Se tem uma coisa que causa mal estar entre os designers \u00e9 um arquiteto se intitular um deles. Para boa parte dos designers, arquitetura e design s\u00e3o disciplinas completamente distintas, s\u00f3 tendo em comum a preocupa\u00e7\u00e3o est\u00e9tica que seus praticantes comungam. Para mim, n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 isso. Como defendo a defini\u00e7\u00e3o do design (longe de ser un\u00e2nime, bem lembrado) onde ele se sustenta sobre o trip\u00e9 projeto<\/span>, conceito<\/span> e est\u00e9tica<\/span>, penso, sim, que os arquitetos s\u00e3o designers tamb\u00e9m, j\u00e1 que a arquitetura baseia-se igualmente nessa trindade.<\/p>\n <\/p>\n Mas alto l\u00e1. Isso n\u00e3o significa que arquitetos possam sair por a\u00ed livremente criando marcas gr\u00e1ficas, websites, embalagens ou lumin\u00e1rias. O curso de arquitetura n\u00e3o contempla essas habilita\u00e7\u00f5es e penso ser saud\u00e1vel respeitar as limita\u00e7\u00f5es que cada forma\u00e7\u00e3o imp\u00f5e. Arquitetos s\u00e3o designers sim, mas de um tipo de produto muito especial, que os outros designers de produto n\u00e3o costumam (e nem possuem qualifica\u00e7\u00e3o) meter o notebook. Arquitetos projetam objetos de morar, de trabalhar, de conviver, de se divertir. E isso n\u00e3o \u00e9 nem de longe pouca coisa; portanto, n\u00e3o h\u00e1 mesmo raz\u00e3o deles quererem projetar marcas tamb\u00e9m.<\/p>\n <\/p>\n Alain de Botton, no seu \u00f3timo “Arquitetura da Felicidade<\/span>“, acerta em cheio quando diz que somos incovenientemente vulner\u00e1veis ao ambiente que nos cerca. A cor das paredes, o formato do sof\u00e1, o desenho do tapete, tudo influencia o nosso humor, mesmo que a gente n\u00e3o perceba. Eu, pelo menos, n\u00e3o consigo produzir em ambientes feios (claro que esse “feio” \u00e9 compat\u00edvel com as minhas refer\u00eancias est\u00e9ticas). Fico triste, de mau-humor, quero sair. Concordo com Botton que, no fundo, todas as almas sens\u00edveis s\u00e3o afetadas pelo cen\u00e1rio. Voc\u00ea n\u00e3o est\u00e1 nem a\u00ed para a estampa do sof\u00e1? Pois o Allan advoga que aquelas pessoas que aparentemente n\u00e3o se comovem com o entorno est\u00e3o, na verdade, protegendo-se da possibilidade da ang\u00fastia de serem expostas \u00e0 aus\u00eancia da beleza. Sabe aquele tipo est\u00f3ico, que vive se economizando, que n\u00e3o se apega para n\u00e3o sofrer depois? Quem sabe n\u00e3o \u00e9 voc\u00ea?<\/p>\n <\/p>\n Para os afoitos de plant\u00e3o (sempre aparece algu\u00e9m com esse argumento), n\u00e3o custa lembrar que a est\u00e9tica n\u00e3o tem nenhuma rela\u00e7\u00e3o com dinheiro. Sensibilidade n\u00e3o tem classe social e pode-se fazer maravilhas com um caixote de madeira ou um banquinho feito no quintal. Da mesma forma, torneiras de ouro e tapetes de pele de on\u00e7a importada das savanas africanas est\u00e3o longe de serem sin\u00f4nimos de harmonia visual.<\/p>\n <\/p>\n Voc\u00ea j\u00e1 percebeu que, assim como a roupa, a casa de uma pessoa tamb\u00e9m pode dizer muito sobre ela? Os estilos arquitet\u00f4nicos s\u00e3o muitos, e, mesmo que nem sempre a gente possa escolher com total liberdade a cara do lugar onde vai morar, \u00e9 nas adapta\u00e7\u00f5es e nos detalhes que as personalidades se revelam. De an\u00f5es de jardim a port\u00f5es autom\u00e1ticos; de janelas trancadas a varandas floridas; de lixo espalhado a luzes de natal; tudo dep\u00f5e sobre o jeit\u00e3o de quem tomou as decis\u00f5es estrat\u00e9gicas no lar-doce-lar.<\/p>\n <\/p>\n Da mesma forma, fachadas de edif\u00edcios p\u00fablicos contam a hist\u00f3ria de seus governantes; a organiza\u00e7\u00e3o de uma cidade fala muito da cultura de seu povo; empresas grandes e pequenas entregam os segredos de seus gestores; impon\u00eancia, solidez, amadorismo, descaso, compet\u00eancia, cuidado, fragilidade, orgulho, ostenta\u00e7\u00e3o, extravag\u00e2ncia, discri\u00e7\u00e3o, bizarrice – quase tudo pode ser dito pelas paredes dos lugares onde se vive, trabalha, estuda ou namora.<\/p>\n <\/p>\n Botton ousa dizer que o desenho de qualquer objeto transmite impress\u00f5es de atitudes psicol\u00f3gicas e morais. Afirma que a personalidade das coisas pode ser julgada a partir de caracter\u00edsticas aparentemente inexpressivas, e exemplifica: a mudan\u00e7a de poucos graus no \u00e2ngulo da borda pode transformar uma ta\u00e7a de vinho de arrogante a recatada. Lembra que uma cadeira com estruturas curvas \u00e9 facilmente associada ao acolhimento, \u00e0 desenvoltura e \u00e0s brincadeiras, ao passo que uma de tra\u00e7os retos transmite sobriedade, concis\u00e3o e racionalidade. E faz uma brincadeira divertida: mostra as fotografias de tr\u00eas torneiras diferentes e pergunta de qual delas gostar\u00edamos de ser amigos. \u00c9 impressionante como a gente simpatiza mesmo com apenas uma.<\/p>\n <\/p>\n Allan nos alerta que id\u00e9ias pol\u00edticas e \u00e9ticas podem ser escritas em esquadrias de janelas e ma\u00e7anetas de portas; em grandes constru\u00e7\u00f5es ou pequenos casebres; em jardins, avenidas, viadutos e at\u00e9 num espremedor de lim\u00e3o. \u00c9 essa miss\u00e3o que une o design \u00e0 arquitetura; juntos, eles traduzem uma civiliza\u00e7\u00e3o<\/span>. Para uma tarefa t\u00e3o grandiosa e de t\u00e3o grande responsabilidade, conviria que deixassem de lado essas rivalidades t\u00e3o v\u00e3s…<\/p>\n