Os logos não são tudo aquilo que se pensava

Acabei de ler “A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre o que compramos” e estou encantada, assustada, perplexa, curiosa e cheia de palavras. Pena que a versão brasileira não conseguiu achar nada equivalente para traduzir a grande sacada que é “Buyology“, o título original.

O volume, escrito pelo consultor dinamarquês especializado em global branding, Martin Lindstrom, deveria ser leitura obrigatória para todo mundo que trabalha com marketing, design ou propaganda. É que o sujeito conseguiu parceiros suficientes para organizar o maior estudo até então feito sobre neuromarketing; ou seja, deu um jeito de escarafunchar nosso cérebro para descobrir como tomamos as decisões de compra.

Na real, cada capítulo mereceria uma resenha, mas um dos que mais me deixou perplexa foi o que fala de propaganda subliminar. Lindstrom conta que o termo foi cunhado em 1957 pelo pesquisador de mercado James Vicary, com a lendária inserção de quadros incitando o consumo de pipoca e Coca-Cola no meio de um filme, de maneira que só o subconsciente das pessoas conseguisse reconhecer as mensagens. Vicary saiu divulgando que as vendas tinham aumentado consideravelmente depois dessa experiência (e por causa dela), mas depois, em 1962, quando o experimento foi refeito e não se conseguiu os mesmos resultados, o próprio assumiu em uma entrevista que tudo não passava de invenção, inclusive os números referentes ao aumento das vendas. A Associação Psicológica Americana decretou que a propaganda subliminar não funcionava tão bem como a tradicional.

A questão é que as pessoas estavam considerando propaganda subliminar como essas mensagens óbvias inseridas em algum contexto de modo a influenciar o comportamento de compra e que só fossem percebidas pelo subconsciente (tem muita lenda por aí que fala de frases adoradoras do demônio em discos tocados ao contrário e outras bobagens do mesmo naipe). Mas Lindstrom descobriu que a propaganda subliminar está em alta e funciona sim, mais até do que a propaganda convencional. Mas, para isso, ela precisa ser mais sutil e menos literal; agora a coisa atingiu um grau de sofisticação que deixa no chinelo aquelas experiências quase inocentes de Vicary e seus contemporâneos.

Martin descreve uma pesquisa realizada em 2005 na Universidade da Pensilvânia onde se descobriu que o cérebro humano é capaz de recuperar imagens antes que elas sejam registradas no nível consciente. O mesmo não ocorre com nomes ou palavras escritas, o que nos dá pistas muito interessantes sobre como usar propaganda subliminar.

Numa experiência integrante do projeto que motivou o livro, Lindstrom reuniu fumantes voluntários e mostrou cenários com cowboys, pôres-do-sol alaranjados, montanhas, cavalos e jipes em estradas de terra. Depois mostrou os bastidores do circo da Fórmula 1, com suas Ferraris e macacões vermelhos. Em algumas das sessões nenhuma marca ou nome foi mostrado, apenas os cenários; em outras, as propagandas dos cigarros, suas marcas gráficas e embalagens eram explícitas. Os fumantes foram submetidos a essas imagens em várias visitas ao laboratório de ressonância magnética.

O que se queria medir: que partes do cérebro se acendiam quando os voluntários assistiam aos filmes? Bem, a parte previsível foi que, quando viam as embalagens dos cigarros, as áreas relacionadas à recompensa, ao desejo e à dependência mostraram uma reação pronunciada. A parte imprevisível foi que, quando submetidas apenas aos cenários de cowboys e Fórmula 1, as mesmas partes se manifestaram com muito mais intensidade do que se os voluntários estivessem vendo um pacote de cigarros Marlboro.

Então, as imagens associadas desencadearam muito mais desejo nos participantes do que quando eles olhavam a marca ou o maço de cigarros. O resultado se repetiu para a marca Camel, dessa vez com imagens desérticas povoadas de camelos e motos. Em resumo, tudo o que essas paisagens e cenários significavam subliminarmente (masculinidade, sexo, poder, velocidade) foram imediata e automaticamente transformadas na representação da marca.

A propaganda subliminar funciona tão bem porque, quando as imagens não mostravam nenhuma marca gráfica ou embalagem visíveis, os fumantes não sabiam conscientemente que estavam vendo uma imagem publicitária e, por isso, abaixavam a guarda. Na época em que era permitido fazer propaganda na televisão e nos outdoors, as pessoas, sabendo que cigarros faziam mal, levantavam praticamente um muro de defesa contra a mensagem. Agora que as marcas não aparecem, as pessoas reagem entusiasticamente ao mesmo apelo, só que inconscientemente.

Lindstrom conta ainda que a marca de cigarros britânica Silk Cut, ao saber da proibição iminente de propagandas explícitas, montou uma estratégia que consistia em apresentar maciçamente a marca gráfica sobre uma faixa de seda roxa. Quando a proibição entrou em vigor, eles retiraram as marcas, mas continuaram com a faixa roxa (não podiam ser acusados de nada, olha só a inocência…). Bom, para resumir a história, uma pesquisa feita tempos depois revelou que assombrosos 98% dos consumidores (fumantes ou não) associavam a faixa roxa com a marca de cigarros – a marca gráfica não fez a menor falta.

Pois é, a conclusão que se tira disso é que quanto mais se proíbe algo, mais se incentiva o consumo. E que a marca gráfica, antes considerada o elemento mais poderoso da publicidade é, na verdade, o menos poderoso. As formas, os cenários, o posicionamento e, principalmente as cores, ganham com folga.

O autor inclusive reflete sobre as inúmeras conferências e eventos dos quais participa no mundo todo cujas cadeiras, paredes, brindes, folhetos, sacolas e canetas estão coalhadas de marcas; ele não se lembra de nenhuma delas – são como uma sopa de letras.

Baseada nessa e em outras pesquisas (uma delas provou que aquelas figuras escabrosas que aparecem nas embalagens mostrando os efeitos deletérios do cigarro acendem as áreas relacionadas ao prazer no subconsciente dos fumantes), Lindstrom conclui que os anúncios que mais incitam uma pessoa a fumar são aqueles com advertências. Bonés, cinzeiros e brindes com as cores da marca (mas não necessariamente com ela impressa) ajudam muito, seguidas pelas poderosas imagens subliminares sem nenhuma referência explícita à marca.

Sempre achei que os designers superestimam o poder de uma marca gráfica — alguns chamam sua aplicação controlada de gestão de marca (o que considero um enorme equívoco). Todo mundo sabe que um produto é Apple, mesmo que não encontre a maçãzinha em nenhum lugar; aliás, é uma tendência mundial fazer propaganda sem mostrar explicitamente a marca, abordagem que tem mostrado excelentes resultados. Marcas gráficas continuam importantes, é claro, mas é preciso se ter consciência de que elas são apenas a ponta do iceberg.

A notícia boa é que a maior parte desse iceberg continua a ser construído pelo design; as cores, as formas, os cenários, o merchandising, as embalagens, as estratégias de sensibilização e a materialização da personalidade da marca. Mas ainda tem os cheiros, os sons, as redes sociais, o próprio produto e seus serviços associados.

Em resumo: design é muito mais que uma marca, mas, sem sombra de dúvida, a recíproca nunca foi tão verdadeira.

13 Responses

  1. 8 agosto 2010 at 9:07 pm

    Noticia maravilhosa!!!! Parabéns Ligia, vou informar isso p/ os meus colegas de classe da Faculdade! 😀 muito agradecido!!!!!

  2. Tio
    Responder
    8 agosto 2010 at 9:52 pm

    tenho q te contar uma coisa..achei um sebo lá perto de casa, em SP, que fiquei horas decidindo o que levar.. e gastei uma pequena fortuna lá..rsrsrs.. na sua próxima escala a gente passa lá.. bjs

  3. Renato Cabral
    Responder
    25 agosto 2010 at 6:17 pm

    Mas esse seu texto (excelente) me despertou uma vontade de ler essa história toda. Que boa referência.

  4. Glaucea Boeing
    Responder
    12 outubro 2011 at 5:00 pm

    Excelente post sobre o livro! Para mim, que sou profissional de marketing ligada a industria de cigarros, caiu como uma luva.

  5. 12 outubro 2011 at 5:10 pm

    Excelente informação.

  6. 13 outubro 2011 at 3:26 am

    Têm várias pesquisas por aí que falam que as pessoas lembram muito mais de um cheiro associado à uma empresa, do que sua assinatura visual, em uma taxa de 35 contra 2 pessoas, entre 100. É bem importante desfocar da mesmice.

  7. 13 outubro 2011 at 11:15 am

    Lígia, as imagens associadas às marcas de cigarro não são subliminares, já que foram a base, o conceito criativo, o posicionamento de campanhas absurdamente veiculadas na mídia, sempre com a marca do cigarro (gráfica, sonora, impressa ou animada) assinando de forma ostensiva esta avalanche de exposição. É óbvio que as imagens ficam associadas às marcas, é a função da propaganda, qualquer profissional de criação publicitária sabe disso desde tempos imemoriais. Agora, só existe essa associação porque uma MARCA apareceu durante muito tempo junto com essas imagens. Se Malboro não tivesse dito “Venha para o mundo de Marlboro”, assinado visualmente as campanhas durante anos, alguém iria associar esse universo à marca de cigarros que foi criada inicialmente para ser de mulheres?
    Mas concordo que a experiência de marca é muito que um logotipo.
    abraços

  8. Fábio Augusto de Mattos Lima
    Responder
    23 outubro 2011 at 11:13 am

    Concordo com o José Miranda quando diz que só houve uma associação da marca à imagem depois de muita veiculação, e também concordo que imagens, ícones, cores, formas ou faixas são mais poderosos do que simplismente o nome. A criação é associativa e ponto, seja ela, subliminar ou não!

  9. Fábio Augusto de Mattos Lima
    Responder
    23 outubro 2011 at 11:15 am

    GENÉTICA DA COMPRA

  10. Huendel Goelzer
    Responder
    27 outubro 2011 at 8:58 am

    muito tri

  11. 21 setembro 2013 at 9:16 am

    Bom artigo Lígia,
    Vou seguir esse estudo da Universidade da Pensilvânia, pois ajuda-me no que o que estou a investigar.
    Os estudos referidos comprovam a importância de uma comunicação global integrada e coerente com o que é a identidade e conduta da empresa.
    A marca gráfica cumpre o seu papel de signo identificador, mas a marca vive no nosso imaginário coletivo.

    Obrigado
    Daniel

    • ligiafascioni
      Responder
      21 setembro 2013 at 12:12 pm

      Que bom, Daniel!
      Abraços e muito sucesso 🙂

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