo que a vida \u00e9 uma hist\u00f3ria contada por um idiota, cheia de som e f\u00faria, significando nada).<\/p>\n\n\n\n Quando estavam discutindo o nome da empresa, Marx diz (tradu\u00e7\u00e3o livre):<\/p>\n\n\n\n \u201cO que \u00e9 um jogo?<\/em>\u201d, diz Marx. \u201c\u00c9 amanh\u00e3, e amanh\u00e3, e amanh\u00e3. \u00c9 a possibilidade do renascimento infinito, da infinita reden\u00e7\u00e3o. A ideia de que voc\u00ea continua jogando, e que voc\u00ea pode ganhar. Nenhuma perda \u00e9 permanente, pois nada \u00e9 permanente.<\/em>“<\/p>\n\n\n\n Olha, eu nunca imaginei que pudesse aprender tanto com um livro contanto a hist\u00f3ria de um grupo de designers de games. E sabe uma coisa legal? O livro foi publicado esse ano ao mesmo tempo em que a autora adaptava a hist\u00f3ria para o roteiro de um filme que j\u00e1 come\u00e7ou a ser produzido.<\/p>\n\n\n\n