A Bauhaus vista de dentro

Nossa, só posso dizer que queria muito ter lido esse livro há alguns meses, quando ainda estava preparando um curso de história do design para a PUC/RS. Mas “The hiding game” (Tradução livre “O jogo de esconde-esconde“), de Naomi Wood, publicado em 2019, só caiu nas minhas mãos agora, e por por coincidência, pois achei-o por acaso num sebo.

O motivo do meu encanto é que o livro é sobre seis estudantes que se conhecem na Bauhaus, ainda em Weimar, em 1922. E a história deles vai se desdobrando junto com a da escola; eles se mudam junto com a instituição para Dessau e depois para Berlim, onde tudo termina. 

Paul, Charlotte, Walter, Jenö, Kaspar e Irmi passeiam pela cidade de Weimar, experimentam as inovações ensinadas na Bauhaus (aulas inteiras do professor Johannes Itten são descritas em detalhes; parece que a gente está lá), percebem a estranheza da população da cidade, extremamente conservadora, enfim, é tudo descrito de uma maneira muito imersiva.

Paul, o protagonista, imediatamente se encanta por Charlotte, uma tcheca nascida em Praga cheia de estilo e atitude. Ela usa cabelos curtíssimos e adora roupas masculinas, o que causa muito estranhamento nas pessoas mais tradicionais e lhe custa a própria vida. Walter se apaixona perdidamente por Jenö, um judeu alemão jovem e ainda confuso com seus sentimentos. Kaspar está sempre com Irmi (são ambos berlinenses), mas ele vive cheio de namoradas. 

Eis que a gente chega a pensar que Walter vai ficar com Jenö, mas este último também cai de amores por Charlotte. Entra na história Ernst, o dono de um ateliê de pinturas clássicas vendidas por toda a Europa que mantém um exército de jovens pintores trabalhando em turnos para terminar as encomendas a tempo. Para Paul, que está tendo aulas na Bauhaus, é quase um sacrilégio, uma traição. Mas ele precisa do dinheiro, e mais tarde, Walter se junta ao ateliê.

Fica bem claro o machismo que pautava as decisões dos diversos diretores da escola (que, na história, aparece com um só). A Bauhaus teve várias alunas, mas elas não podiam, como os rapazes, escolher a especialização que preferiam (escultura em metal ou outros materiais, tipografia, pintura de murais, trabalhos em vidro, por exemplo); só podiam frequentar o ateliê de tecelagem e não eram aceitas por vários dos professores.  

Contextualizando um pouco, a Bauhaus foi fundada em 1919 em Weimar, na Alemanha, com o objetivo de preparar artistas para projetarem objetos úteis para a indústria, sob a direção do arquiteto berlinense Walter Gropius. Para isso, eles uniram arquitetura, arte, artesanato e design de uma maneira bem inovadora, inclusive no método de ensino. Obviamente causou muito desconforto no establishment, pois eram conceitos e referências estéticas muito diferentes. 

Paul Klee e Wassily Kandinski, professores, também participam da trama, mas apenas como figurantes.

Na história, os personagens entram na turma de 1922, quando os métodos já enfrentavam resistência da população local. Sem recursos e sem apoio, a instituição se muda para Dessau em 1925; na época, a cidade era tipo um Vale do Silício alemão (melhor lugar não poderia haver, né?).

Tendo a história da Alemanha como pano de fundo, a gente passa pelo período de hiperinflação e a ascensão do partido nazista vendido como única opção para derrotar os comunistas e essas modernidades que ameaçavam as normas e regras vigentes. Dessau era uma cidade bem pequena também, e os estudantes eram que meio isolados da população.

A gente participa dos bailes, das crises, e do período em que Charlotte e Janö namoraram despedaçando os corações de Paul e Walter, que se tornaram confidentes. Mais uma reviravolta e Charlotte e Paul ficam juntos e se mudam para Berlim, para onde a escola também vai. Eles já tinham terminado o curso e ensaiavam fazer um mestrado enquanto davam aulas na própria instituição, mas a pressão já era grande, o financiamento já não existia e não era mais possível manter os salários.

A Bauhaus então mudou-se para uma ex fábrica de telefones em 1933 localizada no bairro de Steglitz, em Berlim (que infelizmente não existe mais) e as histórias dos amigos se cruzam novamente, dessa vez com as vidas de Charlotte e Janö ameaçadas pela ascensão de Hitler. 

De qualquer maneira, tanto diretores, como professores e estudantes, não tinham mais espaço naquela Alemanha que acreditava existir certo e errado na arte, nos costumes, na cultura, e até nas raças, veja só. A maioria teve que fugir, assim como aqueles que não seguiam as convenções determinadas pelos “cidadãos de bem”: além dos judeus, os artistas, os homossexuais, os ciganos, os negros; enfim, pessoas que desafiavam e questionavam o status quo, que faziam pensar, que ousavam fazer diferente.

A história e narrado por Paul, já com outro nome e exilado na Inglaterra muitos anos depois; lá ele mergulha em seu passado ao receber um telefonema de Irmi, contando sobre a morte de Walter. Paul esconde um segredo difícil que o perturba de tal maneira que ele não consegue contar a ninguém. Um encontro com Jenö, também exilado e com outro nome, ele finalmente consegue admitir o enorme, imperdoável e fatal erro que cometeu.

Eu já segui o rastro da Bauhaus visitando pessoalmente os lugares descritos no romance; fui a Weimar, Dessau e reconheço os lugares descritos em Berlim. Mas vou ter que refazer o caminho todo de novo, agora na companhia de Paul. 

O livro é triste, mas também poético e muito instrutivo. 

Uma das melhores coisas que li esse ano. Recomendo fortemente.

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