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<\/a>Todo mundo conhece aquele desenho da pir\u00e2mide alimentar, que come\u00e7a com fartura de cereais e massas na base, depois empilha frutas, hortali\u00e7as, leite, leguminosas at\u00e9 chegar na pontinha, com consumo limitado de carnes, gorduras, a\u00e7\u00facares e doces.<\/p>\n

A pir\u00e2mide de Maslow \u00e9 outra dessas figuras geom\u00e9tricas muito famosas, que coloca as necessidades fisiol\u00f3gicas e de seguran\u00e7a na base para s\u00f3 depois pensar em relacionamentos, aceita\u00e7\u00e3o social; a auto-realiza\u00e7\u00e3o fica l\u00e1 no topo, quando tudo j\u00e1 foi resolvido. Pesquisando mais um pouco a gente descobre pir\u00e2mides pol\u00edticas, organizacionais, socioecon\u00f4micas e at\u00e9, veja s\u00f3, eg\u00edpcias.<\/p>\n

Como se v\u00ea, pir\u00e2mides s\u00e3o muito did\u00e1ticas para deixar bem claro o que \u00e9 fundamental e o que \u00e9 cereja; tamb\u00e9m s\u00e3o \u00f3timas para mostrar por onde se come\u00e7a a construir bases bem estruturadas para qualquer coisa.<\/p>\n

Pois ent\u00e3o. Estava aqui ruminando umas alcachofras e resolvi elaborar uma esp\u00e9cie de pir\u00e2mide da leitura. Vamos l\u00e1 ent\u00e3o.<\/p>\n

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Dietrich Schwanitz, em seu “Cultura geral, tudo o que se deve saber<\/em>” diz que somente a l\u00edngua nos disting\u00fce dos animais e, mais do que a fala, a escrita \u00e9 a chave para o dom\u00ednio de uma l\u00edngua. Falando, a gente pode descrever coisas e pessoas, mas as ideias precisam ser simples porque acompanhar o desenrolar da argumenta\u00e7\u00e3o exige muita concentra\u00e7\u00e3o. Por meio da escrita, \u00e9 poss\u00edvel libertar a linguagem da situa\u00e7\u00e3o concreta (fatos) e torn\u00e1-la independente do contexto (ideias). Quando a gente fala, a emo\u00e7\u00e3o predomina sobre a objetividade; quando escreve ou l\u00ea, desenvolve muito mais a capacidade de abstra\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Beleza. Quer dizer que ler serve basicamente para desenvolver a capacidade de abstra\u00e7\u00e3o, o que n\u00e3o \u00e9 pouco se a gente analisar onde isso nos leva: compreender a dimens\u00e3o e o contexto da encrenca que \u00e9 esse mund\u00e3o, o que implica em entender pelo menos o b\u00e1sico sobre como as coisas funcionam e como a gente chegou at\u00e9 aqui; esse passo \u00e9 fundamental se quisermos mudar a realidade (ou mesmo deix\u00e1-la exatamente como est\u00e1, o que exige esfor\u00e7o igual ou maior).<\/p>\n

Por isso, penso que a base da pir\u00e2mide deveria ser composta por livros de filosofia, onde a gente conheceria o que j\u00e1 se pensou a respeito e em que p\u00e9 est\u00e1 o debate (isso tem o pomposo nome de estado-da-arte<\/em>). Poder\u00edamos comparar ideias, analisar posi\u00e7\u00f5es e situar nosso papel no mundo, assim como a nossa miss\u00e3o. Poder\u00edamos escolher intencionalmente um comportamento diante da vida com um m\u00ednimo de coer\u00eancia. Filosofia tem a ver com perceber nossa localiza\u00e7\u00e3o no tempo, no espa\u00e7o e nas ideias. Sem isso, a gente fica vagando por a\u00ed sem saber aonde vai e porqu\u00ea. A religi\u00e3o tamb\u00e9m pode se prestar a isso, mas para evitar entrar numa fila qualquer n\u00e3o tem jeito: h\u00e1 que se ler e se questionar muito.<\/p>\n

Na base deveriam estar tamb\u00e9m livros de hist\u00f3ria, que complementam bem a filosofia. Por que certas na\u00e7\u00f5es vivem em guerra? Por que alguns povos s\u00e3o mais ricos que outros? Por que a terra \u00e9 separada em pa\u00edses? Por que falamos portugu\u00eas e n\u00e3o mandarim? Coisas b\u00e1sicas e fundamentais para n\u00e3o repetir erros (e votar em certos pol\u00edticos).<\/p>\n

Geografia tamb\u00e9m seria \u00fatil e b\u00e1sico para a gente se orientar. Fico assustada quando conversamos, em postos de gasolina, com motoristas de caminh\u00e3o que n\u00e3o conseguem entender mapas nem fazem a menor id\u00e9ia de dist\u00e2ncias ou de pontos cardeais. Eles aprendem o caminho com algu\u00e9m e o repetem igual a ratinhos de laborat\u00f3rio. Triste, se a gente pensar que o mundo para eles poderia ser t\u00e3o maior e mais interessante…<\/p>\n

Por \u00faltimo, nessa base, penso que seria importante ter no\u00e7\u00f5es de ci\u00eancias (matem\u00e1tica, f\u00edsica, biologia) e de onde partem as linhas de racioc\u00ednio para que as coisas fa\u00e7am sentido. Como manter um corpo minimamente saud\u00e1vel se a gente nem sabe direito como ele funciona? Como se virar num mundo sem saber fazer contas? Conhe\u00e7o pessoas com o segundo grau completo que ainda n\u00e3o captaram o conceito de porcentagem. Muito preocupante.<\/p>\n

Acredito que algu\u00e9m com esse conhecimento de base j\u00e1 deveria ter as ferramentas b\u00e1sicas para evoluir no mundo e partir para os pr\u00f3ximos est\u00e1gios (seria o equivalente a forrar o est\u00f4mago com cereais, para dar “sustan\u00e7a”).<\/p>\n

No meio da pir\u00e2mide, eu colocaria a literatura e as artes em geral em propor\u00e7\u00f5es bem generosas, pois que, afinal, s\u00e3o elas que nos fazem humanos. \u00c9 onde est\u00e3o os sonhos, as ideias, os cen\u00e1rios reais ou fant\u00e1sticos. Por meio da literatura podemos viajar, conhecer lugares e viver coisas que nos seriam impratic\u00e1veis; conseguimos a proeza de participar e observar ao mesmo tempo; somos capazes de amadurecer e aprender com experi\u00eancias alheias, verdadeiras ou absurdas. A literatura e as artes tornam poss\u00edvel o imposs\u00edvel, fazendo o mundo ficar absolutamente infinito.<\/p>\n

Um pouco mais para cima, no pr\u00f3ximo n\u00edvel, em menor quantidade, penso que poder\u00edamos nos concentrar em livros t\u00e9cnicos, que ajudariam a trabalhar melhor, aprendendo com outros. Certamente, qualquer profissional bem alimentado pelos est\u00e1gios anteriores teria muito mais repert\u00f3rio para assimilar e aplicar esse conhecimento.<\/p>\n

Na \u00faltima etapa, l\u00e1 na pontinha, depois de tudo bem mastigado e digerido, ficariam as not\u00edcias e atualidades, necess\u00e1rias para que a gente n\u00e3o se isole do mundo, mas que precisam ser consumidas com comedimento. Not\u00edcia em excesso e sem contexto embrutece e anestesia.<\/p>\n

\u00c9 claro que isso \u00e9 apenas o que eu consideraria como ideal, mas, evidentemente n\u00e3o pratico. \u00c0s vezes leio muito mais livros t\u00e9cnicos do que seria saud\u00e1vel e meus conhecimentos de hist\u00f3ria e filosofia s\u00e3o parcos e insuficientes. Tem dias at\u00e9 que s\u00f3 leio not\u00edcias. Mais ou menos como uma dieta desequilibrada, onde a salada fica de lado e a gente se entope de batatas fritas. Mas quem sabe, com a ajuda de uma providencial pir\u00e2mide, agora seja poss\u00edvel priorizar e organizar minha dieta liter\u00e1ria. Se voc\u00ea n\u00e3o concorda com a minha, pode fazer ajustes ou construir a sua pr\u00f3pria; talvez lhe seja \u00fatil tamb\u00e9m.<\/p>\n

Para terminar, fica uma frase muito elucidativa do cientista e fil\u00f3sofo alem\u00e3o Georg Christoph Lichtenberg: “Na maioria das vezes, esque\u00e7o o que li, assim como aquilo que comi; mas sei que essas duas coisas contribuem igualmente para sustentar meu esp\u00edrito e meu corpo<\/em>“.<\/p>\n

Ent\u00e3o, bom apetite!<\/p>\n

L\u00edgia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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