Voc\u00ea j\u00e1 pensou em como o design influencia a sua vida e as suas decis\u00f5es? E n\u00e3o estou falando na praticidade do dia-a-dia, na est\u00e9tica, na polui\u00e7\u00e3o ambiental ou no desenvolvimento de novos produtos. Refiro-me a quest\u00f5es mais \u00edntimas, de ordem sentimental e dif\u00edceis de explicar. O design traduz o que as pessoas sentem, pensam e querem, ou ele, em si, provoca esses sentimentos, desejos e pensamentos.<\/p>\n\n\n\n
Adrian Forty, professor do University College, em Londres, debru\u00e7ou-se sobre o tema e nos brindou com o magn\u00edfico “Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750<\/strong>“. A primorosa edi\u00e7\u00e3o da Cosac Naify ainda tem um charme a mais: o livro acompanha uma folha adesiva com palavras e ilustra\u00e7\u00f5es para que o leitor possa montar a capa, que s\u00f3 vem com um lindo fundo estampado. Adorei!<\/p>\n\n\n\n Forty nos lembra que as pessoas costumam se queixar dos efeitos nocivos da televis\u00e3o, do jornalismo e da propaganda, mas nem se d\u00e3o conta da influ\u00eancia do design na sua vida. Talvez porque o considerem uma atividade art\u00edstica neutra e inofensiva, elas n\u00e3o reparam que os objetos de design provocam efeitos muito mais duradouros do que os produtos ef\u00eameros da m\u00eddia \u2013 \u00e9 que o design d\u00e1 formas tang\u00edveis e permanentes \u00e0s id\u00e9ias sobre quem somos e como devemos nos comportar. N\u00e3o \u00e9 diab\u00f3lico?<\/p>\n\n\n\n Ele cita como exemplo o mobili\u00e1rio de um escrit\u00f3rio desenhado no come\u00e7o do s\u00e9culo XX e outro atual. As diferen\u00e7as s\u00e3o gritantes e poucas s\u00e3o as respostas convincentes sobre porque isso acontece t\u00e3o rapidamente com todos os objetos p\u00f3s-revolu\u00e7\u00e3o industrial. Alguns historiadores tentam explicar o fen\u00f4meno de muta\u00e7\u00e3o construindo met\u00e1foras a partir da biologia, defendendo a tese de que o design passa por est\u00e1gios de evolu\u00e7\u00e3o progressiva em busca da forma perfeita<\/strong>. Meio ut\u00f3pico e \u201cfora da casinha\u201d, n\u00e3o parece?<\/p>\n\n\n\n Pois Forty tamb\u00e9m acha isso coisa de gente sem no\u00e7\u00e3o. Ele entende que o design contribui para disseminar os mitos cl\u00e1ssicos, como todas as outras formas de m\u00eddia. S\u00f3 que ele \u00e9 mais duradouro e tem uma rela\u00e7\u00e3o mais pr\u00f3xima com as pessoas, afinal, est\u00e1 no ambiente onde elas vivem e nos objetos que com elas convivem. Assim, o design tem a capacidade de moldar mitos numa forma s\u00f3lida e tang\u00edvel \u2013 isso faz com que os pr\u00f3prios mitos pare\u00e7am reais.<\/p>\n\n\n\n Um exemplo \u00e9 o neoclassicismo, que invadiu as pranchetas junto com a revolu\u00e7\u00e3o industrial. Tudo o que o progresso trazia de sujeira, injusti\u00e7a social e destrui\u00e7\u00e3o de sonhos id\u00edlicos rurais era contrabalan\u00e7ado pela est\u00e9tica neocl\u00e1ssica, da justi\u00e7a, da beleza e da harmonia. Mito, claro, pois a Gr\u00e9cia n\u00e3o era nenhum para\u00edso para os escravos e mulheres. Mas criar objetos neocl\u00e1ssicos com moderna tecnologia talvez d\u00ea um pouco de tranq\u00fcilidade psicol\u00f3gica a essa gente. Quem sabe isso tamb\u00e9m explique a fant\u00e1stica profus\u00e3o de imensas casas vitorianas encaixadinhas em lotes m\u00ednimos nos chiqu\u00e9rrimos condom\u00ednios da Ilha, heim?<\/p>\n\n\n\n O autor pega o exemplo de um r\u00e1dio. O design pode ter abordagens distintas<\/strong>: na arcaica<\/strong>, as v\u00e1lvulas e mecanismos se exibem sem pudor, fazendo tudo parecer muito complicado e grosseiro, como eram feitos os primeiros aparelhos. Vendo que as pessoas n\u00e3o gostariam de colocar mostrengos em suas lindas salas, alguns criativos partiram para a supress\u00e3o<\/strong>, onde se tenta esconder o equipamento dentro do bra\u00e7o de uma poltrona, por exemplo (sim, isso existiu de verdade, h\u00e1 fotos!). Por \u00faltimo, partiu-se para a abordagem ut\u00f3pica<\/strong>, onde um r\u00e1dio mais parece um disco voador, de tantas luzes, bot\u00f5es e truques.<\/p>\n\n\n\n A abordagem ut\u00f3pica dominou o s\u00e9culo XX e nosso s\u00e9culo ainda est\u00e1 em busca de uma linguagem pr\u00f3pria, dividido entre o clean e o kitsch. De qualquer maneira, tem de tudo nesse caos. Esses dias vi um aparelho de som que se passava por um gramofone, mas tocava mp3. Vai entender.<\/p>\n\n\n\n Uma das passagens mais interessantes, por\u00e9m, \u00e9 aquela que derruba o cl\u00e1ssico mito de que a forma segue a fun\u00e7\u00e3o. Segundo o autor, a l\u00f3gica (furada) desse argumento \u00e9 que todos os objetos com a mesma fun\u00e7\u00e3o deveriam convergir para a mesma forma, o que, evidentemente, n\u00e3o acontece nem com os mais celebrados designers.<\/p>\n\n\n\n A vers\u00e3o original foi publicada em 1986 e, apesar de ainda ser atual, n\u00e3o mostra o resultado dessa discuss\u00e3o toda. Talvez seja gra\u00e7as ao Forty que hoje o estado-da-arte considera “a forma segue a mensagem<\/em><\/strong>” como uma tradu\u00e7\u00e3o mais apropriada do papel do design no mundo atual. Sugiro voc\u00ea colocar esse livro na sua lista de objetos de desejo.<\/p>\n\n\n\n